Era o tipo do homem certo, reto, honesto, caminhando invariavelmente ao rés da lei. Desde criança fora assim: respeitador, calmo, obediente, sempre a merecer eologios de pais e avós, tios, tias e primos, inclusive de todos os amigos com quem convivera na infância. Cresceu dentro dos parâmetros da normalidade, sem crises de adolescência, sem sobressaltos. Todos sabiam que seria um cidadão exemplar e, ao casar, um excelente pai de família. Na faculdade era querido dos professores, admirados pelas colegas e sempre um bom companheiro para os colegas.
Náo era de sair pela noite, gostava de ir a missa aos domingos e os seus costumes morigerados eram objeto de comentários das pessoas que o conheciam.
Como era de esperar, casou-se com uma das primeiras namoradas e o casal teve três filhos, que vieram a ser comportados e corretos como o pai.
Depois de alguns anos de casamento, manifestou-se na mulher uma doença dos nervos hereditária, transformando-a numa pessoa de dificílima convivência, pois ora estava de bom humor, ora irascível e ofensiva.
A vida do homem trasmudou-se. Ela vivia se esquivando de chegar em casa, pois a mulher tornara-se ciumenta e via em tudo uma ameaça ao seu casamento.
Assim transcorreram vinte anos, vinte anos de sofrimentos tanto para ela, que imaginava perseguições e ameaças, quanto para ele que náo experimentava momentos de paz no aconchego do lar.
Mas, ainda assim, mantinha-se fiel, pois sempre pensava naquela criatura meiga e dócil que conhecera no verdes anos e com quem casara por amor.
Um belo dia, um feriado, sumiu sem dizer nada e sem deixar endereço.
Anos depois, um dos filhos encontrou-o por acaso, numa feira livre de uma cidade asiática, vendendo frutas e verduras. Estava envelhecido, magro, mas o rosto era serena de quem conseguira encontrar a paz.