Era uma casa...
A pequena Madalena é uma cidade de uma única rua, uma vila, fincada no interior do sertão central do Ceará, pacata, distante e composta por famílias, à predominância é do sobrenome Pinho, quase todos lá tem este sobrenome. Foi lá que vim ao mundo, morei até aos treze anos de idade e onde aprendi a andar, a amar, a viver em comunidade; pois a vida do interior me permitiu viver arrodeada de irmãos, de gente, sem que isto me incomodasse, muito embora tenha necessidade de ficar só, como este momento, que escrevo, se bem que não estou sozinha e sim estou com minhas reminiscências.
Naquele tempo as famílias eram numerosas; convivia-se muito com os vizinhos e isto foi muito valioso para mim pelo fato dessa condição ter me ensinado a desenvolver o espírito de equipe, de respeito ao ser humano, aos direitos dos outros e de aprender a compartilhar espaços e ainda, com uma vantagem de não me sentir só, pavor da minha vida, a solidão; tive o privilégio de viver sempre acompanhada vendo gente, convivendo com elas e adoro ter pessoas por perto, elas me fazem bem, me levam a fluir energias positivas e a desenvolver minha imaginação, sempre!
Apreciar a natureza, hábito que me acompanha até os dias de hoje, pois, revelo isto em meus escritos que através desta energia e sempre em harmonia com o universo, fui identificada como ecóloga, referência à forma que invoco a natureza, dela extraio energia, inspiração e encantamento em meus escritos, no meu viver. Amo a natureza, o verde, o mato, as plantas, flores, pássaros e os bichos em geral.
Em Madalena sempre choveu pouco, e um dos maiores desejos e momentos de felicidade era a chegada da chuva. Bastava se formar aquele tempo de nuvens escuras no céu para todos brindarem a vida e agradecer a Deus por tudo; a chuva sempre significou para mim alegria, proteção e presença de Deus.
Recordo bem um dia, que caiu uma grande chuva, ao cair da tarde e estávamos todos em casa e chovia torrencialmente, nossa casa era coberta por telhas de barro e ouvíamos a chuva caindo sob o telhado, o cheiro da chuva, da terra molhada, os respingos de barro, tudo isto me encantava, e quando as goteiras começaram a cair pesadamente molhando todo o chão de tijolos, nos refugiamos sob uma grande mesa de refeitório na sala de jantar feita de cedro e papai e mamãe também ficaram amedrontados, mesmo com medo da tempestade que caía, me senti protegida, pois na companhia da família nada me atingia era um momento seguro, supremo!
A noite era o melhor momento, todos em casa, a chuva caindo no telhado e os sapos coaxando nos rios, nas grotas, nos açudes. Eu imaginava cada ato daquele, a rede era meu confessionário, meu subterfúgio e lá eu podia imaginar, sonhar, desejar e idealizar tudo que me viesse á tona, ainda bem que eram dóceis, infantis e apenas coisas boas.
O dia acordava cedo e eu era despertada pelos aboios do meu pai e dos meus tios e avô tangendo o gado, pelo cheiro do leite mungido, pelo latido dos cachorros e a água da chuva da noite anterior ainda escorrendo pelas grotas. O sol me dava vida, luz e anunciava que aquele era mais um presente de Deus, os canários amarelos, bem brasileiros entravam pela janela do nosso quarto, atraídos pela luz do espelho de uma penteadeira e aquilo tudo me encantava, não havia momento mais esplendoroso!
Foi dessas vivências, do início de minha vida que recebi estímulos para viver de forma positiva e buscar tudo para ser gente! Uma cidade de apenas uma rua, uma casa simples, uma família do sertão, mas que, me proporcionou todos os recursos fundamentais ao desenvolvimento humano, pessoal, profissional, intelectual, extraídos do amor dos pais, do respeito, do desejo que eles sentiam para fazer dos filhos “gente importante” com seus exemplos de valores morais, éticos e da importância que nos era transmitido o valor do ensino, do estudo, da educação. Com base nesses valores eu dizia desde pequena que queria estudar, crescer, ser gente, me formar, trabalhar e me casar com um funcionário do Banco do Brasil, que era a melhor referência profissional da época e que, deu certo para mim, e continua dando, vinte e nove anos, até hoje.
Nada além de uma casa simples, uma família unida, bons exemplos que me levaram corajosamente a desbravar com firmeza e determinação os corredores tortos da vida, e com muito orgulho a galgar os degraus, muitas vezes inseguros, da vida buscando a superação dos desafios diante de todas as possibilidades repletas de escolhas.
Fui a primeira a nascer naquela morada magnífica, construída de sonhos, de esplendor, de acolhimento e de muitas e promissoras perspectivas rumo ao futuro.
Àquela época todos vinham ao mundo de parto normal à luz de lamparina, com os cueiros alvejados com anil, purificados com alfazema e passados no ferro a brasa; eu apreciava muito à noite quando a minha mãe tinha “folga”, ia passar as roupas do próximo nenê, pois sempre estava esperando por mais um, foram doze; nove mulheres e três homens e nós ficávamos ao seu lado, melhor ao seu pé, prestando atenção aos movimentos do ferro, aos sonhos de nossa família e ao cheiro infantil de criança misturado a ingenuidade e bondade.