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LEMBRO-ME DO PRIMEIRO BEIJO
Li e gostei bastante de um artigo de Ivan Martins, editor-executivo da Revista Época, com o título: “Esqueci o primeiro beijo”. Ele encerra o texto, primeiro, com uma sugestão e, depois, com um convite:
“A segunda é um convite: se o seu primeiro beijo vale ser contado, conte aqui, no espaço dos comentários.”( http://revistaepoca.globo.com)
Curti o texto no Facebook e aceitei o convite que ele fez. Declinei, apenas, do espaço oferecido, no intuito de escrever com maior liberdade.
Na minha cidade, numa rua como outra qualquer, um grupo de amigos jovens, alegres, comunicativos, que compartilhavam muitos momentos de brincadeiras sempre se reuniam à noite, enquanto seus pais conversavam sentados em cadeiras nas calçadas da rua.
Eram jovens adolescentes, ainda apegados a comportamentos e muitas das suas brincadeiras de infância; viviam como crianças deslumbradas com as descobertas de cada novo contexto que se apresentava. Até mesmo as reações e sentimentos eram vivenciados pelo grupo, virtualmente, que sorvia, com prazer e curiosidade, tudo que o amigo contasse, pois as novidades surgiam como se fosse combinado: uma experiência nova e diferente para cada um.
Bons tempos! Excelentes lembranças!
Nosso grupo era misto e, à medida que crescíamos, as brincadeiras já começavam a apresentar contornos dos primeiros interesses e sentimentos pelo sexo oposto.
Ao passar perto de um dos garotos que brincava, ouvi um gracejo, uma “cantada” desajeitada; com superioridade, arrebitei o nariz e continuei o caminho quando ouvi dele: -
- “Também, com uns cambitos desses...”
Pernas secas, magricelas?! Mesmo magra, que ofensa para mim!
A amizade do grupo continuou e, jogando bola com minhas amigas, o grupinho dos meninos me perguntava:
- Oi, sim ou não? Ei, sim ou não?
Ao que eu respondia:
- Nem sim, nem não.
Todos riam, e os dias se passavam.
O mesmo garoto começou a se exibir para mim, com a bicicleta, como se fosse um velocista na nossa rua, a fazer manobras supostamente radicais. Olhava, da porta ou da janela, e me sentia envaidecida; nossos coleguinhas sorriam ao ver que eu também me preocupava com possíveis tombos que ele pudesse levar.
Certa noite, como era costumeiro, comecei a passear e brincar na rua com meu grupo de meninas e, com uma marota e disfarçada malícia, elas me direcionaram para o início da rua – onde estavam os nossos amiguinhos, no passeio de uma casa onde um pé de umbu deitava parte dos seus galhos sobre o muro.
Malandramente, todos se retiraram de forma sorrateira, e me vi frente a frente com o amigo ciclista conquistador.
Aconteceu...
Surpresa e sem esboçar qualquer reação, fui abraçada e beijada pela primeira vez. Parece que durou um tempo imenso aquele instante. Não foi bem assim, pois todos os amigos surgiram logo, encantados e curiosos com a conquista que parecia do grupo, além da pressa de voltarmos para mais perto dos nossos pais.
O que senti? A lembrança me reporta a um momento mágico, de um gesto de carinho que selou a primeira experiência da descoberta do outro parceiro não mais como simples amigo. Éramos dois jovenzinhos de um grupo de amigos que brincavam juntos e se transformavam de crianças em adolescentes.
Tornamo-nos “namorados”, a partir daí. Desajeitados, envergonhados, com incentivo da torcida dos amigos mas com receio dos nossos pais; falávamos mais através de pequenos bilhetes e nas brincadeiras em grupo.
Em poucos meses já estávamos separados pelos caminhos que a vida nos faz percorrer.
A última visão que tenho é de um garoto, também franzino, sentado na bicicleta, na Praça principal da cidade, nas primeiras horas da manhã friorenta, olhando de longe, sem beijo, abraço, ou qualquer palavra, a “namorada” embarcando no ônibus para estudar na Capital do Estado. Pouco tempo depois ele fez o mesmo caminho, mas sem encontros.
Anos mais tarde, adultos, nós nos encontramos, casualmente, em uma festa; alegre, ele veio falar comigo. Dançamos um pouco e ele me disse, com carinho:
- A primeira namorada a gente nunca esquece.
Ivan Martins fala em sua Coluna: “Lembro de um monte de coisas, mas não me lembro do primeiro beijo. E não há como recuperá-lo.”
É muito gratificante a satisfação de ter a memória, mesmo sem anotação em meus diários, de todo o desenrolar da história do meu primeiro beijo.
Dalva da Trindade S. Oliveira
(Dalva Trindade)
12.01.2011