Um mendigo havia se posicionado na calçada de uma igreja cujo padroeiro era São Francisco de Assis, com a mão direita estendida, na expectativa de que alguém ali depositasse alguma moeda que ele guardava imediatamente numa sacola de pano pendurada no pescoço, quando um cavalheiro de cabelos grisalhos surgiu e parou diante dele. Nenhuma moeda lhe ofertou, porém lhe fez uma proposta incomum.
– Você quer ganhar uma casa?
Abismado com singular oferta, ele reparou naquele homem estranho que parecia um cidadão de bem, e pensou consigo: será que caçoa de mim? Pensando assim, não deu atenção ao senhor que continuava diante dele à espera de uma resposta.
O homem repetiu a pergunta:
– Você quer ganhar uma casa?
Então ele falou:
– Meu senhor, a minha vida tem sido muito difícil. Hoje, sou compelido a pedir tudo o que minha necessidade reclama; dependo unicamente dos que esquecem algumas moedas no bolso e das boas senhoras que me reservam deliciosas sobras de comida. Por sua postura, presumo que não graceja comigo. O senhor me pergunta se eu quero ganhar uma casa?
– Certamente. Há mais de um ano, eu comprei uma lá no Norte, mas fui transferido para cá e decidi doá-la a alguém. Se você aceitar minha oferta, amanhã mesmo, entregar-lhe-ei toda a documentação, providenciarei a sua passagem e você embarcará a fim de apossar-se do imóvel que estou lhe doando.
* * *
Á noite, o mendigo não dormiu nem sentiu as picadas dos insetos noturnos que o atormentavam no quartinho de lona onde morava.
Uma alegria incomensurável invadiu o seu peito. Habitaria numa casa de verdade, abrigar-se-ia contra o sol e contra a chuva, estaria protegido contra as intempéries, ninguém mais haveria de importuná-lo nas suas noites mal dormidas e sofridas; além do mais, a casa seria propriedade sua, com toda a documentação legal.
No outro dia, o homem regressou e disse:
– Entre os documentos exigidos para que possa embarcar, é necessário que você redija um testamento para fins legais, na hipótese de algum imprevisto durante a viagem.
O mendigo respondeu:
– Mas como poderei redigir um testamento se não tenho nada para legar, nem ninguém como herdeiro?
–Sem esse documento não poderei transferir-lhe a escritura da moradia. Retorquiu o doador.
O mendigo postou-se pensativo. Os únicos bens que ele possuía era a roupa esfarrapada e fedorenta que vestia, as sandálias que calçava, o saco onde guardava o que ganhara durante o dia, um cobertor (velho e rasgado) e um bastão.
Prosseguiu o doador:
– Não disponho de muito tempo. Daqui a dois dias, estarei de volta e você deverá inteirar-me do andamento da documentação. Caso contrário, darei a outro a vivenda que foi incapaz de ganhar.
O pobre velho viu desmoronar-se o castelo tão rápido quanto surgira.
Não tinha ninguém por si nem de si; não construíra um lar porque, para tal, jamais teve condições financeiras. Vivera de biscates, ora como carregador de fretes, ora como ajudante de pedreiro ou lavador de carros e outros serviços pesados. Seus membros enfraqueceram e não tinham mais forças para o trabalho. Para sobreviver, só lhe restou a mendicância.
Acomodou-se com tais circunstâncias e esqueceu que o teto em questão já constituía um elemento testamental, além dos seus poucos pertences, o que haveria de satisfazer as exigências do doador.
No derradeiro dia do prazo que lhe foi concedido, o doador regressou, mas o posto do mendigo estava desocupado.
O doador então se retirou e se pôs a considerar consigo mesmo: há gente que merece a miséria que vive. Só me resta sair em busca de outro que seja capaz de satisfazer os requisitos naturais deste empreendimento.
Alguém que presenciara a cena concluiu com pesar: Neste mundo existe pessoas que, habituadas a só receber, esquecem totalmente de dar. Eis aí, talvez, a base do egoísmo. Ao mendigo um homem ofereceu uma morada e exigiu dele um testamento transmitindo a posse da mesma para outrem, no caso de sua morte. O mendigo não entendeu a proposta e respondeu que nada possuía, nem havia ninguém a quem legá-la. Acostumado a nada ter, ignorava o que era posse; acostumado a sempre receber, desconhecia o que era dar, e isolou-se em seu minúsculo mundo.
Nem sempre entendemos o que os outros esperam de nós. Às vezes, é tão pouco e simples e se torna tão complicado!