- Você está invadindo o território alheio, meu caro.
- Eu? Por quê?
- Há mais de seis anos, trabalho nesta área, meus clientes todos me conhecem, e não vou permitir que você venha atrapalhar o meu ganha-pão. Quinze anos de mendicância não são quinze dias. Nesse período, já comi o pão que o diabo amassou, sofri humilhações, levei porrada, fui roubado por outros pedintes, enfrentei brigas e concorrências pesadas. Depois de andarilhar por este mundo afora, encontrei este lugar que agora é todo meu. Aprendi a me defender, e não permitirei que nenhum bandido com cara de bonzinho atrapalhe novamente a minha vida.
- Mas eu sou só mais um pedinte que não tem onde ficar.
- Vá para a rua, vá para outro lugar, mas aqui você não fica. Você é o prenúncio de algo desagradável, e não vou cometer o despautério de acatá-lo no meu terreiro, depois me arrepender ao encará-lo com intenções maquiavelistas de me suprimir deste lugar e vangloriar-se porque triunfou de minha fragilidade.
- Você é um mendigo igual a mim. Por que age dessa maneira?
- Meu amigo, negócio é negócio. Isto aqui é um negócio, entendeu? Então cuide de dar o fora porque aqui só cabe um e esse um sou eu.
- Eu preciso muito. Deixe-me ficar aqui. Prometo que não o incomodarei.
- Eu já falei que aqui é o meu território, somente meu. Se não sair daqui agora, terei que agir de outra maneira. Na marra.
- Como, se você é um inválido igual a mim?
- Vou lhe dizer como farei. Francisco!
- Sim, patrão?
- Esse moço duvida de mim, da minha capacidade. Se daqui a meia hora ele ainda estiver neste lugar, cuide de providenciar sua retirada. Aja a seu modo.
- Sim, patrão.
- Você, um mendigo, tem alguém para servi-lo?
- Não pense que sou estúpido. Já lhe falei sobre minha vida pregressa, aprendi a me defender. Esse vagabundo que ali está é meu assistente. Por umas migalhas, ele faz tudo o que quero, é-me fiel. Sempre existe alguém precisando de alguém. Ele precisa de mim e eu preciso dos meus clientes. Seu único defeito é ter-se acomodado na vagabundagem. Tem saúde, é forte, vigoroso, mas não tem coragem de trabalhar ou não raciocina bem e eu tiro proveito de sua fraqueza em meu favor. Minha impotência é suprimida pelo seu vigor. Ele fica feliz comigo e eu com ele. Assim é a vida. O idiota é o suporte do poderoso.
- Agora, sou contra você porque você se apresenta como um deliquente travestido de mendigo. Sairei agora para denunciá-lo à justiça. Sim, porque você está atraiçoando as pessoas que acreditam nos seus argumentos e lhe estendem a mão. Você...
- Francisco!
- Sim, patrão?
- A hora é chegada. Faça o que deve ser feito. Agora!
- Sim, patrão.