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Contos-->Pisca-alerta -- 18/06/2001 - 16:48 (Alberto D. P. do Carmo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
- Independência ou dilúvio! - eis o senão. Sonhei esta noite com a Terra dando uma piscada de alerta ao Criador - dela, do céu e de "tout les choses", como diria o beato Victor Hugo, depois de uma talagada de absinto. Dizia a rotunda criatura:
- Divino, assim não dá mais. Faça alguma coisa! - choramingou.
- O que propões, ó ingrata? - bramiu o senhor dos trovões.
- Um corte imediato, autoridade! - implorou a bolota terrestre.
- Queres que corte o quê, ignóbil poeira estelar? Pessoal, material de escritório, gastos com xerox, copinhos descartáveis de café? - inquiriu o supremo ser.
- Sugiro um corte cirúrgico com o bisturi celeste, uma divisão de águas. Uma parte para lá, outra para cá. Algo assim como quando se vai a Trancoso tomar água de coco, e o camelô praiano, munido de afiada peixeira, dá aquele corte preciso e divide o fruto em dois hemisférios. O de cima vai ao lixo, o de baixo mata a sede do freguês.
- Então queres que te divida em duas. Deixas tua forma de esfera e passas a ser uma calota, semelhante a um limão cortado ao meio. Ou melhor, duas calotas a perambular pelos céus. É isso, cítrico asteróide?
- Acertou na mosca, Big Boss! Apenas não decidi o lugar da machadada a ser dada. Quero afastar aquela velharia lá de cima. Deixam-me cada vez mais louca, e às vacas também. Nem as bolsas agüentam mais. Aceito sugestões.
- E aonde vais te estabelecer? Na calota superior ou na sulina? - ponderou o Capitão-Mor.
- Fico no andar térreo, Excelência. Afinal, como nas mulheres, é cintura abaixo onde habitam as delícias tropicais.
- Queres que te cape a calota polar? - argüiu o Grande Comandante.
- Devagar, Amizade! O buraco é mais embaixo, quero me livrar de certas partes que me incomodam.
- Que tal uma chanfrada à altura do Equador? Desta forma a divisão hemisférica será igual e justa, e bem sabes que sou fissurado em justiça.
- Se me permite, vou consultar o cartógrafo.
- Fica à vontade! - permitiu o nobre arquiteto.
- Negativo! - retorquiu a poluta primogênita. Se me podar pelo Equador, perco parte da Pororoca, fico sem meus Havanas, sem os cruzeiros ao Caribe e as ondas de Honolulu. Isso sem contar que perderia meus tacos mexicanos. Nem pensar! - rabujou a lunática dama.
- Então um golpe certeiro na testa do Trópico de Câncer, o que achas? Ganhas metade do México, um bom quinhão do petróleo, livras-te do Disney World e dos bárbaros do Oriente Médio, usufruis as curvas das Índias Ocidentais, e ficas a um passo dos produtos "made in Taiwan". Em compensação, não subirás mais ao topo da Eiffel, terás que substituir o champanhe por tua caninha, desistirás da boa vodca, dos bacalhaus do Porto e dos pasteizinhos Guiosa. Declinarás miríades de história e de conquistas, serás excomungada pela bula papal, e jamais voltarás a navegar pelo Yahoo. É pegar ou largar! - vociferou o Magnânimo.
- Quase perfeito, Milorde! Mas ainda assim fico com quase todo o Saara. É areia demais para o meu caminhãozinho. Aceita uma transação à base de troca? - balbuciou a cínica lactente.
- E o que queres em troca daquilo, ó bastarda granulada? - rugiu o Burgo-Mestre. Paris, Nova Iorque, Tóquio, Milão, Londres, Chinatown, o Harlen?
- Corta essa, Meritíssimo! Vossa Senhoria fica com o areal e em troca deixa um xerox autenticado da sua reverendíssima certidão de nascimento, atestando a terrinha daqui como local de origem. "Just in case", sabe como é. Afinal de contas, vox populi, vox dei!
- Abusas da minha santa paciência, herege latifúndio! Deixa-me lembrar-te de que sou onipotente, sapientíssimo, ecologicamente correto e, além do mais, criei-te a ti e a tudo! - decretou o Pai de Todos.
- Quem pariu Mateus que o embale! - concluiu a sofista.



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