As duas filhas do Senhor Tempo: Paciência e Impaciência
Ontem à noite estava lendo uma obra-prima de um amigo de turma: "O que pensa o homem", de Gabriel Gaspar. Logo no início do livro, o narrador procurou deixar o leitor impaciente. Procurou, ainda, estabelecer um paralelo filosófico sobre o significado inconsciente da Paciência, e também de sua rival: a Impaciência. Mas será mesmo que são rivais? Talvez! Pode ser até que sejam amigas; porém, incompatíveis. O diálogo entre as duas se dá somente à distância. Uma tem aversão à outra, e vice-versa.
Seu pai, o Senhor Tempo, é quem rege suas vidas. Ademais, ele sabe perfeitamente o destino de cada uma. Ele é capaz de traçar com absoluta precisão as tendências de ambas, individualmente. Conhece suas filhas em profundidade. Apesar de serem tão distintas, ambas possuem o mesmo gene: o de seu pai – o Tempo, o qual é seu único traço genético convergente. O girar dos ponteiros do relógio lhes trouxe a paternidade comum, mas não a personalidade, nem tampouco o destino.
Uma descrição da Paciência...
Paciência. Pense em: acomodação, conformismo, preguiça, baixa autoestima, resignação, marasmo, tédio, desilusão com vida, assimilação da derrota, pulsar mórbido do coração, filme preto e branco, baixo entusiasmo, descrença na vida, zona de conforto. Essa menina tivera uma gestação muito tranquila, mas nasceu em dia conturbado. Fazer o quê? Paciência! Por outro lado, permite-se algumas qualidades incontestáveis, a saber: perseverança, foco, direção definida, mansidão e disciplina.
Pense na Paciência como uma mulher casada, que está sempre sentada na poltrona, junto a seu marido. Tem conforto, carinho, sexo e comida. Mas não tem a aventura, nem nunca vai conseguir compreender o poder do inusitado, nem tampouco a magia e o encanto que a vida pode lhe proporcionar caso se disponha a abandonar seu lar.
A paciência é mais perseverante, enquanto que sua irmã é mais enérgica. A primeira procura dosar sua energia no tempo; a segunda, por sua vez, é mais explosiva e consome tudo com muito fulgor em um lapso de tempo muito estreito.
Agora, falemos da Impaciência...
Impaciência: revolta, incomodação, indignação, insatisfação permanente, movimento, agitação, confusão, tempestade. Tivera uma gestação conturbada, mas nasceu em um dia calmo. Revoltou-se! Indignou-se! Que ódio!
A impaciência é uma mulher solteira. Não tem o conforto do sofá para se sentar, nem o carinho de um marido para lhe afagar, nem comida, nem sexo, nem café da manhã entregue na cama. Nada disso! Se quiser tê-lo, terá que sair na sua redoma, terá que abandonar a zona de conforto, pois só assim poderá usufruir dos mesmos prazeres que a Paciência, mas com um senão: o prazer que viverá será mais exultante, fará seu coração vibrar com uma dose de adrenalina dez vezes maior que a da sua irmã, a qual vibra, mas num ritmo muito lento, quase parando, bem próximo do mórbido, em decorrência do marasmo que é intrínseco à rotina.
A Impaciência ama o desafio, submete-se aos riscos da vida sem hesitar. Cai de cabeça na profundidade na zona abissal marítima, porque sabe que só lá verá o que a grande maioria nunca sonhou em ver, e que sentirá só o que os impacientes sentiram: a deca-dose de adrenalina circulando em suas artérias, fazendo seu coração pulsar com uma energia contagiante e vivificante.
Voltando ao livro...
O narrador de O que pensa o homem falava da tortura sob a qual está submetida a Impaciência: a de ter fincado em seu coração um alfinete, que lhe perturba todos os dias, retirando-lhe o sossego e a paz de espírito. Contudo, esse mesmo alfinete produz um outro efeito, por sinal muito benéfico: o de promover sua evolução.
A Impaciência gera a decisão de mudar de vida. A Paciência, por sua vez, ensina o indivíduo a manter-se focado em seu objetivo.
A Impaciência faz o sujeito se coçar diariamente para mudar sua realidade. Já a Paciência o ensina diariamente que nada se resolve da noite pro dia. Aliás, tudo só se resolve com uma coisa, digo, um ser: o Pai dessas meninas – o Senhor Tempo.
A interseção — a área comum, mas não coincidente, nem confluente...
O Tempo é o plano sobre o qual caminha o indivíduo. É o solo que sustenta o caminho e também a caminhada. Não se existe sem o Tempo, não se chega a lugar algum sem ele. À direita do indivíduo, a Paciência. À sua esquerda, a Impaciência. Caso queira chegar a seu destino, com êxito, terá de caminhar de mãos com as duas irmãs, sem permitir que elas se encostem.
O anjo da direita lhe dirá:
— Calma! Não se abale! Tudo a seu tempo. Seja paciente! Tenha fé! Mesmo que esta fé tenha que durar por toda a sua existência!
E o demônio da esquerda:
— Você vai permitir isto? Vai aceitar essa situação absurda? Vai se entregar, seu fraco? Vai ficar ai parado? Esperando o Tempo passar? Bora meu filho! Se mexa!
Para conquistar um objetivo são necessárias doses permanentes e diárias de cada uma: uma dose de im, e uma de paciência.
Grandes conquistas, ou conquistas de grande vulto em nossas vidas, demandam a presença do pai e das duas filhas: Tempo, Impaciência e Paciência. Os três se entrelaçam sem se misturar. Não obstante, se fundem para que a Grande-Obra seja construída. Nenhuma grande conquista deste imenso universo se concretizou sem a presença constante desta tríade.
O segredo é permanecer impaciente pacientemente e manter-se paciente impacientemente. Só assim, e com o Senhor Tempo, as transformações irão se concretizar e a Grande-Obra tomará o seu formato definitivo, mas jamais estável, posto que, enquanto houver vida, persistirá a Paciência, e se revoltará a Impaciência.
A confluência das irmãs terá de partir do indivíduo, na medida em que elas, as meninas, são bicudas uma em relação à outra e, portanto, não se beijam. Ele, sozinho, nas profundezas de seu Si, haverá de tocar cada uma, no seu devido instante, de preferência no mais apropriado, para que não venha a tomar decisões erradas.
Caetano Veloso, em “Oração ao Tempo”, assim canta:
(...)
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo
(...)
“Tambor de todos os ritmos.” Sejam eles ritmos dos pacientes ou dos impacientes. O Senhor Tempo sempre será seu ponto de convergência. Será seu tambor, o mesmo tambor. Mas não com o mesmo ritmo, nem com a mesma intensidade sonora.
O caminhar sobre o plano do Tempo exige a paciência impaciente e a impaciência paciente. A presença do pai e das duas filhas, separadas, mas conectas.