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Contos-->VAVÁ, O APOSENTADO (mote 2) -- 19/01/2013 - 10:22 (Walter da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VAVÁ, O APOSENTADO
Mote 2

Carta anônima é um indigesto programa. Ter que lê-la, pior ainda. Na varanda, cochilando, VAVÁ acorda sobressaltado com o grito do carteiro, Duda. “Seu Vavá, desculpe lhe acordar, viu?”. VAVÁ, ainda meio sonolento e assustado, pega a carta da mão do carteiro, por cima do portão de ferro. Refletidamente ou não, vira do lado contrário e procura o remetente. Não há nada, senão umas quase ilegíveis iniciais maiúsculas, formando uma curiosa sigla: “OBA”. Desconfiado que nem ladrão dentro de agência bancária, VAVÁ levanta da cadeira de balanço de vime, se espreguiça e sai pra cozinha a beber água. Enche o copo, leva-o à boca e dobra o envelope em papel reciclado, tamborilando-o contra a perna direita. Mal sabe o delicado e imprevisto conteúdo. Não há ninguém em casa a essas horas da tarde. Amparo, sua mulher, fora à casa de uma amiga, costureira, ajustar umas roupas que já não lhe cabem mais, por conta da obesidade progressiva, causada pelo tireoidismo. Anos se passaram quando um caso amoroso fortuito, trouxera problemas para nosso aposentado. Era uma mulher que o perseguira durante alguns meses, no trabalho. Ele ainda guarda vestígios de certo e antigo charme, mesmo nos seus quase setenta anos de idade. Ela, a velha colega de trabalho, ainda era muito jovem quando ambos fizeram os testes da empresa e comemoraram a aprovação. Um excelente eletricista de baixa, média e alta tensão contra uma secretária aplicada que fizera o curso na Universidade Federal por absoluta falta de recursos financeiros. Placidamente passam em câmera lenta, as imagens desse tempo, quando VAVÁ era um suposto galã de cabelo repartido ao meio, camisas muito bem passadas e sapatos pretos, luzidios. Não. Não pode ser o replay de uma realidade que se estagna na bruma do tempo. Não. Não há de ser a reprise de uma estória que se repetiria como farsa. O temor de abrir o envelope contrasta com a ansiedade de vir a saber do que. Afinal, pensa ele, já se passaram tantos anos do quiproquó, que ele dá de ombros. Aceita correr o risco, seja lá qual for a bomba.
Toma coragem, rasga calmamente o lado estreito do envelope e puxa vagarosamente o papel dobrado em dois, finíssimo. Leva-o ao nariz e sente que o perfume exalado incensa a sala. Tudo indica que se trata daquela colônia, “Matinal” que ela usava, com fragrância discreta de jasmim. Coisa de mulher apaixonada, imaginou solipsista. Põe os óculos de leitura, senta-se na velha cadeira de balanço da sala do duplex e calmamente começa a ler: “ Oi. Sei que não deveria te incomodar VAVÀ mas sou obrigada. Te vi no supermercado com Amparo e quase corri pra falar com você, enquanto ela estava no setor de legumes. Mas me faltou coragem, nego. Estou aflita e preciso muito de você. Vou deixar esse número de telefone e tu me ligas depois, tá?”. Assinado: BETE”. Ai, ai, ai, ai, ai, diz VAVÀ em voz audível ao menos para si mesmo. Ouve um barulho de portão rangendo. É Amparo que volta da costureira e diz alguma coisa lá de fora, incompreensível. Repete mais alto: “VAVÀ, abençoado, me ajuda aqui!!” Ele corre ao portão e apanha da mão direita de Amparo, a sacola pesada de roupas, ajustadas pela amiga. O velho VAVÀ esconde a carta no bolso mas deixa o envelope cair. A mulher não consegue visualizar direito pois está ocupada em tirar a chave do portão de entrada do terraço da casa. Todo enrolado, VAVÁ, num relance, apanha o envelope mais do que depressa e tenta disfarçar a cara pasmada, marcada de susto. Amparo faz que não vê, mas vê. Acomoda a sacola em cima do sofá da sala e olha meio cara-feia pro marido, desajeitado, pego em flagrante. Com fixa mirada ela dispara: “VAVÁ, não finja nem se faça de besta, precisamos conversar”.
Ele já sabe que tem bronca no ar. Amparo conhece a velha estorinha da escapulida com cara de adultério, anos antes. Ela entra meio apressada para o quarto do casal, abre a porta do guarda-roupa e começa a arrumar as peças do conserto, em seus lugares. VAVÀ continua na sala, num pé e noutro, assustado e martelando uma defesa, um álibi, o que for. Ambos sabem que quarenta anos não são quarenta dias, nem que sirvam de desculpa para disfarçar um errinho do passado próximo. Se fumasse, já teria queimado uns dois cigarros só pra afugentar o medo, com o suposto aumento da pressão arterial e aquela taquicardia de quem se encontra mijando fora do caco. O telefone toca uma, duas, três vezes. Indeciso, VAVÁ corre pra mesinha, mas Amparo chega mais rápido e tirando o monofone do gancho diz: “Alô!”.
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WALTER DA SILVA
Camaragibe
18.01.2013
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