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Contos-->CORRESPONDÊNCIA -- 17/11/2009 - 16:39 (Divina de Jesus Scarpim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
João não amava Maria; Maria não amava João. Mas tiveram um relacionamento proibido e intenso. Para os padrões de Maria, moça pobre que tomava dois ônibus todos os dias para o trabalho e estudava à noite sonhando terminar o colégio e fazer jornalismo meio que sabendo que não faria porque não teria dinheiro para pagar o que custaria uma faculdade para quem tinha que ajudar no orçamento doméstico de uma família grande, João era rico; era um dos engenheiros da fábrica e morava em uma casa numa rua tranqüila do centro da cidade, com jardim na frente e muito parecida com uma outra onde Maria havia entrado uma única vez na vida há alguns anos apenas como candidata a empregada doméstica. A dona da casa, uma mulher alta e orgulhosa que Maria invejou de imediato, não a aceitou porque era nova demais.

O primeiro bilhete foi apenas para marcar um encontro, não houve primores literários e João foi conciso e direto como sempre era quando precisava se comunicar por escrito com alguém. Mas nesse encontro Maria levou uma cartinha contendo um poema e João, sem se dar conta, de repente se viu escrevendo cartas de amor intensas e apaixonadas nas quais ele mesmo reconhecia grandes qualidades literárias e que eram destinadas por um João adolescente para uma menina loira de olhos delicados que estudou na sua classe quando ele estava na sexta série.

Maria escrevia porque era romântica como quase toda jovem é, porque gostava de escrever e via em si, através do reconhecimento dos professores de português que tivera e das amigas que gostavam de ouvir seus poemas, um talento quem sabe promissor. E ela escrevia para um amor que nunca teve, para seu príncipe encantado que a levaria pela mão, sobrevoando o mundo e suas mazelas, em direção a uma vida feliz e de sonho onde caberiam juntos e sem se chocarem, os filhos lindos e perfeitos, a carreira de escritora famosa em constante noite de autógrafo e a casa parecida com a de João onde ela seria aquela senhora alta e orgulhosa.

Os bilhetes eram trocados dentro de envelopes de trabalho, eram deixados sobre a mesa junto com um comunicado interno falso, eram colocados discretamente na mão um do outro em um esbarrão na hora do almoço e chegavam via algum mensageiro discreto. Sempre davam um jeito de trocarem as cartas, que de bilhetes logo não mais se tratavam, e, para dar certa credibilidade de retidão, João inventou que Maria era neta de uma empregada que tivera durante muitos anos e a quem devia todo respeito. Se as pessoas acreditavam nas mentiras, se os viam juntos, se sabiam dos encontros e das tardes passadas nos motéis nunca tentaram averiguar e como ninguém nunca disse nada sobre saber ou não saber do caso, acreditaram, ou se acomodaram no conforto de fingir acreditar, que ninguém sabia; e esse arranjo não verbal, e essa comodidade durou para sempre um ano inteirinho.

Uma semana depois de terem comemorado com champanhe no quarto de motel o primeiro ano de troca de cartas e fluídos, João foi transferido para a filial de outro estado e o romance acabou. Ainda trocaram algumas poucas cartas, ela para seu amor de sonho, ele para a menina loira da sexta série; mas um dia ela conheceu um rapaz que a quis como namorada e escreveu a João uma última carta supostamente chorosa de supostamente eternas despedidas e supostamente eternas saudades.

João nunca guardou uma carta, que a esposa não as encontrasse; rasgava todas assim que terminava de ler, ou reler reconhecendo o progresso dos dons literários de Maria e, no destinatário, o príncipe encantado que não era ele. Maria guardou todas as cartas durante muitos anos em um baú de madeira envernizada colocado no fundo do guarda-roupa; o baú, que ela ganhou de João logo no começo do romance porque disse a ele que tinha medo de que alguém lesse suas cartas, tinha um cadeadinho cuja chave ela escondia no fundo da gaveta de calcinhas.

Guardou o baú no fundo do guarda-roupa e a chave na gaveta de calcinhas, primeiro por uma precaução infantil, já que o frágil cadeado não foi quebrado e o bauzinho não foi roubado por puro desinteresse que todos na casa tinham pelos seus segredos; depois continuou guardando por hábito até o dia em que, depois da terceira mudança de casa, estava de mau humor e foi remexer suas roupas; encontrou o baú e concluiu que já era hora de dar fim ao passado de uma adolescente que ela não podia mais reconhecer na senhora de meia idade em que se transformara e cujo filho mais velho era, naquele momento, mais velho do que ela fora quando, no arrebatamento dos sonhos, escrevia aquelas cartas.

Rasgou uma por uma sem relê-las antes de jogar no lixo os pedaços de papel amarelado, separou as roupas que doaria para a Campanha do Agasalho e fechou o guarda-roupa não como quem fecha uma etapa de sua vida porque essa já tinha sido fechada há muitos anos, mas como alguém que simplesmente fecha o guarda-roupa antes de voltar para a cozinha que já estava na hora de preparar o jantar.
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