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Contos-->NATAL NA TERRA DAS NEVES / Jack London -- 06/01/2010 - 05:59 (CARLOS CUNHA / o poeta sem limites) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




















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NATAL NA TERRA DAS NEVES

( Jack London )


Era noite de Natal e por isso, fazendo questão de festejar a data sagrada, Mamelute Kid estava preparando um punch dobrado, com whisky e gim.
Jim Belden, que, por causa dessa noite, viera de seu clã, onde há dois meses só comia carne de rena, acompanhava seus movimentos com olhar extático. Como bebida, só tivera durante esse tempo açúcar diluído e fermentado. Imagine-se, pois, com que ansiedade esperava o punch.
Os outros, à volta, falavam de viagens, etapas e aventuras naquela região, isto é, falavam de frio, fome, sofrimentos, morte... E todos, falando do que viram ou sofreram, dilatavam as pupilas, sonhando com as terras do sul, onde há sol, relva, flores, luz... Eram oito, todos de nacionalidades diferentes, exceto Mamelute e o padre Robeau, que eram canadenses. Mas a vida rude daquela região mineira eternamente gelada fizera deles irmãos.
Quando os efeitos do punch começaram a ser sentidos, cada qual fez um brinde diferente: à Sua Graciosa Majestade, ao Tzar de todas as Rússias, à
República . . . ao Pavilhão das Estrelas.
Então Mamelute se ergueu e disse gravemente:

- .Feliz Natal ao homem que viaja esta noite pela pista. Que seus cães conservem seu vigor, que os alimentos lhe sejam suficientes e que seus fósforos não falhem.

Como se em resposta a esse brinde, ouviu-se lá fora o estalar de um chicote, uivos de cães e o ranger de um trenó que se aproximava da cabana.
A conversa parou e todos esperaram em silêncio.
Depois alguns murmuravam:

- É um antigo. Está tratando dos cães antes de cuidar de si mesmo.

Os ouvidos experientes dos que estavam ali; distinguiam nitidamente os latidos de seus próprios cães, que o recém-chegado repelia para dar de comer somente aos seus.
Depois bateram à porta e quando o padre abriu, um vulto entrou e se deteve, deslumbrado pela lâmpada.
Era um belo tipo de homem e, a despeito do gelo formado em seus supercílios, via-se bem que era moço e extraordinariamente robusto.
Além de um facão e dois revólveres em seu cinto, trazia uma carabina juntamente com o chicote, sob o braço esquerdo. Deu alguns passos e todos
notaram que a sua fadiga era esmagadora e total.
Indicaram-lhe um lugar na mesa, puseram um copo de punch diante dele. Mas ninguém lhe perguntou nem mesmo o nome.
Foi o homem que perguntou:

- Há quanto tempo passou por aqui um trenó em forma de cesta com três homens e oito cães?

- Há dois dias. Vens em sua perseguição?

- Sim. Aquela atrelagem pertence-me. Mas já ganhei dois dias sobre ela e espero apanhá-la na próxima etapa.

- Quando partiste de Dansou?

- Ao meio-dia.

- De ontem, naturalmente.

- Não, de hoje.

Era meia-noite. Um murmúrio de admiração ergueu-se do grupo. Percorrer setenta e cinco milhas pela pista áspera do rio, em doze horas, era espantoso!
Mas os vapores do punch já se iam dissipando naquelas cabeças resistentes e, enquanto o viajante engolia sofregamente uma refeição grosseira, a palestra continuou sobre os assuntos habituais.
Depois, desviou-se enternecida para coisas de família e todos falaram dos entes queridos, que tinham ou que perderam.
Em resposta, o viajante tirou seu relógio da corrente que o prendia ao cinto e, abrindo-o, passou-o a Belden.
Este aproximou-se da lâmpada e, examinando a tampa do relógio por dentro, deixou escapar uma praga de admiração.
E passou o relógio a Luís Savoy. Este depois de admirar também, com os olhos arregalados, passou-o a Prince, cujo rosto tomou logo uma expressão de
enternecimento.
O que havia ali era o retrato de uma mulher, ainda moça e bonita, tendo contra o peito uma robusta criança, que deveria ter seis meses e sorria.
Aqueles homens que viviam isolados do mundo, suportando fome, frio, escorbuto e arriscados à morte súbita na terra ou na água, não podiam ver sem emoção a imagem de uma mulher e uma criança, porque essas duas figuras lhes traziam ao seu espírito o lar, a felicidade de uma vida confortável.
O viajante explicou:

- O garoto deve estar com dois anos e eu ainda não o vi.

Fitou por sua vez a fotografia, depois bateu bruscamente a tampa do relógio, mas não tão depressa que os outros não vissem as lágrimas em
seus olhos. Ergueu-se com um profundo suspiro e Mamelute guiou-o para o mais próximo dos leitos presos à parede.

- Acorda-me às quatro horas em ponto. Não te esqueças. As quatro horas, pediu o homem.

Sua fadiga era tão grande que, mal pronunciou estas palavras, adormeceu.

- Que sujeito resistente! exclamou Prince. Três horas de sono depois de uma corrida de setenta e cinco milhas com os cães e logo retomar a pista... É um
homem! Tu o conheces?

- Sim. É Jack Westondale. Veio para a região há uns três anos. É conhecido por trabalhar como um cavalo e não ter tido sorte, até hoje.

- É triste... um rapagão destes, com uma esposa tão bonita, ter de vir se meter por anos e anos neste deserto.

- E, coitado . . . por duas vezes, já fez fortuna, mas perdeu-a, concluiu Mamelute.

A palestra desviou-se para outros casos de enriquecimento e miséria. Mamelute não tomou mais parte nela. Parecia inquieto. De instante a instante dava uma olhada no relógio.
De súbito, pôs na cabeça o barrete de castor, calçou as luvas e, saindo da cabana, foi rebuscar em seu depósito.
Quando voltou faltavam ainda quinze minutos para as quatro horas, mas, não podendo conter a impaciência, Mamelute foi sacudir Jack.
O rapaz acordou tão ancilosado que foi preciso friccionar vigorosamente todo o seu corpo para que pudesse ficar de pé e caminhar. Mas quando saiu da cabana, teve a boa surpresa de encontrar os cães já atrelados e tudo pronto para a partida.
Todos lhe desejaram boa viagem. O padre abençoou-o, mas ninguém passou da porta porque era perigoso afrontar uma temperatura daquelas com as mãos e as orelhas. Mamelute, porém, abrigou-se e o acompanhou até à pista principal. Ali chegando, apertou vigorosamente a mão de Jack e lhe disse:

- Encontrarás cem libras de ovos de salmão no trenó. Isso dará mais vigor a teus cães do que cento e cinqüenta libras de peixes. Tomei essa providência porque provavelmente não poderás renovar as provisões em Pelly.

Jack estremeceu, mas limitou-se a olhar atentamente o outro, sem uma palavra.
Mamelute continuou:

- Nada poderás obter antes de Five Fingers. Desconfia da água livre e vai- pelo atalho que passa acima do lago Le Barge.
- Mas como pudeste adivinhar? perguntou Jack É impossível que a notícia tenha chegado antes de mim.

- Eu de nada sei. . . nem quero saber. Mas o trenó que disseste perseguir nunca te pertenceu. Sitka Charley vendeu-o na primavera passada. Ele falou-me de ti como um homem leal e estou certo de que de fato o és. Raramente me engano e é suficiente olhar para teus olhos para saber que és um homem de bem. Vai. Não percas tempo . . . toca. . vai ter com tua mulher e teu filho. Não . . . não precisas me agradecer, concluiu Mamelute, vendo lágrimas
gelarem-se sobre as faces de Jack. Não percas um minuto. Se algum cão cair, corta as correias e abandona-o. Comprarás outro em Five Fingers e Hostarhigua. Não vaciles em pagar até dez dólares cada um.

Tinham-se passado apenas quinze minutos, quando o som dos guizos anunciou um novo viajante. Desta vez era um tenente da Policia Montada
Acompanhado por dois mestiços, encarregados dos cães. Como
Jack, vinham armados até os dentes, mas o tenente ainda pouco habituado à pista, estava evidentemente exausto.
Somente o amor-próprio e a tenacidade característica de sua raça permitiam-lhe manter-se de pé.

- Jack Westondale passou por aqui, não é verdade? perguntou ele.

A pergunta era inútil porque as marcas de sua passagem estavam ainda muito visíveis na neve.
Mamelute piscou um olho para os companheiros e Belden, a quem o tenente se dirigia, limitou-se a fazer um gesto evasivo.

- Responda, insistiu o tenente. Ele roubou quarenta mil dólares de Henry MacFarland e trocou-os no P. B. Steel por um cheque sobre Scotle. Preciso alcançá- lo para que não o receba.

Todos se mantiveram em silêncio. Mamelute era o chefe, todos confiavam em sua experiência e seu sinal fora bastante para ditar sua conduta.
O policial, impaciente, dirigiu-se ao padre, que sendo sacerdote, não podia mentir.

- Há quanto tempo partiu?

- Há um quarto de hora, depois de ter dormido umas três horas.

O tenente desesperou-se:

- Um quarto de hora de avanço . . . e descansou!

Maldição! Mas hei de agarrá-lo. Podem emprestar-me cinco cães?

Mamelute fez com a cabeça um movimento negativo.

- Compro-os. Dar-lhe-ei um cheque contra o capitão Constantino.

A mesma recusa silenciosa.

- Nesse caso, requisito-os para o serviço do Rei.

Mamelute, com um sorriso zombeteiro, colocou as mãos sobre os revólveres, que tinha ao cinto. O inglês, compreendendo que nada obteria pela violência, dispôs-se a sair, e como os mestiços protestassem, alegando fadiga, insultou-os, chamando-os mulheres e cães.

- Pois vamos, disse um dos mestiços. Quer continuar? Pois continuemos. Vamos fazê-lo caminhar até que as pernas lhe faltem debaixo do corpo. Quando não puder mais, teremos prazer em deixá-lo na neve.

- Está bem, disse o jovem oficial. E, com uma energia que exigia toda a sua força de vontade, caminhou para a porta.

Todos apreciaram devidamente sua orgulhosa coragem e acompanharam com atenção os esforços dos mestiços para obrigar os cães extenuados a partirem de novo.
Mas quando o barulho do trenó se perdeu a distância, os companheiros de Mamelute não mais ocultaram sua indignação.

- Isso não se faz! Tu nos fizeste ajudar a um ladrão.

Estavam realmente furiosos, não só porque Jack os iludira mas porque violara a moral do Northland, onde a honestidade é exigida acima de tudo.
Mamelute pediu silêncio com um gesto largo e começou:

- Nunca um homem mais leal comeu em nossa mesa ou partilhou nossas cobertas. No outono passado, ele entregou a Joe Castrell tudo quando pudera arrancar da terra com um trabalho infernal: quarenta mil dólares, encarregando-o de comprar terras do Dominion. Se Castrell o tivesse feito, Jack estaria hoje milionário.
Mas, enquanto Jack ficava em Cald City para não abandonar seu sócio atacado de escorbuto, que fez Castrell? Foi ao bar de MacFarland, jogou todo o dinheiro de Jack e perdeu-o. É verdade que estava bêbado. MacFarland tivera o cuidado de começar por embriagá-lo. Quando recobrou o juízo Castrell
estourou a cabeça com um tiro. Agora Jack não fez mais do que vingar-se e vingar o amigo leviano. E notem que tirou da gaveta do barman somente a
quantia que lhe foi roubada.
O narrador calou-se. Todos os olhos cintilaram em torno dele; todas as cabeças acenavam sua aprovação.
Mamelute ergueu seu, copo e disse gravemente.

- Feliz Natal ao homem que vai esta noite pela pista. Que seus cães conservem seu vigor e que seus fósforos não falhem.

Todos ergueram o copo e Belden acrescentou:

- E demônios levem a Polícia Montada, que não sabe compreender as coisas.






Autor: Jack London
Produção Visual: Carlos Cunha
















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