Inesperadamente, uma mulher surgiu não sei de onde e, com a maior naturalidade, grudou-se a mim sorrindo-me sem largar o meu braço. Tinha a pele muito alva e macia, cabelos castanhos escorridos, uma voz suave. Após longo silêncio ela me disse baixinho: desculpe-me por tê-lo escolhido. De repente não sei quem eu sou, estou perdida neste lugar. Senti que você pode me ajudar, por isso o escolhi. De certa forma, desconfiado daquele estranho procedimento, quis saber qual era o seu nome; ela respondeu: não sei, não sei... Não sei de nada, – e continuou apoiada em meu braço – me leve à sua casa. Repliquei: eu não posso, moro sozinho. Ela insistiu: Isso não será um empecilho. Se você me largar aqui, o que será de mim? Consultei o relógio que marcava dez horas da noite. Eu disse: vou levar você até sua casa. Ela respondeu um pouco encabulada: não sei onde moro; estou aqui sozinha e confusa. Concluí que não devia abandoná-la assim naquelas condições. Alguém poderia tirar proveito de tudo isso. Eu lhe disse: está bem. Esta noite você dorme em meu apartamento; amanhã veremos como resolver este caso. Ela se acalmou e beijou-me o rosto.
Eu sentia uma sensação estranha tomar conta de mim. Aquela mulher causava-me ansiedade, seu rosto angelical poderia ser uma farsa, sua amnésia, uma mentira. Assim que entramos em casa, ela falou: posso abraçá-lo? Relutei, dei uma desculpa qualquer; ela insistiu tanto que acedi ao seu extravagante desejo; abraçou-me com força, por fim me largou e falou: estou com fome. – E dirigiu-se à cozinha. – A cozinha me é familiar; parece que todas as cozinhas do mundo são iguais, – gracejou baixinho. – Vou preparar uma deliciosa sopa para nós. Perguntei: você sabe fazer sopa? Ela disse: deixe-me fazer o que sei. Por fim, mostrei-lhe os aposentos e a conduzi até o quarto adjacente, onde ela iria dormir. Ela argumentou que tinha medo do escuro. Eu disse: você pode deixar uma lâmpada acesa. Dei-lhe boa-noite e fui me deitar. Logo mais, teria de descobrir a saída ideal para aquela questão.
De madrugada, percebi um sussurro: estou com medo, não consigo dormir! Quero falar com alguém, não consigo dormir! Mal abri a porta, ela invadiu o meu quarto dizendo: tenho medo de dormir sozinha; deixe-me dormir em seu quarto. Clamei com veemência: você está louca? Ela choramingou: é verdade, não consigo dormir sozinha! Deixe-me ficar aqui, não vou incomodá-lo. Diante disso, ofereci-lhe minha cama, peguei o colchão do outro quarto e nele me acomodei. Ela acalmou-se e adormeceu em seguida. De manhã cedinho, acordei com seu corpo colado ao meu: seu corpo é quente e macio! falou com jeito de criança inocente. Não pude me conter, perdi o controle e me envolvi no seu abraço. Não havia como resistir a um apelo libidinoso àquelas horas.
Após o café da manhã que ela mesma preparou, informei-lhe que precisava sair para resolver algumas coisas. Recomendei-lhe que me aguardasse e não saísse para lugar nenhum enquanto eu estivesse fora.
Quando regressei, deparei-me com o apartamento vazio. Procurei-a por todos os lugares, todos os cantos, caminhei pela rua, espreitei o movimento, mas em vão. Ela sumira deixando uma inexplicável saudade e... um pouco de remorso.
Nunca mais apareceu.
(Do livro Conversa com uma boneca e pano, publicado no CLUBE DE AUTORES – veja link abaixo: