Geraldo Jerônimo, policial militar no interior do Estado, servia lá pra bandas do Sertão dos Inhamuns. Não sei a origem de tal nome. Embora Jerônimo suponho tenha sido em homenagem a um personagem – Jerônimo, o Herói do Sertão -, mas sei ao certo. Quanto ao Geraldo, não se tem a menor ideia do porquê dessa combinação, que cá pra nós, é um pouco destoante.
Mas o assunto deste conto, ou seja, lá o que for, não é o nome do personagem, mas sua história, ou melhor, sua sina e justificativa para ela.
Pois bem, Jerônimo com J, pois existem Gerônimos com G, embora com J seja a grafia correta, embora ache que foi de propósito que o pai escreveu com J, pois quem põe o nome do filho Jerônimo Geraldo, não está preocupado com grafia, ou talvez nem saiba que ela existe. Jerônimo já não é lá esses nomes todo, quanto mais essa combinação. Geraldo também não é essas beldades, embora o nome tenha ficado famoso num personagem de Chico Anísio que ouvia uma voz dizendo: “Geraldo”.
Mas bem, quem registrou o menino foi o pai. O registro é sempre feito pelo pai, pois geralmente quando isso acontece, a mãe ainda está se convalescendo do parto. Mas, acredito que o J foi para evitar um duplo G, ou seja, Gerônimo Geraldo. Deixemos, entretanto, isso de lado, as tergiversações gramaticais, e vamos ao assunto que interessa, se é que vai interessar a alguém.
Nosso herói foi destacado como sargento da Polícia Militar do Ceará lá nos Inhamuns. Rapaz jovem, de porte atlético, logo que chegou à cidade, fez suspirar as meninas. E arranjar uma namorada, foi questão de dias. E fisgou logo a mais gata da região, nada menos do que a mais cobiçada pela moçada local.
Quando chega ao interior um rapaz de fora, principalmente, bonito é sucesso na hora. As moças ficam todas loucas para fisgar o partido. E fazem de tudo. E com nosso herói não foi diferente.
Logo, logo estava de namoro com a linda e cobiçada, Eleonora Bonfim. De tradicional família inhamuense, não sei se originária de Tauá, ou Novo Oriente, mas daquelas bandas das Ipueiras. Além de bonita culta. Havia estudado até francês. Conhecia bem o Brasil e fizera intercâmbio com famílias americanas, fato inusitado por aquelas paragens.
Do namoro para o casamento foi um pulo. Um ano, se muito. Os dois perdidamente apaixonados, não quiseram perder tempo. E o casamento foi acontecimento na região da década como disseram os jornais locais, com se fosse aquele velho chavão das lutas de boxe.
O casamento foi bem por pouco tempo. Após um ano ou mais começaram as brigas e as discussões. E a cada dia a coisa piorava.
Era cada um para seu lado. Não sei se a moça continuava apaixonada, ou somente ele. Sei apenas que pouco tempo depois ela começou a sair com as amigas, aproveitando os plantões do marido.
Como a região onde ele trabalhava era bastante agitada e problemática, constantemente, Jerônimo Geraldo tinha que fazer rondas em toda a região, passando às vezes dias fora da cidade e longe de sua amada.
Nessas saídas do marido, que ainda tirava plantão num posto fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará na fronteira com o Piauí, plantões que geralmente o afastava da cidade por sete longos dias, Eleonora Bonfim, não só começou a sair com as amigas, como passou a freqüentar festas de forró em municípios vizinhos.
Numa destas festanças, Eleonora conheceu o filho de um fazendeiro da região, e começou a namora-lo. Às escondidas, claro. O tempo foi passando e o namoro de vento em popa.
Como nada neste mundo nada fica escondido infinitamente, um dia, a história chegou ao conhecimento do nosso herói. Primeiro surgiram os falatórios, os cochichos, aquelas piadinhas de mau gosto, até que ninguém menos do que um major da corporação não agüentando mais ver seu subordinado ser enganado daquela forma, contou toda a história.
Se fosse um subalterno provavelmente teria recebido represália, mas sendo um superior ele ouviu e assim mesmo não acreditou piamente na conversa. Ponderou, porém diante de alguns fatos, para os quais não encontrou justificativas, Jerônimo acabou se curvando.
Embora suspeitasse de uma despeita do major, que sempre tivera uma caída por Eleonora, e não fora correspondido. Mas busca daqui, busca dali, e ele se convenceu da verdade.
Quando convencido da verdade, Jerônimo enfiou-se numa bodega e bebeu um porre grande. Um porre pra morrer. De conhaque São João da Barra misturado com zinebra Fox, intercalando entre uma dose e outra, uma de conhaque Dreher. Uma mistura de dá dor de cabeça em cavalo de pau e azia em boneca de pano. O homem estava desesperado. Louco para morrer mesmo. Do porre teve que curtir uma ressaca de três dias. Dor de cabeça, dor de estômago, vômito, diarreia tudo veio junto.
A diarreia não teve origem no porre. Foi mais fruto do chifre. Mas juntando tudo, o coitado foi parar no hospital da cidade para tomar glicose na veia e poder voltar ao trabalho.
Recuperado. Voltou para casa para tomar satisfações com Eleonora. Quando começou a falar no assunto, de imediato ela rebateu e foi logo dizendo:
- Isso só pode ter sido coisa daquela fuxiqueira da Maria Júlia. Aquela quenga safada que sempre deu em cima de ti.
Jerônimo saiu em defesa da Maria Júlia e disse:
- De jeito nenhum. Isso não foi coisa da Maju.
Maju? Explodiu, Eleonora! Irada e mais valente do que a mulher daquele ex-governador de Alagoas, que dava pisa no marido com toalha molhada.
- Já vi que foi ela mesma. A intimidade é tão grande que a chama de Maju. Essa tuas viagens a serviço são para levar aquela quenga para passear contigo. Por isso, sempre que viajas, ela some da cidade.
E a discussão continuou. Eleonara atacando para se defender das investidas do marido. A briga foi grande. Até que Jerônimo, mesmo duvidando, arrumou suas roupas e saiu de casa.
Cabisbaixo, sem aquela posse de herói do sertão, foi morar nos alojamento da polícia em Crateús e aturar gozações, claro que dos superiores, os subalternos ficavam somente no cochicho.
Por lá, ficou alguns dias. Um mês e tanto se não me engano. Depois disso, como sempre trabalhava na região, vez por outra encontrava Eleonara. O peso do chifre passou, e ele voltou a corteja-la.
Não levou muito tempo e já estava novamente em casa, junto da sua amada.
Isso aumentou mais ainda os falatórios e comentários na cidade, que Jerônimo passou a não dar bolas, ignorando completamente as maledicências, interpretando-as como inveja do povo, por causa da beleza da sua mulher cobiçada por todos. E foi levando a vida como dava.
Mas um dia, numa roda de bar, no meio de uma bebedeira, depois de ouvir poucas e boas, se saiu como essa, na tentativa de diminuir a gozação dos colegas:
- Salvador Pires, foi prefeito da cidade, pertence a mais alta sociedade local, levou chifre, foi provado, e comprovado por seus capangas que a seguiram, e ainda vive com a mulher. Com Rumualdo Alves, foi a mesma coisa. Não foi prefeito, mais é o mais rico comerciante da cidade e também tem chifre e vive com a mulher. Sem falar do Orlando do Zeca, fazendeiro, valente, dizem até que é matador de gente, e tem chifre.
No meu caso, não há provas, somente falação do povo. E pelo que conheço da minha mulher, que vive morrendo de medo de pegar aides e outras doenças sexualmente transmitidas - nome moderno para doenças do mundo, ou doenças venéreas. No Brasil, não sei se no mundo todo, hoje cultiva-se essa prática de suavizar as palavras, como se nossos problemas se resolvessem desta forma. Não se pode mais chamar ninguém de aleijado, mas deficiente físico, preto é de cor, e por aí vai -, se ela teve um caso, usou camisinha. E usando camisinha, não há conjunção carnal e sem conjunção carnal não existe chifre.
Ao invés de justificar sua volta para junto da mulher, o remendo, como se diz, saiu pior do que o soneto. A gozação aumentou e Jerônimo, perdendo de vez a pose de herói do sertão, envergonhado, sem coragem de deixar a mulher que tanto ama, pediu transferência da corporação e hoje mora em Pentecoste com a sua Eleonora, onde espera não ter que explicar esse negócio de conjunção carnal para os cornos locais.