O príncipe Troubetzkoi aproximou-se e deu-me a mão. Ele não vinha só para isso, mas também para me convidar a uma caça ao lobo no bosque de Gatchina, onde se diz que os lobos são tão abundantes como as lebres na floresta de Saint-Germain.
A caça aos lobos, juntamente com a caça ao urso, é uma das diversões favoritas dos russos. Apenas que, como os descendentes de Rourik gostam do perigo enquanto perigo, inventaram uma caçada que oferece dois perigos ao mesmo tempo: primeiro, o de ser devorado pelos lobos, como Balduíno I, imperador de Constantinopla; segundo, o de espatifar-se junto com o carro, como Hipólito, filho de Teseu.
Essa engenhosa invenção se realiza no inverno, é claro, época em que a falta de alimento torna os lobos ferozes. Entram numa troika três ou quatro caçadores, cada um com um fuzil de dois tiros. A troika é um carro qualquer (drojky, kibitk, caleça ou tarantass) com três cavalos atrelados. O nome lhe vem da atrelagem, e não da forma.
O cavalo do meio não deve em nenhum momento deixar o trote, enquanto o da direita e o da esquerda não devem em nenhum momento deixar o galope. O do meio trota com a cabeça baixa, e é chamado comedor de neve. Seus dois parceiros, que não têm mais que uma rédea, são atrelados pelo meio do corpo ao varal do carro e galopam com a cabeça virada, um para a direita e o outro para a esquerda. São chamados furiosos. Assim conduzida, a atrelagem toma o aspecto de um leque.
Um cocheiro que tenha segurança — se é que há no mundo um cocheiro seguro — conduz a troika. Detrás do carro, com uma corda ou uma corrente de uns dez metros, amarra-se um leitão. Inicialmente o leitão é cuidadosamente transportado dentro do carro, até a entrada do local onde se conta começar a caçada. Ali é descido, e o cocheiro solta os cavalos, que avançam, sendo o do meio trotando e os das alas a galope.
O leitão, pouco habituado a essa marcha, lança queixas que degeneram logo em lamentações. A essas lamentações, um primeiro lobo mostra seu focinho e começa a ir ao encalço do porco, depois dois lobos, depois três, dez, cinqüenta lobos. Todos disputam o leitão e brigam entre si para se aproximar, um dando-lhe uma patada, outro uma dentada. Das lamentações o pobre animal passa aos gritos desesperados. Esses gritos vão despertar os lobos nas profundezas mais recônditas da floresta.
Tudo o que há de lobo em três léguas ao redor acorre, e a troika vê-se perseguida por uma matilha de lobos. Nessa hora é importante ter-se um bom cocheiro. Os cavalos, que têm pelos lobos um horror instintivo, tornam-se aloucados. O que trota quereria galopar, os que galopam quereriam desembestar.
Durante todo esse tempo os caçadores atiram ao léu. Nem há necessidade de apontar. O porco grita, os cavalos relincham, os lobos uivam, os fuzis troam. É um concerto que daria inveja a Mefistófeles no “sabbat”. Coche, caçadores, porco, matilha de lobos, são um turbilhão levado pelo vento. A neve voa em torno, como uma nuvem de tormenta deslizando no ar, lançando relâmpagos e raios.
Enquanto o cocheiro é senhor de seus cavalos, por mais precipitados que sejam, tudo vai bem. Mas se ele perde o controle, se a atrelagem se detém, se a troika vira, então tudo acaba. No dia seguinte, no outro, ou oito dias depois, encontram-se os restos do carro, os canos dos fuzis, as carcaças dos cavalos e os ossos maiores dos caçadores e do cocheiro.
No último inverno, o príncipe Repnin fez uma dessas caçadas, e pouco lhe faltou para que não fosse a última. Estava com dois de seus amigos, numa propriedade que limita com a estepe. Resolveram caçar lobos, ou melhor, fazer-se caçar pelos lobos. Preparou-se um amplo trenó, onde duas ou três pessoas podiam mover-se à vontade. Atrelaram-se três robustos cavalos, que foram confiados a um cocheiro nascido na região e muito experiente. Cada caçador tinha um par de fuzis duplos e cento e cinqüenta cartuchos.
Os lugares foram distribuídos assim: o príncipe Repnin voltado para trás, e cada um de seus amigos voltado para um dos lados. Chegaram à estepe, ou seja, a um imenso deserto coberto de neve. Era uma caçada noturna. A lua, no seu pleno, reluzia com o mais vivo brilho, e seus raios, refletidos pela neve, difundiam uma claridade que podia rivalizar com a do dia.
O porco foi baixado e o trenó partiu. Sentindo-se puxado contra sua vontade, o porco gritou. Alguns lobos apareceram, mas de início pouco numerosos, medrosos, conservando-se a uma grande distância. Pouco a pouco seu número aumentou, e à medida que aumentavam, aproximavam-se dos caçadores, que para iniciar não comunicaram à sua troika mais que uma marcha comum, apesar da impaciência medrosa dos cavalos. Eram vinte lobos, mais ou menos, quando se encontraram bastante próximos para começar o massacre.
Um tiro de fuzil partiu, um lobo caiu. Um grande tumulto se fez, e pareceu aos caçadores que o bando ficara reduzido pela metade. Com efeito, contrariamente ao provérbio que diz que os lobos não se comem entre si, sete ou oito esfomeados ficaram atrás, para devorar o morto. Mas logo os vazios foram preenchidos. De todos os lados ouviam-se uivos respondendo a uivos; de todos os lados viam-se aparecer focinhos pontudos e faiscar olhos semelhantes a carvões acesos.
Os lobos estavam ao alcance, e os caçadores faziam fogo continuamente. Mas por mais que os tiros acertassem, o bando ia sempre aumentando, em vez de diminuir. Em breve não foi mais um bando, foi uma matilha cujas fileiras cerradas seguiam os caçadores. Sua corrida era tão rápida que pareciam voar sobre a neve, tão ligeira que não fazia o menor ruído. A onda de lobos se aproximava sem cessar, como uma maré muda, e não recuava perante o fogo dos três caçadores, por mais nutrido que fosse. Formavam atrás da troika um enorme crescente, cujas duas pontas começavam a ultrapassar a linha dos cavalos.
O número de lobos aumentou com tal rapidez, que se diria que saíam de debaixo da terra. Havia qualquer coisa de fantástico em sua aparição. Não se podia, com efeito, entender a presença de dois a três mil lobos no meio de um deserto onde, em toda uma jornada de viagem, descobrir-se-iam apenas dois ou três.
Fizeram o porco cessar de gritar, puxando-o para dentro do trenó, uma vez que seus gritos redobravam a audácia dos perseguidores. O tiroteio não cessava, e já tinham usado mais da metade da munição. Restavam uns duzentos tiros, e estavam rodeados ainda por dois ou três mil lobos. Os dois cornos do crescente avançavam mais e mais, e ameaçavam fechar-se, formando um círculo do qual o trenó, os cavalos e os caçadores tornar-se-iam o centro.
Se um dos cavalos caísse, tudo acabaria. Os cavalos, espantados, bufavam e davam saltos terríveis.
— O que pensas disto, Ivan? — perguntou o príncipe ao seu cocheiro.
— Penso que não está bem, meu príncipe.
— Temes alguma coisa?
— Os demônios provaram sangue, e quanto mais vós atirardes, mais seu número aumentará.
— Qual é teu parecer?
— Se vós permitirdes, meu príncipe, vou soltar rédeas aos meus cavalos.
— Estás seguro deles?
— Eu respondo por eles.
— E de nós, tu respondes?
O cocheiro não disse palavra. Era evidente que não queria se comprometer. Ele soltou rédea aos cavalos, em direção ao castelo. Lançados com todo fôlego, aguilhoados pelo terror, os cavalos dobraram a velocidade. A distância era literalmente devorada por seus ímpetos desesperados. O cocheiro os excitava ainda por um assobio agudo, ao mesmo tempo que faziam uma curva que devia cortar uma das pontas da meia-lua. Os lobos afastaram-se, para abrir passagem aos cavalos. Os caçadores iam disparar, mas o cocheiro gritou:
— Por vossa vida, não atireis mais!
Obedeceu-se ao cocheiro.
Aturdidos com aquela manobra inopinada, os lobos permaneceram um instante indecisos. Durante esse instante a troika percorreu um quilômetro, e quando os lobos voltaram a persegui-la, já era demasiado tarde. Não a puderam alcançar.
Um quarto de hora depois, estava-se à vista do castelo. O príncipe calculou que durante esse tempo os cavalos percorreram mais de duas léguas. No dia seguinte, visitou a cavalo o campo de batalha e encontrou as ossadas de mais de duzentos lobos.
Como se vê, não faltam emoções nesse tipo de caçada.
Autor: Alexandre Dumas
Produção Visual: Carlos Cunha