Um fato curioso aconteceu comigo, certa noite, quando eu saía da faculdade: subitamente a mulher surgiu não sei de onde e sem cerimônias grudou-se em mim segurando-me pelo braço sem proferir uma palavra sequer. Lançou-me seu olhar enigmático e sorriu, mas sem largar o meu braço. Eu não sabia se a repreendesse ou se iniciasse um diálogo sobre aquela atitude um tanto estranha da parte dela. Tinha a pele muito alva e macia, cabelos castanhos escorridos, uma voz suave. Após longo silêncio ela me disse baixinho: desculpe-me, mas escolhi você. De repente não sei quem eu sou, estou perdida neste lugar. Senti que você pode me ajudar, por isso escolhi você. Quedei-me ainda mais cismativo e, para dar continuidade à conversa, perguntei-lhe qual era o seu nome: não sei, não sei... Não sei de nada – e continuou apoiada em meu braço – me leve à sua casa. Eu respondi-lhe: mas eu não posso, moro sozinho. Aí, ela insistiu: Isso não seria um empecilho. Se você me largar aqui, o que será de mim? Olhei o relógio que marcava nove horas da noite. Perguntei: e sua casa? Ela olhou para mim encabulada: não sei onde moro. De repente, estou aqui sozinha e confusa. Fiquei indeciso, porém concluí que não devia abandoná-la assim naquele estado. Outra pessoa poderia tirar proveito daquilo tudo. Eu lhe disse: está bem. Hoje você pernoita em meu apartamento, mas amanhã veremos como resolver este caso. Ela sorriu aliviada e beijou-me o rosto. Peguei um táxi e partimos. Uma sensação estranha invadia todo o meu ser. Aquela mulher causava-me certa ansiedade, seu rosto angelical poderia ser uma farsa, sua amnésia, uma mentira. Assim que entramos em casa, ela virou-se para mim: posso abraçá-lo? Relutei, dei uma desculpa qualquer, mas ela insistiu tanto que aquiesci àquele extravagante desejo; abraçou-me com força por uns instantes, em seguida me largou e falou: estou com fome. – Dirigiu-se à cozinha. – A cozinha me é familiar, parece que todas as cozinhas do mundo são iguais, gracejou baixinho. Vou preparar uma deliciosa sopa para nós. Perguntei: você sabe fazer sopa? Ela respondeu: deixe-me fazer o que sei. Finalmente, mostrei-lhe os aposentos e a conduzi ao quarto contíguo ao meu, onde ela iria dormir. Aí ela retrucou: tenho medo do escuro. Eu disse: você pode deixar uma lâmpada acesa. Boa noite. Fui dormir em paz com minha consciência. No dia seguinte, teria de descobrir a saída ideal para aquela questão. Meu pensamento voava de um lado para o outro sem parar e mergulhava num mar de ideias contraditórias. Vencido pelo cansaço, adormeci. De madrugada, um sussurro me dizia: estou com medo. Não consigo dormir. Por favor, quero falar com alguém. Não consigo dormir. Mal abri a porta, ela invadiu o meu quarto e abraçou-me: tenho medo de dormir sozinha; deixe-me dormir em seu quarto. Clamei com veemência: você está louca? Ela choramingou: é verdade, não consigo dormir sozinha; deixe-me ficar aqui, não vou incomodá-lo. Mais uma vez concordei: está bem. Ofereci-lhe minha cama e peguei o colchão do outro quarto onde me acomodei. Ela acalmou-se e dormiu imediatamente. De manhã cedinho, acordei com seu corpo colado ao meu: seu corpo é quente e macio, falou com jeito de criança inocente. Aí, perdi todo o autocontrole e me envolvi no seu abraço, já era tarde para me arrepender. Após o café da manhã, que ela mesma preparou, beijei-a na testa e lhe falei que precisava sair para resolver algumas coisas. Recomendei-lhe que me aguardasse e não saísse para lugar nenhum enquanto eu estivesse fora. Na volta, encontrei o apartamento vazio, olhei por todos os cantos, caminhei pela rua, espreitei todos os lugares possíveis, mas em vão. Ela sumira deixando uma inexplicável saudade e... um pouco de remorso. Nunca mais apareceu.