Primeira parte das declarações dadas por Rafael de Souza Castro, menor, 17 anos, vítima de sequestro em Volta Redonda-RJ no dia 8 de março de 1982, cárcere privado, tortura e violência sexual. Nesta 1ª parte, a vítima explica as circunstâncias em que foi sequestrada e descreve os primeiros momentos do cárcere privado. As declarações foram dadas ao delegado Joaquim Habour, responsável pelo inquérito policial que apura o caso conhecido com “Os horrores na Casa do Alto do Morro”.
Como você foi sequestrado?
Era de noite e eu estava vindo da casa de um amigo. André é o nome dele. A gente estuda na mesma classe e eu fui fazer um trabalho. Devia ser umas dez horas da noite. Aí um carro parou, um homem abaixou o vidro e disse que queria pegar a estrada para Barra do Piraí mas estava perdido. Perguntou se eu não podia ajudar. Disse que sim. Aí ele perguntou se eu não queria mostrar onde era a saída. Ficava ali perto. Então ele me ofereceu uma nota de 50 reais para levar ele até lá.
E você aceitou assim, sem desconfiar de nada?
Disse que me daria mais 20 reais para pegar um táxi de volta.
Aí você entrou no carro dele?
Entrei.
Você se lembra que carro era?
Não sei direito, mas era um carro luxuoso. Desses que só quem tem muito dinheiro usa.
E você nunca tinha visto aquele carro por ali?
Que eu me lembre, não.
Nem aquele homem?
Também não.
E depois? Depois que você entrou no carro?
Ele me disse que já estava ficando com medo de ser assaltado. Disse que foi uma sorte eu ter aparecido naquele momento. Disse que não sabia como tinha se perdido, mas como não conhecia a cidade e não tinha a menor ideia de onde estava. Falava como se estivesse com medo. Aí perguntou se eu estava com fome. Disse que tinha uns biscoitinhos e uma garrafa de suco. Eu disse que não estava com fome, mas aí ele pegou a garrafa de suco e disse para eu beber.
Como era essa garrafa de suco?
Dessas que vende nos mercados e em vários lugares. Não me lembro direito. Não prestei atenção. Só sei que era suco de laranja e estava gelado.
Você abriu e tomou?
Isso. Na realidade eu estava com fome. Assim como minha família, a de André também é muito pobre. Como ele não me ofereceu nada para comer também fiquei sem jeito de pedir.
E depois.
A gente já estava quase chegando na rodovia Lúcio Meira, que é a estrada que ele tinha que pegar, e assim que tomei os primeiros goles comecei a enxergar tudo embarcado e depois não me lembro de mais nada.
E quando você acordou?
Eu estava num lugar estranho, dentro de uma grande jaula de ferro, deitado numa cama.
Naquela mesma cela de onde vocês foram resgatado?
Isso. Ali mesmo!
E só tinha você lá dentro?
Só.
Então isso prova que você foi o primeiro a ser sequestrado?
Sim. Quer dizer: dos homens sim. Porque pouco tempo depois descobri que haviam duas meninas do outro lado da parede.
E depois que você acordou?
Fiquei desesperado. Comecei a gritar e a pedir socorro.
E então?
Ele apareceu logo depois e disse que não adiantava eu gritar porque ninguém ia ouvir. Perguntei por que ele tinha feito aquilo. Ele disse que em breve eu saberia. Isso me deixou ainda com mais medo. Aí eu perguntei o que ele ia fazer comigo. Aí ele disse que eu não estava em consoles condições de fazer perguntas. Então ele disse para eu tirar toda a roupa, que ia mandar lavar para eu vestir quando fosse embora.
É . Ele fez isso com todos. Não sabemos se de fato ele tencionava libertar vocês ou se disse isso só para iludi-los. Achamos tanto a sua roupa quanto a das outras vítimas limpas, passadas e embaladas num guarda roupa.
Ele fez com os outros meninos também.
Depois que você tirou sua roupa e entregou a ele, o que aconteceu?
Ele ficou me olhando por algum tempo. Tanto de frente quanto de costas. Então me apontou o banheiro e disse que tinha escova e pasta de dente. Antes de sair, disse que o café da manhã seria servido dali a pouco.
Bom. A viagem de Volta Redonda até ali deve ter levado de três a quatro horas. Como você estava dopado, isso quer dizer que você deve ter dormido algumas horas. Portanto, ele apareceu na sua cela na manhã do outro dia.
Deve ter sido.
Foi ele quem trouxe o café?
Não foi uma mulher e um homem. Ele tinha alguma coisa na mão. Acho que era uma corda ou algo parecido. Não reparei direito. Ele mandou eu deitar na cama senão ia ficar sem café. Deitei. Ai o homem abriu a porta e a mulher entrou com uma bandeja e deixou em cima da mesa que tinha logo na entrada.
É essa qui, nessa foto?
É.
Você reconhece esses dois aqui messa outra foto?
São eles sim.
Eles estão presos. Confessaram que trabalhavam na casa. Ela era responsável pela limpeza e ele, dentre outras coisas, evitar que vocês escapassem. Bem, agora vem a parte mais difícil. Sei que é muito doloroso relembrar esses fatos, mas precisamos de seu depoimento para mantê-los na cadeira por um bom tempo. Você acha que seria capaz de falar dos abusos e das torturas que sofreu?
Seria sim. Para deixar queles animais atrás das grades para o resto da vida eu farei esse sacrifício.
Então vamos dar uma pausa. Quer beber alguma coisa? Um café, um suco, um refrigerante ou até mesmo um copo de água?
Aceito um refrigerante.
Fim da primeira parte.
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