Tum-Tum. O Silêncio da madrugada se desfez com aquelas duas batidas na porta. Levantei-me, lavei o rosto, dei uma arrumada no cabelo, como se isso fosse possível, e fui atender.
- Julia, você aqui?
- Carlos se troque, precisamos conversar.
Me virei, quando vi que o relógio apontava 2:30. Tentei argumentar - Mas Julia, olha o horário - eu apontava para o relógio de parede, mas obtive a mesma resposta.
- Se arrume, precisamos conversar.
***
Andamos quatro quarteirões. Quase nada foi conversado, Julia apenas perguntou sobre minha vida, sobre meu emprego (desemprego) e sobre a Faculdade.
Julia era minha melhor amiga, apesar das brigas e do jeito "bufão" de me tratar. Nos conhecemos 4 anos antes, na sala do vestibular, quando ela fez a loucura de me passar um papel com todo gabarito da prova. Mesmo desesperançado, passei, aliás passamos. Eu em Fotografia e Julia em Música.
***
Sentamos num café quase que vazio em conseqüência do horário.
- Traga-me vinho e você Carlos, o que vai querer?
- Uma água - Apesar de sempre beber, preferi estar sóbrio, sabendo que seria uma conversa séria.
Bebidas postas, Julia começou:
- Eles morreram Carlos, Papai e Mamãe morreram - antes que eu pudesse raciocinar, ela continuou - Tô sem grana, já que eles não me mandam mais e para piorar, eu tô grávida.
- Puta-que-pariu Julia, tudo isso em um mês? - disse isso, pois fazia apenas um mês que não nos falávamos.
- Não, tudo isso em uma semana. Morreram a quatro dias num acidente com aquele maldito ultraleve e eu descobri a gravidez ontem.
A única coisa que me veio na cabeça era perguntar - Quem é o pai?
- Não sei, pode ser você.
- É, ou pode ser o Lúcio, o Boca, o Fer. Lucia, você acha que eu não te conheço? - respondi em tom divertido, porém sério.
Para evitar a cara triste que ia se formando no rosto de Julia, perguntei - Tem alguma coisa que eu possa ajudar?
- Com certeza. Casa comigo, assume o filho e a gente fica com a herança dos velhos.
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O Pai de Julia era um piloto da aeronáutica e a mãe sempre foi do lar. Julia e Marcos eram os únicos filhos do casal, que morava em Brasília.
Marcos nunca se deu muito bem com a irmã. Ele era mais velho, tinha quase 35 e era dentista, bem de vida.
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- Marcos dispensou a parte dele na herança, podemos ficar com tudo. Vamos, aceite Carlos.
- E Porque eu? E o Lúcio, o Fer? O filho pode ser deles.
- Mas a mãe é sua - disse a encantadora Julia.
Eu, querendo dispersar o assunto, perguntei - Onde você tá dormindo?
- Tô na casa da tia Lucia - ela respondeu.
- Bom Julia, eu preciso pensar, me procura daqui há uma semana - Paguei minha água e fui embora, não sem antes dar um beijo no ventre de Julia, já que poderia ser meu filho.
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Naquela semana faltei em todas as aulas, não saí para procurar emprego. Só fiquei em casa pensando na Julia e no ser que ela carregava.
Tum-Tum. Novamente as batidas na porta desfaziam o silêncio da madrugada, eram exatamente 3:15.
- Carlos, me ajuda! - Era o Lúcio, totalmente bêbado. Coloquei ele para dentro, dei-lhe um ducha. Nos sentamos, bebendo vinho que era para esquentar o frio.
- Carlos, a Julia tá grávida e o filho é meu. O que eu faço cara? Tô totalmente sem grana.
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Tum-Tum. 4:20, dessa vez era o Fer. Atendi - Já sei, a Júlia tá grávida, o filho é seu e você tá sem grana.
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No caso do Fer, o agravante é que ele era meu irmão e tinha apenas 17 anos. Meus pais, cansados da rebeldia do garoto, mandaram-no para morar comigo, mas ultimamente ele estava ficando na casa de uma namoradinha.
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Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, os dois me intimaram:
- Carlos, você assume e nós dividimos a herança.