“Smile upon this day unfolding
Embrace this sun I send to you
Hold dear the wind, forever blowing
Kiss the rain as it falls on you
Challenge the moon to return next evening
Because these are my messengers of love to you.”
Walter Terry Bailey, Jun 1998
No ano de 1962, mudei-me para uma pequena cidade no interior do estado. Um amigo conseguiu-me o emprego de porteiro no parque municipal, aluguei uma modesta casa e comecei a me acostumar com a rotina do lugar. Não sei se o que vou contar aqui virá a interessar algum dia a alguém, mas é algo que preciso fazer.
Pois, bem, no meu primeiro dia de trabalho tudo fluiu satisfatoriamente. Na verdade, não havia muito a se fazer. Lá pelas cinco horas da tarde, entrou no parque uma moça muito bonita e muito elegante. Logo achei que não deveria ser da cidade, pois em nada se assemelhava às meninas do lugarejo. Aparentava ter vinte e poucos anos, mas o ar austero fazia com que parecesse mais velha do que realmente deveria ser... difícil explicar... os olhos tinham um brilho lânguido, quase inexistente. Quando passou por mim, senti no ar uma deliciosa fragrância de rosas, ela baixou os olhos e caminhou até um banco que ficava bem em frente à entrada, sentou-se e ali ficou a olhar fixamente para o portão. Parecia estar a espera de alguém.
O tempo foi passando, a tarde foi caindo e ela permanecia imóvel. Quem quer que tivesse marcado o tal encontro não apareceu. Exatamente às sete da noite, ela se levantou e, com uma expressão inalterada, foi embora. Seria um fato corriqueiro se, no dia seguinte à mesma hora, ela não voltasse ao parque. Principiava uma fina chuva quando ela chegou. Antes de abrigar-me em minha guarita, corri até ela e ofereci que ficasse no meu posto pelo menos até a chuva passar. Inútil: ela nada respondeu. Voltei angustiado. A chuva caía a cântaros e ela continuava lá, como que petrificada. Gritei, oferecendo novamente abrigo, mas ela só fazia olhar. Que diabos há com essa garota?
Para minha tranqüilidade, quando bateu as sete horas, ela se foi.
Aquilo começava a me intrigar. Quem ela tanto esperava? E por que essa pessoa nunca aparecia? Naquele dia, fui para casa pensando muito na menina. Um estranho sentimento de compaixão tomava conta de mim. Presumi que, depois daquela chuva, ela não mais retornaria ao parque. No outro dia, religiosamente às cinco, ela adentrou o portão, sentou-se no banco e esperou até as sete. Isso já passava dos limites, mas como iria interferir? Resolvi que não mais me incomodaria com sua presença. O parque era público e ela tinha o direito de freqüentá-lo quando bem entendesse.
Uma semana se passou e ela não faltava um dia sequer. E cada vez mais me envolvia: esperava por ela o dia inteiro, tentava imaginar como estaria vestida, se viria falar comigo (nem que fosse só para perguntar as horas) ou, ao menos, se olharia para mim... Ilusão. Ela era indiferente à minha presença.
Depois de tanto tempo vendo-a ali diariamente, achei que deveria se tratar de um caso de insanidade mental. Logo me distanciei da idéia: apesar do comportamento suspeito, ela definitivamente não parecia louca. E, se fosse, por que os familiares nunca apareceram? Criei para ela mil nomes, atribuí àquela espera milhões de motivos. Tentei inúmeras vezes me aproximar, ser amigo. Porém, só conseguia daqueles belos olhos um olhar vago e distante. Como se eu fosse transparente, ela enxergava através de mim.
A curiosidade me consumia. Até que, passado mais ou menos um mês, tomei coragem e resolvi segui-la: se não queria me contar quem era, descobriria à minha maneira. Fechei o parque assim que ela saiu. Mantive uma distância segura para que não me visse e andei atrás dela por bem mais de uma hora. Fazia um frio terrível naquela noite, ela não usava agasalho, nem parecia precisar de um. Eu, mesmo congelando, não desisti.
Cada vez mais ela ia se afastando da cidade através de uma estrada de terra; a escuridão cobria tudo. Temi perdê-la de vista, mas felizmente passamos por um vilarejo, onde a fraca luz dos lampiões a gás possibilitou-me localizá-la. Ela caminhava devagar e sem olhar para trás. Apertei o passo e aproximei-me mais. Vi-a entrar num bosque denso e muito, muito escuro. O medo era grande, confesso. Mas, fui atrás e ainda pude avistá-la quando virava por uma trilha à esquerda e se embrenhava na mata. Corri, mas já não podia vê-la. Resolvi seguir em frente, esperançoso em encontrá-la, embora parecesse uma tarefa quase impossível. Cercado por árvores e neblina, ficava cada vez mais difícil caminhar. O que eu estava fazendo ali?
Já pensava em desistir, quando senti no ar aquele peculiar aroma de rosas: ela estava por perto. Obcecado, nada mais me importava: o frio, a difícil visibilidade, a fome e o cansaço já não eram obstáculos. Alucinado, demorei para notar que caminhava em círculos. Estava perdido. Temendo uma hipotermia, passei a madrugada inteira andando. Tremia e tossia muito. O solo irregular retinha meus pés. Já não tinha forças para prosseguir: ardendo em febre, deite-me junto a uma árvore. A imagem da garota ia e vinha. Ficava enorme e ia diminuindo até desaparecer. Agora já não era mais uma. Eram milhares. Estavam em toda parte.
Não sei quanto tempo fiquei preso nesse delírio. Mas, quando recobrei os sentidos, a luz do sol, ainda frouxa, penetrava as folhagens ofuscando minha visão. Meu corpo todo doía. A cabeça pesava. Fraco, mal podia sentar. Pensava no que faria para sair dali, quando me dei conta de que estava bem em frente a uma clareira. Reunindo o pouco de força que me restara, rastejei-me até lá e mal pude acreditar no que vi: havia bem no meio da clareira uma espécie de cemitério particular, daqueles que possuem dois ou três jazigos. Com dificuldade, cheguei mais perto para ver a que família pertencia. Fiquei aterrado quando reconheci, numa das fotos, a mesma moça que visitava o parque todas as tardes. Uma brisa suave e morna fez recender o cheiro das rosas que cercavam o túmulo.
Nisto, ela surgiu do meio das árvores, estendeu-me sua mão e levou-me de volta para casa.
Apaixonei-me pela última vez e ela nunca mais voltou ao parque.
Amanda do Prado Ribeiro
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