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Contos-->POR QUE E COMO MORRI -- 17/11/2009 - 17:10 (Divina de Jesus Scarpim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando entrei em casa estava desesperada e os olhares de preocupação da minha mãe e da minha irmã foram para mim aquela espécie de consolo que faz com que saia de repente, de uma só vez, todo aquele choro agoniado que o excesso de desespero não deixava que saísse. Minha aparência estava realmente preocupante, eu tinha a roupa rasgada, marcas pelo corpo e no rosto um corte sangrando, mas o que doía mais era o fato de aquelas marcas todas terem sido deixadas pelo homem que eu pensara amar e que acreditara que me amasse também. Eu acabava de ser estuprada pelo meu namorado.

As duas perguntavam insistentemente o que tinha acontecido e eu não conseguia falar porque não podia parar de chorar, então me deitei no sofá e, sem dar ouvidos a elas me soltei nas lágrimas e nos gritos abafados de um choro tão forte como nunca houve outro. Depois de muito tempo percebi que elas haviam parado com a insistência e, sentadas em cadeiras que aproximaram do sofá onde eu estava, esperavam pacientemente meu desabafo. Meu corpo todo doía e ardia muito, a parte interna das minhas coxas coçava e estava desconfortavelmente úmida, mas o mais importante de tudo era que naquele momento eu sentia que todo o meu futuro fora roubado de forma violenta junto com a minha virgindade.

Consegui diminuir o choro o suficiente para levantar os olhos roxos e o rosto marcado e sujo do sangue seco que vinha do corte que o anel de pedra verde que ele usa no dedo fizera do meu lado direito e contei a elas que ele me havia violentado, que quando me convidou para jantar na casa dele dizendo que seus pais queriam me conhecer e me levou feliz da vida segura de forma carinhosa pela mão e se despedindo com sorriso educado da minha mãe que nos acompanhou até a porta ele já sabia que seus pais não estavam em casa, que toda a família fora para o velório de uma tia sua que morreu de câncer.

Contei a elas que quando entramos em casa ele havia trancado a porta e não disfarçou mais nada, quando perguntei onde estavam seus pais e ele contou sobre o velório e disse que viemos para nos divertir um pouquinho, comecei a insistir muito que então fôssemos embora, então ele me deu um tapa tão forte que me cortou o rosto com seu anel e me arrastou para a cama de seus pais e me violentou sem que eu pudesse resistir pois cada protesto era um tapa, um soco, uma torcida de braços. E eu que não me atrevesse a gritar!

Quando terminou perguntou-me se eu gostaria de tomar um banho. Levantei-me e comecei a vestir as roupas rasgadas o mais depressa que podia e pedi, pelo amor de Deus, me leve pra minha casa. Ele então trouxe para casa os cacos para sempre esfacelados da jovem alegre e romântica que trouxera para dentro da sua casa deserta.

Depois que contei tudo, minha mãe e minha irmã se olharam e minha mãe mandou que eu fosse tomar um banho e trocar de roupas. Fui passivamente porque estava realmente necessitada daquilo e deixei-as sozinhas na sala para conversarem e decidirem meu destino.

Saí do banho e me deitei com vontade de não me levantar nunca mais da cama. Continuava chorando, mas agora era um choro quase silencioso e quando minha mãe abriu a porta do quarto para me perguntar se queria jantar, tive que enxugar as lágrimas antes de responder que não. Ela fechou a porta e continuei chorando a noite toda. Não chorei até adormecer, chorei até amanhecer, não pude dormir nada. Quando ouvi que minha irmã se levantava para sair para o trabalho cheguei a pensar que eu deveria ir também para o meu trabalho, mas ela entrou de mansinho no meu quarto e, quando viu que eu estava acordada me disse que não precisava me preocupar, ela avisaria que eu estou doente. Deixei-me então ficar na cama e só depois que ela saiu de casa e tudo voltou a ser silêncio pude então adormecer.

Quando acordei ouvi barulho na cozinha e fui para lá porque agora me sentia mais preparada para conversar com minha mãe. Ela me perguntou se queria café e, depois de colocar a garrafa térmica na minha frente sentou-se sem dizer nada. Vi no seu rosto que ela também havia chorado. Tomei o primeiro gole e perguntei então a ela da única forma que eu sabia perguntar.

— Mãe, o que eu faço?

O que ela começou a dizer então foi toda uma revelação para mim. Não queria acreditar no que ouvia, não podia ser verdade que ela realmente quisesse isso. Mas ela falava, se justificava e explicava que era necessário para salvaguardar a honra e que eu devia aceitar porque as coisas nem sempre são como a gente quer, então acreditei que ela realmente dizia aquilo e era daquela maneira mesmo que ela pensava que todo o problema da minha vida estraçalhada seria resolvido. Voltei para o quarto em silêncio e não saí mais de lá o dia todo nem mesmo para saber o que tanto conversavam ela e minha irmã depois dela voltar do trabalho e enquanto ajudava minha mãe a preparar o jantar. Eu já sabia que teríamos um convidado.

Ouvi o barulho do carro estacionando na frente de casa e quase carregada fui até a sala onde me sentei em uma poltrona sem levantar para ninguém os olhos inchados e vermelhos de chorar. Ouvi minha mãe e minha irmã falando com ele como professoras que conversam com aquele aluno que fez uma traquinagem e precisa pedir desculpas para o amiguinho com quem brigou e devolver a ele o brinquedo quebrado para que os dois voltem a ser bons amigos e tudo termine em paz porque são dois menininhos tão bonitinhos e não deveriam nunca fazer coisas assim tão feias.

Ele pediu desculpas, um pouco engasgado, como o menininho malvado da escola faria, e prometeu que sim, que devolveria o brinquedo quebrado para que todos nós voltássemos a ser grandes amigos para sempre. Então fomos todos convidados para ir até a cozinha onde o jantar especial de comemoração das pazes tinha um gosto amargo e não aceitava permanecer no estômago. Em nenhum momento até me levantar para ir ao banheiro vomitar o jantar e depois me fechar no quarto chorando novamente levantei os olhos para olhar para ele e quando ele pegou em minha mão para irmos até a mesa do jantar me senti estuprada novamente. Todo toque no meu corpo era um estupro.

Teve vestido de noiva, teve festa e teve um padre a quem desejei contar tudo e pedir socorro, mas, antes que eu o fizesse, veio me aconselhar a perdoar e procurar ser feliz com o homem que estava se casando comigo agora para corrigir seu erro. Minha mãe e minha irmã haviam contado tudo a ele e vi em suas palavras de afeto e sua voz pousada que eu realmente não tinha salvação.

Fui estuprada com o vestido de noiva e este se transformou em tiras. Dois dias depois tinha mais marcas roxas pelo corpo de que no dia em que voltei para casa sem saber que perdera muito mais do que a virgindade. Fui deixada em paz, desde que fizesse direitinho todo o serviço da casa e não deixasse a comida esfriar durante mais de um mês. Um dia recebi um presente, ele entrou em casa com um pacote grande e era uma roupa de prostituta, toda preta, curta, cheia de ligas e transparências, uma sandália de salto muito alto e um par de luvas que iam até o cotovelo. Vesti tudo depois do terceiro tapa e fui tomar banho e curar os ferimentos sem chorar dessa vez porque não conseguia mais.

Cada vez que tentava contar o que acontecia para minha mãe ou minha irmã, elas me impediam, diziam que não é decente conversar sobre as intimidades de marido e mulher. Minha sogra me desprezava e não escondia isso, dizia que atrapalhei com esse casamento apressado, todo o brilhante futuro de seu querido filhinho, meu sogro me olhava com olhos velados pela apatia do homem que desaprendeu de dizer não, e meu pequeno cunhadinho ria de minha cara de chorona enquanto quebrava coisas pela casa. Eu não tinha ninguém e não soube a quem contar primeiro que estava grávida, acabei dizendo a ele mesmo.

Para mim não disse nada, diante dos pais comemorou e com minha mãe e minha irmã reclamou que as despesas aumentariam. Não me batia mais, raramente tentava fazer sexo comigo e, quando via que não conseguiria, levantava da cama e ia beber calado. Eu nunca dizia nada.

Já estava no quarto mês de gravidez quando ele me acusou pela primeira vez do seu fracasso. Depois de tentar fazer sexo e não conseguir, me deu um tapa no rosto e saiu do quarto dizendo que eu era a culpada por causa de minha apatia e de nunca conversar com ele. Apenas cobri o rosto com a mão e gritei bem alto. Não quero conversar com você. Aquela noite ele saiu batendo a porta e não voltou para casa durante três dias.

Juliana nasceu de parto normal e sofri muito quando ele me estuprou, ainda com os pontos abertos. A dor foi tão insuportável que eu chorava e procurava gritar e até mordi a mão dele que tapava minha boca. Poucas vezes o vi tão satisfeito, chegou até a sair de casa e comprar uma boneca para a neném.

Foi quando Juliana tinha seis meses que descobri que tudo poderia ser muito pior. Entrei no quarto quando ele estava debruçado sobre o berço e, junto com a voz de um pai orgulhoso e amoroso que brinca com a filha, percebi, apavorada, as mãos nojentas e cobiçosas que passeavam pelo corpinho da criança. Corri até ela e a tomei nos braços dizendo Não! Não! Não! Ele saiu do quarto sem dizer nada. Fechei a porta com a chave e só saí depois de ouvir a porta da rua sendo trancada pelo lado de fora.

Ele foi me buscar na casa de minha mãe uma semana depois e todo mundo acreditou que eu estava vendo coisas, que ele seria incapaz de ter um pensamento tão vil com respeito à sua própria filha, como é que eu poderia sequer pensar em acusá-lo dessa maneira? Voltei, mas nunca deixava Juliana sozinha com ele e assim pensava que a protegeria sempre. Pedia a Deus com todas as minha forças para nunca morrer ou ficar doente para poder estar sempre presente e proteger minha filha e acreditava que Deus me atenderia.

A primeira vez que me senti mal levei Juliana para a casa de minha mãe e pedi a ela que cuidasse de minha filha só até que eu melhorasse e pensei que Deus estava me traindo. Só fui perceber que ele estava me matando quando já era muito tarde para reagir e não conseguia mais me levantar da cama. O médico que vinha em casa me ver de vez em quando era muito suspeito, não me examinava, não fazia perguntas, apenas me mandava tomar um remédio branco e pastoso que não me fazia bem nenhum.

Na noite da minha morte eles não tentaram esconder nada de mim. Depois que minha mãe e minha irmã saíram, tristes mas ainda com esperança de que eu fosse me curar, eles começaram a conversar sobre futebol e programas de fim de semana se tratando pelo nome como velhos amigos, até tomaram umas cervejas antes que o “médico” fosse embora dizendo:

— Acho que amanhã você já pode chamar o pronto-socorro.
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