Era um sujeito orgulhoso. Nariz arrebitado. Nunca olhava para os lados
ou para baixo. Não falava com qualquer um. Não era qualquer um.
Sujeito privilegiado. Nasceu rico. Tinha tudo o que queria: carros,
roupas de marcas e as mais lindas mulheres aos seus pés.
Mas, a vida, sábia, tenta nos ensinar de qualquer jeito.
Primeiro, teve que amputar os pés. Pensou: e daí? Para aonde preciso
ir?
Depois foram amputadas as suas mãos. Pensou: Sim, e daí? Para quem
preciso acenar?
Depois, sucessivamente, foram amputados seus braços, pernas, tronco,
olhos, boca, ouvidos, dentes e cabelos. No fim só sobrou o nariz
arrebitado.
Insistente a vida lhe amputou a fortuna, o nome e o paradeiro.
Mas, aí já não pensava mais nada e seu nariz foi finalmente comido
pelos vermes.
Em seu velório, nos discursos, foram realçadas as virtudes do seu
nariz, a sua altivez.
Parece que apenas o verme aprendeu uma lição: quem tem fome precisa
comer. Comeu.
E, a vida vencida morre com o sujeito, mas insiste em viver no verme,
um nariz sem pés rastejando pela vida, sem orgulho, com o único
propósito de se erguer, se tornar homem.
Hideraldo Montenegro
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