Era uma vez um lugar conhecido pelo nome de A Casa é de Todos, onde vivia uma família de gentios que se orgulhava de fazerparte, ainda que de forma indireta, da linhagem do filho do homem que só sabia cuidar das atividades do campo, alegando ser aquelas as mais essenciais no dia a dia familiar de sua comunidade.
No manual de distribuição de tarefas desse clã, as mulheres sempre foram as pessoas que mandavam e desmandavam nas atividades caseiras e os homens, apesar de serem considerados os varões e, aparentemente, se sentissem incomodados, em geral, pouco opinavam nas atividades dessa área.
Eles apenas se encarregavam de caçar, pescar e cuidar da colheita diuturnamente. Entendiam que essas tarefas eram próprias dos seres herdeiros do varão Adão e, ainda que aquelas mulheres, supostamente formadas da costela de um homem, assim como foi a Eva, se imaginassem algum dia participando de algumas delas, certamente lhes seria negada tal oportunidade.
Certo dia, como uma forma de tentar se libertar da dependência dos trabalhos domésticos a que as mulheres lhes impunha, os varões resolveram, de forma voluntária e bem sutil, aprender e, consequentemente, a praticar as atividades domésticas com mais amiúde, e apenas com o acompanhamento à distância por parte das mulheres, eles aprenderiam a cozinhar, a costurar, a tricotar, a bordar e a arrumar a casa diariamente, fazendo com que elas ficassem quase ociosas, diariamente, por um tempo considerável.
Entendendo que aquilo era fogo de palha, ou melhor, que aquilo seria uma atitude intempestiva e passageira, as mulheres aplaudiram os homens de pé e sem qualquer constrangimento ficaram por perto como meras orientadoras, mas não demorou muito tempo para que os homens começassem a reclamar da falta de tempo para cuidarem também dos seus afazeres do campo.
Para não pedirem a rego, ou seja, para não se passarem por incompetentes no desempenho das atividades caseiras, os homens passaram a fazê-las pela metade, sob a alegação de que precisariam da outra metade do tempo disponível para as atividades do campo e não demorou muito para eles implantarem a operação “devagar e sempre”, que nada mais era do que uma operação-tartaruga disfarçada.
As mulheres perceberam o artifício adotado pelos homens e, não querendo propor um eventual revezamento diário de algumas atividades do campo, ainda que fosse para aquelas mais simples, se mobilizaram dentro de casa no sentido de recuperarem a hegemonia que sempre detiveram.
Voluntariamente, passaram a auxiliá-los como meras ajudantes nas atividades caseiras mais essenciais e em bem menos tempo do que elas esperavam retomaram o comando das atividades em geral, sem que os homens, em nenhum momento, questionassem a forma como acabaram perdendo o espaço supostamente conquistado antes, e da mesma maneira que eles entraram, também saíram: voluntária e sutilmente.
Sem fazer qualquer tipo de comentários acerca das dificuldades encontradas, no desempenho das funções das atividades caseiras enquanto estiveram no suposto comando delas, os varões retornaram definitivamente para suas atividades do campo e, sempre que lhes sobrava um pouco de tempo, passaram a ajudar as mulheres nas atividades caseiras mais simples e assim viveram felizes e despreocupados para sempre.