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Contos-->A Borboleta Azul -- 18/05/2010 - 19:00 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O dia corria como as águas do riacho que ao fundo de sua propriedade exalava seus vapores de final de tarde, quando costumava cobrir com fina névoa os sonhos dos casais apaixonados que estavam sentados em bancos à beira de sua margem. Uma criança balançava e os galhos da árvore estalavam ao esforço de sustentar o pequeno, que via o céu se aproximar, se afastar, no rosto alegre a tépida presença do sol poente. Ele via de sua janela o pequeno, remexia nos seus papéis à procura de um rascunho que fizera de uma cena que escrevera. Na verdade, todo escritor quer encapsular o tempo, como se possível fosse, para que outros o descubram muitos anos mais tarde e ele não deveria ser diferente. Remexia, preocupado, os papéis que se revelavam, enquanto de relance via o pequeno subir, descer, num prazer inimaginável(até porque cada indivíduo vê a natureza e o mundo com as cores de cada vida, que são inigualáveis e impossíveis de serem reproduzidas. )

Onde estava mesmo aquele rascunho? Onde estava a descrição da cena de sonho que transcrevera no papel? Ah, finalmente!

“...No ar da tarde flutuava a borboleta azul imperial, em reflexos lampejantes; quem a visse poderia jurar que ela pairava no ar cada vez que brilhavam suas asas e em movimentos cadenciados, estacava, observava uma flor de cera que pendia de uma árvore semi-inclinada pelo vento”...

Era bem isso que procurava, como se pudesse fundir o sonho à realidade que preenchia sua tarde, naquele momento perfeito, era bem isso que procurava. Enquanto isso, as águas rumorejavam e ele pensava no destino que elas iam ter, nas miríades de peixes que a habitavam, no futuro de tantas pedras amoldadas por anos de corredeiras. Afinal, era bem isso que ele procurara com avidez, a paz daquele momento, o simples fluir das águas internas, do riacho que começara há tantos anos e agora se aproximava da foz; pensou nisto enquanto via o seu neto cruzando os ares na balança, o casal apaixonado de namorados a se beijar no banco próximo e o cão, de pelos dourados, vigiando seu neto com olhos de bom cão. Cão fiel, estivera com ele todos estes anos, cachorro veloz no início, agora já avançado em anos, contentava-se em ser montaria de seu neto, enquanto sua filha mais velha passeava pelo jardim da casa com a mãe prestimosa que lhe mostrava como haviam crescido as plantas, como as orquídeas haviam brotado no orquidário e como as fontes se anunciavam em brandos ruídos de cascatas douradas ao sol que se punha.

“...A borboleta, símbolo da alma, da transformação, em sua soberba atitude de admiração, ao mesmo tempo expressão da beleza e da solidão de todo o processo de crescimento, estava ali, em princípio um reflexo, em última instância uma divinização do eterno, momentâneo e fugaz porque se sabe, as borboletas vivem um só dia e nunca ninguém sabe como uma borboleta imperial desaparece, se se esconde na floresta que a gerou para deitar os ovos de sua continuidade para desaparecer tranquila nos assomos da criação ou se se desfaz em nuvem de luz, de onde brotam múltiplas borboletas azuis que refazem o caminho da mãe...Nunca se sabe, os desvãos da criação são esmerados...”

Ele achara o que procurara e nem tanto era o rascunho, mas a obra perfeita que fizera, sem tirar nem por, determinado a ser reconhecido um dia como co-autor: Suas filhas, seu neto, aquela casa, os sonhos que tivera, tudo isto num átimo de tempo—pois que é assim a vida, um pulso que longo demais se torna lento, curto de menos, se torna ímpeto. Era o tempo perfeito, em suas palavras, era o timing preciso que precisara para por fim à obra que iniciara.

Lá vinham as duas, sua filha mais velha encantada com as descrições da mãe que já a deixara a par de todas as novidades daquela casa que ressumava a pão e bolo. Ele pensou em ver as asas da borboleta azul pulsando atrás das duas e sorriu. Era finalmente o seu texto se amoldando à realidade, era a sua alma se elevando graças ao momento precioso. Pensou que era tempo de chamar seu neto e seu venerável cão. Um assovio curto o levantou e com ele, seu neto lentamente diminuiu o ritmo do balançar.

“...Então ela pulsou, num segundo, aspergindo a luminosidade de suas asas sobre as folhas e despertou todos os duendes da floresta que num sussurro a viram passar em sua majestade. Eram miríades de olhos, de gnomos, elfos, duendes, sacis e até pequenos sapos; ninguém deixou de reverenciá-la. Ela agradeceu e sumiu na noite”.

Seu cão estava aos seus pés agora, aquecendo-os e ele acariciava sua pelagem dourada.

Era hora de todos tomarem o chá que assoviava no fogão.
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