Transcrição de parte da gravação da primeira parte dos esclarecimentos prestados por Marcela Miranda, 16 anos, vítima de sequestro e violência física e abuso sexual. A vítima foi sequestrada no Rio de Janeiro em 5 de janeiro de 1982 e resgatada do porão de uma casa na zona rural de Juiz de Fora em 20 de abril de 1985 juntamente com outros menores, vítimas dos mesmos crimes. As declarações foram dadas ao delegado Joaquim Habour, responsável pelo inquérito policial que apura o caso conhecido com “Os horrores na Casa do Alto do Morro”.
Quando você acordou, o que aconteceu?
Eu estava deitada numa cama.
Naquela cela onde vocês estavam?
É
E tinha mais alguém lá?
Não. Só eu.
Então você foi a primeira a ser sequestrada?
Acho que sim. As outras vieram depois.
E depois?
Ele apareceu pouco depois, quase sem roupa.
Ele estava pelado?
Não. Ele usava uma bermuda escura ou coisa parecida. Não me lembro direito. Estava um pouco escuro.
E então?
Perguntei onde estava. Aí ele respondeu que eu estava na casa dele. Perguntei o que tinha acontecido e o que eu estava fazendo ali. Aí ele respondeu que eu ia passar um tempo ali. Foi quando eu me dei conta de que talvez tivesse sido sequestrada. Perguntei se ele tinha me sequestrado e ele respondeu que sim. Então eu comecei a chorar.
E ele o que fez?
Disse que não ia adiantar eu chorar. Mas se eu quisesse poderia chorar à vontade.
Sei. E daí?
Ele destrancou a porta. Entrou. E trancou ela de novo. Então ele disse para eu me levantar. Fiquei com medo dele. Um medo temível. Por isso parei de chorar e me levantei. Ai ele disse para eu tirar a minha roupa que precisava lavar ela e guardar para eu vestir de novo quando fosse embora.
Ai você se despiu na frente dele?
Não. Fiquei com vergonha e muito medo de que ele fosse fazer alguma coisa comigo. Achei que ele estava mandando eu tirar a roupa para abusar de mim.
Então você não se despiu?
Sim. Depois que ele me ameaçou.
Como ele te ameaçou?
Disse que se eu não tirasse ele ia me castigar, que ia me amarrar e ele mesmo ia tirar a minha roupa e depois me deixar toda marcada de chicotadas. Ai disse para eu andar logo que ele não tinha o dia todo. Disse também que era para eu não me preocupar porque não ia precisar de roupa ali.
Ai você tirou?
Comecei a chorar de novo e fui tirando.
E ele, o que fez?
Cada peça que eu tirava ele estendia a mão e pegava. Fiquei só de calcinha. Ai fiquei olhando para ele, pra ver o que ele ia fazer. Pensei que a calcinha eu não precisa tirar. Mas quando ele viu que eu não ia tirar, disse que era para eu tirar ela também.
E depois que você tirou?
Ele ficou olhando para mim, me examinando com os olhos. Na hora pensei que ele ia me mandar deitar na cama e ia fazer aquelas coisas comigo. Mas não. Apenas disse: “Boa menina. É assim que tem que ser. Se você for obediente, vai sair daqui logo. Mas se não se comportar, vou ter que te castigar e aí você vai demorar ainda mais para voltar para sua casa. Você quer voltar logo não quer?” Ai eu balancei a cabeça, assim.
Muito bem. Eu sei que isso está sendo muito difícil pra você, mas a gente precisa esclarecer tudo que aconteceu. Esse homem é um monstro. E queremos entender por que ele fez tudo isso. Você acha que pode continuar?
Posso sim!
Então vamos avançar um pouco. Quando foi que ele começou a abusar de você?
No dia seguinte.
Você seria capaz de contar como foi? Se você achar que não consegue não tem problema. Você faz isso outra ora, quando se sentir mais a vontade. Não quero te forçar a nada, embora o seu depoimento seja de extrema importância.
Não posso sim. Foi algum tempo depois da mulher ter trago o café.
Aquela que você reconheceu?
Isso. Ela mesmo.
Prossiga
Ele entrou sem roupa, com uma toalha na mão e disse para eu tomar um banho.
No banheiro da cela?
Isso.
E?
Peguei a toalha e fui. Entrei no chuveiro chorando, porque sabia que ele ia fazer alguma coisa comigo. Ele estava pelado e eu tinha visto o troço dele pendurado. Tava mole, mas eu sabia que crescia e ficava duro. Fiquei pensando que deveria ficar grande. Fiquei com muito medo. Queria ficar ali, embaixo do chuveiro para sempre, mesmo com ele me olhando.
Ele ficou te olhando tomar banho?
Ficou.
E depois que você saiu?
Eu saí enrolada na toalha. Mas ele me pediu a toalha e disse que ia me levar para outro lugar. Pensei que ele me fosse levar para fora. Fiquei até feliz, porque pensei que se saísse dali, ia sair correndo, sem roupa mesmo, até encontrar alguém para pedir socorro. Não sabia onde estava, mas imaginei que talvez tivesse gente morando por ali perto. Sabia que ele não tinha idade para me alcançar. Achei que poderia escapar. Mas ai eu vi alguma coisa na mão dele. Era uma algema. Dessa que a polícia usa para prender as pessoas.
Ele te algemou?
Sim.
Com as mãos para trás?
Não. Mandou eu estender os braços.
Ai saiu com você?
Isso. Ele ficou me segurando pela corrente da algema e foi puxando. Saímos pela porta, andamos por um corredor, depois viramos e seguimos por um outro meio escuro. Ai entramos num quarto todo espelhado, cheio de luzes, televisão e uns troços que depois descobri que eram câmaras de filmar.
Sei do qual quarto você está falando. Era um estúdio, onde ele filmava os abusos. Só não sabemos ainda se ele vendia esses filmes ou se era só para depois ele assistir. Estamos averiguando se ele fazia parte de uma rede internacional de pedofilia. Existem várias ao redor do mundo.
E o que ele fez?
Mandou eu sentar naquela cama grande. Ai ele mandou eu deitar. Eu comecei a chorar de novo e implorei para ele não fazer aquilo, para não me machucar. Disse que faria qualquer coisa, mas que ele não fizesse aquilo porque eu ainda era virgem. Ai ele me empurrou para trás dizendo: “É justamente isso é o que eu quero descobrir, sua vadiazinha!”.
Eu sei que essas perguntas muito dolorosas e difíceis para você, mas precisamos de seu relato. Vamos fazer o seguinte: a gente parar um pouco. Quer tomar um refrigerante, um suco ou um copo de água?
Um coca cola.
Vou pedir alguém para trazer. Sua mãe está lá fora. Quer ir ficar com ela até você está em condições de continuar? Se você preferir, ela entra e acompanha essa nossa entrevista.
Não. Prefiro que ela não ouça.
Então vamos fazer uma pausa. Daqui alguns minutos a gente continua. Ou você prefere deixar para outro dia?
Prefiro. Não estou me sentindo muito bem.
Não tem problema. Que tal depois de amanhã? Pode ser?
Pode sim.
Então ficamos combinado. Vou falar com sua mãe. Marcaremos para o mesmo horário. Tudo bem?
Pode ser.
Fim da gravação
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