Elpídio, lavrador danado! Teve vários filhos e uma filha, talvez por premonição, quem sabe; tentou certa vez afogá-la. A criança foi salva pela mãe. Leogácia era o nome da menina, muita luta ainda surgiria na vida daquela filha do noroeste Fluminense. Definitivamente no alagado da lavoura de arroz não morava o seu sonho.
Então cedo se casou com o soldado da polícia militar Francinaldo. Sujeito arredio e mulherengo bom marido não seria, mas para fugir da roça, servia. Não custaria barato este ato. Mas desde que não valesse dinheiro o resto estava no jeito. Essa seria uma característica que acompanharia e moldaria sua vida. Leogácia, esperta e econômica!
Como já podia ser previsto, Francinaldo, engravidou Leogácia e foi morar com outra mulher. Começava o enredo, menina esperta, com certeza não deixaria barato, vingança e usura, seria escudo e lança nessa longa batalha. Seu marido aparecia de vez em quando para assinar o ponto, deixar “um qualquer”, e logo após voltava para as amantes.
Para sobreviver com alguma dignidade Leogácia lavava roupa pra fora, namorava um sujeito aqui e ali, se é que há dignidade nisso. Mas foi sua opção, a distância da lavoura era que lhe fazia feliz. Francinaldo, esse criou seis filhos, porém seu, somente a primeira. Se ele sabia? Ou dava importância a isso? Ninguém sabe.
Com muita economia e sacrifícios inomináveis Leogácia conseguiu comprar terreno e construir uma casinha. Porém todo o sacrifício tinha acentuado terrivelmente seu senso de economia. Agora, para ela dinheiro era sagrado! Cada moeda dada em pagamento correspondia a uma lágrima.
O tempo cobra seu preço, os momentos de alegria na vida de Francinaldo tinham passado. Doente aposentado retornou em definitivo para Leogácia. O inferno não é um bom parâmetro de comparação para descrever a situação. Leogácia cobrou cada mau momento, gota a gota, dia a dia, noite a noite. As mulheres que tanto o amaram, não o quiseram no fim.
Houve delírio na sanha para economizar o máximo possível o soldo de aposentado de Francinaldo. O Único objetivo na vida agora era poupar. Comida era supérfluo, remédio só se o caso fosse de morte, pois enterro custa mais caro. Seus filhos mais velhos, os filhos homens foram colocados no ônibus para o Rio de Janeiro só com o dinheiro de ida. Que dessem um jeito, a casa de algum parente, por acaso poderia lhe servir de abrigo, na concepção de Leogácia, dar comida a dois marmanjos era muito desperdício.
No fim o serviço militar os salvou do pior. Sua filha mais velha casou, sobraram três filhos, ainda um grande foco de despesas. Francinaldo, com enfisema pulmonar sofria com a falta de ar, com os discursos intermináveis de leogácia, jogando na cara dele dia após dia, a responsabilidade por aquela situação. A morte lhe cairia bem, mas ela ainda iria demorar um pouco.
Os filhos que sobraram penaram, a mais saudável foi transformada em faz tudo. De empregada doméstica a servente de pedreiro. Tudo na casa era com ela, e ainda tinham as surras constantes. Qualquer motivo era motivo para ser surrada. Tinha que pagar pela comida com trabalho, o trabalho dela economizava dinheiro, nada! Absolutamente nada poderia sair de graça naquela casa. Essa foi salva pelo casamento.
Os outros dois tomaram seu rumo, a filha se casou, não foi feliz, mas isso já é outro caminho. O filho caçula também se casou, se formou e convive com os fantasmas dessa vida. Ninguém consegue sair incólume de uma jornada destas. Enquanto isso, o saldo bancário de Leogácia ia muito bem obrigado. Mas nunca era o bastante, havia uma necessidade insuportável de poupar cada vez mais.
Prazer? Custa caro, o regozijo mora na economia! Para o usurário a dor da penúria acaricia a alma. Mas a colheita chegou, e seus filhos que partiram um dia começaram a precisar de ajuda, e mesmo com muita resistência iniciaram o consumo do que por tantos anos foi amealhado com suor e lágrimas. A saúde arruinada também cobrou seu preço.
Francinaldo sucumbiu ao tempo e as cobranças do passado. Faleceu; finalmente o descanso, se ainda há o que pagar em alguma possível vida futura esse resíduo deve ser pouco. Não demorou Leogácia já arrumou um pretendente, deitou os olhos em um feirante, ou melhor, talvez nas barracas de feira dele. Jaconildo era seu nome. Sujeito trabalhador e assim como Leogácia, um cara muito econômico.
Este já é conhecido da primeira parte do: contextos da usura.