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Contos-->O Segredo -- 09/08/2010 - 23:39 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
É certo que ele nunca fora um santo. Disto, ele, mais do que ninguém, tinha certeza. Porém, no dia em que recebeu o telefonema, falado com frieza, pausadamente, palavras bem separadas... Aí sim, começou o tempo de sua reparação. Nunca poderia saber quem foi porque a entonação da voz parecia ser a de uma boca abafada por um lenço. Talvez uma pessoa resfriada, talvez um menino de voz enviesada, como estes castratti de ópera, ou uma adolescente se fazendo passar por outra mais velha, com inflexões irônicas. Engraçado como tudo isto passa em sua mente quando se recebe um soco assim.

--Sei tudo sobre você.
--Quem é?
--Não interessa. Sei tudo sobre você. Sei sobre seu segredo.

Segredo? Não, definitivamente ele não era um agente da CIA, nem da KGB nem da ABIN, muito menos da receita federal. O que havia sido descoberto? O que poderia ter feito que o expusera assim à mostra de todos, como em seus sonhos mais espessos e sufocantes? Sair de pés no chão da cidade, todos a olharem seus pés descalços. Se descobrir nu na cabine telefônica, à vista de todos. Voar pelado nos céus de uma cidade escancarada, todos a fixarem os céus poluídos (não seria aquele pássaro a mais que iria emocionar seus compatriotas)

O quê quereria dizer aquela voz em falsete? Haveria algo de que ele consciente não sabia? Transformar-se-ia em uma diferente pessoa de estranhos modos de noite, caminhando trôpego ou fantasmagórico pelas ruas, numa ruminação que não era a sua?Despertaria ele para uma outra vida que não era dele, definitivamente, enquanto respirava outro ar em seu leito? Criaria ele um outro próprio mundo em que variava sua experiência sensorial, numa metáfora de sua esperança?

A voz dizia dele o que ele mesmo não sabia. Um Segredo! Algo de insondável, talvez um lado obscuro de sua personalidade, algo invisível ao seu mundo consciente. Uma ilha de subterfúgios em sua vida nada conturbada. Bem que diz um amigo seu, vocês os calmos são os verdadeiros e infames falsos desta terra. Ele sentia que havia um toque de maldade no que ele falava, mas antes de tudo, uma pitada de verdade, até porque ele mesmo não sabia se o Segredo era o que ele sabia de si mesmo ou parte de algo maior, algo mais estudado, uma preparação para algo indizível. Definitivamente ele não se sentia mais o mesmo e teve de largar o trabalho mais cedo.

--Não me sinto bem.

Foi o que conseguiu dizer enquanto vituperava a Voz em sua alma até então tranqüila. Ele, escondendo algo de si mesmo? Um caso de dupla personalidade? Olhou para o cobrador e pareceu-lhe que ele desviara o olhar. Então ele sabia de algo! Senão, porque teria desviado o olhar? Teria sido denunciado por algo ou alguém? Haveria cartazes por toda a parte anunciando a terrível verdade?

--Sei de tudo sobre você, quem você é e o que faz.
--Ah, é?

Quando chegou em casa, pareceu-lhe que o mundo se afundava. Seus filhos o fitaram e num olhar que ele achou estranho, cada qual foi para seu canto. Tentou puxar uma conversa, mas os dois foram cada um para seu quarto. Ele, coitado, ali de pé, a valise pendurada no ar, a porta aberta ainda esperando uma atitude ( as portas sempre fazem isto) e ele ali, gravata pendurada, paletó na mão e a calça amassada pelas horas de trabalho insano. Claro, eles sempre faziam isto, sua mulher sempre o recebia com um beijo seco, seu cachorro nunca latia quando ele batia finalmente a porta.

Ele reuniu a coragem que lhe faltava. Chamou os filhos à mesa, a mulher os seguiu. O cachorro levantou as orelhas douradas.

--Tenho algo para contar a vocês.

A empregada, de longe, da pia onde descascava as batatas, pigarreou entre os dentes:

--Já sabemos.
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