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Contos-->O filho -- 11/01/2011 - 22:56 (MAURO DELLAL) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma mulher de cabelos lisos e escuros adentrou na sala de parto. Trazia em seu rosto uma espécie de mistura de dor, ansiedade e repulsa. De algum modo, lembrava-se da noite da concepção: seu marido parecia outra pessoa. Estava mais violento do que o costume, dizia coisas incompreensíveis para uma mulher temente a deus. No início de sua gravidez, a alegria tomou todo o seu ser. Contudo, quanto mais avançava o processo, sentia dentro de si algo como uma acidez que lhe comia o ventre vez por outra. Rezava e rezava quase se arrependendo de ter deixado a gravidez prosseguir. Quase porque não podia conceber a morte prematura de um servo divino, mesmo que a memória sempre lhe trouxesse lembranças de um encontro ruim.
A médica entrou logo depois desses pensamentos perturbadores. A chegada da doutora deveria afastá-la de tais sensações; porém a deusa branca tinha um aspecto que apenas reforçou sua angústia: era baixa, de cabelos avermelhados, com um sorriso de boca inteira; um sorriso além da conta, o que dava a ela um ar fantasmagórico. Não havia mais ninguém. E a mulher grávida percebeu que não haveria. Perguntou por perguntar, mas sabendo que a resposta a deixaria mais nervosa ainda: “onde estão os outros”? A médica sorriu mais e disse com voz rouca: “não haverá necessidade, querida. Ele proverá tudo”.
De certa forma, a influência de um ser superior a acalmou por instantes, até que o trabalho começou: “Não tenha receio querida. Tudo que você tem a fazer é aceitar a dádiva que está recebendo. Você será mãe. E hoje é um dia especial. Dia de crianças especiais. Dia de crianças que podem mudar o mundo.”
A lembrança da noite ruim se dissipou por instantes até que uma dor gigantesca quase lhe rompeu o estômago, fazendo a curvar, elevando a parte frontal de seu corpo. Viu a parede quase ao inverso; e, pelo reflexo do aparelho de medição de pressão, observou que o cabelo da médica parecia mais vermelho. Um vermelho de fogo. O quarto esquentou à temperatura alta. Ela deduziu que seu esforço estava deixando-a suada, em brasa. Era pior do que a noite da concepção. Ela orava para que aquilo tivesse logo um fim. Queria se livrar da dor e ao mesmo tempo acariciar seu filho.
As contrações se intensificaram. A médica ainda sorria, quase venerando o que estava por sair: “está vindo”, disse ela com alegria de mãe. "Já vai terminar." De repente, a mãe sentiu escorrer por suas pernas o tão desejado filho. Ele não chorou de imediato.
Um cheiro fétido dominou o ambiente. A mãe, tomada de vergonha, lamentou o desagradável incidente. A médica explicou que aquilo era normal; que por vezes as parturientes sofriam desse incômodo. Nada para se preocupar.
Na verdade, a doutora recolhera em seus braços nus um imenso pedaço de excremento humano. Ao seu contato, juntamente com palavras de afago, as fezes tomaram lentamente a forma de um menino. A doutora chorava um choro tão grande como o seu sorriso.
A mãe pediu para ver o filho. Ele foi-lhe colocado em seus braços e, estranhamente, já tinha os olhos bem abertos e focados. Olhava para sua mãe como quem olha para um transporte. Estava nascido e pronto para ela. Notou que o menino carregava consigo algumas marcas avermelhadas, como queimaduras, o que logo foi explicado pela médica de cabelos vermelhos: “são manchas de parto. Normais. Com o tempo desaparecerão.”
A mãe saiu do hospital no dia seguinte com seu filho ao peito. Ele continuava a olhá-la como um filho não olha para a mãe. O menino cresceu; e ao mesmo tempo de seu amadurecimento, sua mãe foi perdendo a sanidade, como se ele a sugasse, como se precisasse dela para resistir.
No dia do nascimento, perguntaram-lhe que nome daria ao menino. Ela estava em dúvida. Saiu do hospital apenas com um número de registro: 200376.
2+0+0+3+7+6 =18.
E 18 é 3 vezes o número 6
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