Volto à primeira quermesse e bebo até segurar postes. Agarro um dos mais inchados. Encosto-me. Ao meu lado dois meninos, treze anos, jogam pedras em uma garagem e conversam. Ouço o diálogo, ouço e parece que engulo os maribondos daquela casa em Diadema.
- Oh, cara, se tu quer comer a mina, tem que gastar dinheiro! afirma um dos meninos.
- Eu não quero gastar grana com piranha.
- Não é piranha, cara. É mulher! E tem que mostrar a grana. Ver que ela viu. Fazer volume da carteira na bunda não adianta.
Os dois têm o sentido da ostentação e da luxúria. Teorizam sobre a extorsão sexual. Tornaram-se aves de rapina. Avaliam carcaças sobre a planície.
Sinto-me deslocado. Perdi muito mais do que pensava sobre as mudanças do mundo. Alterações que incluíram esses dois meninos. E se alguém os ouvisse agora, tão prescritivos quanto certos crentes, anunciaria a criação da nova igreja do “Deus na livre necessidade orgástica dos pivetes”.
Um dos moleques mete a mão nas calças. Diz que vai embora. Puxa a pipa vermelha que carrega. É uma criança. Enrola a rabiola do brinquedo, examina a folha de seda, calça o chinelinho.
Eu também sou muito pequeno. Trabalhei no banco BBDC. Entrei na comunidade evangélica e não assinei apólices de seguro de vida. Agora minha vida não pode mais ser restituída.
Marina se escancara de vez. O romance não deu certo e o moleque descobriu a razão. A minha busca pela transcendência descobriu que aquele amor tinha a lógica financeira da igreja “ Deus é sabor”.
Recordo-me de uma frase da Bíblia: “As sombras cobrem a sua sombra, os salgueiros da torrente o rodearão”
Trecho do livro já publicado:"Deus, a ferida e a periferia"
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