Vrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.
Os meninos aguardavam a Kombi e aquele barulho estranho os incomodava.
Vrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.Vrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.Vrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.
Sofia perguntou: — Que barulheira é essa?
— Parece que vem da outra rua . Respondeu Guilherme, irmão da Sofia.
Neste momento chegavam Clíssia e Átila, outros dois irmãos.
— Ô, Guilherme, que barulho é esse?
— Foi o que acabei de perguntar, disse Sofia.
— Não sei não, Átila, mas parece que vem lá da outra rua.
— Vamos ver o que é? Sugeriu Clíssia.
Átila retrucou logo:
— É. A gente vai ver o que é e perde a Kombi, né? E depois? Quem leva a gente para a escola?
Enquanto discutiam, a Kombi apareceu .Vrrrrrrrrrrrruuuuuuuuuuuuummmmmmmmmmmmmmmmm.Vrrrrrrrrrrrrrrruuuuuuuuuuuuummmmmmmmmm.
— Bom dia, pessoal ! Está todo mundo aí? Perguntou seu Cláudio.
— Tá todo mundo.
Dentro da Kombi todos comentavam aquele barulho. Vrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrruuuuuuuuuuuuuummmmmmmmmm.VrrrrrrrrrrrrrruuuuuuuuuuuummmmmmmuuuVrrrrrrrrrrrrruuuuuuuummmmmmmm. A Kombi partiu.
Seu Cláudio explicou que estava sendo montado um canteiro de obras naquele lote vago da outra rua.
— Quê que eles vão plantar lá? Perguntou Sofia, curiosa como ela só.
— Deve ser um prédio, né!?
— Plantar um prédio num canteiro?
— Não, bobinha! Este não é um canteiro de horta, não. Quando fala canteiro de obras é preparar o terreno e montar os equipamentos para uma construção.
Guilherme, o maior da turma, foi logo dizendo:
— Ô boboca! Você não está vendo que vão construir um prédio no nosso Bosque?
Sofia abriu um berreiro! Guilherme e Átila pediram ao seu Cláudio para dar a volta e irem ver o que estava acontecendo.
Bosque era o nome que as crianças deram ao lote vago da outra rua. Era enorme, o único do bairro e transformou-se em área de lazer. Entre suas árvores copadas, as crianças criaram um mundo todo seu. Um pequeno campo de futebol, balanço feito de corda, papão para bolinha de gude.
Cada árvore tinha um nome. A mangueira mais alta era o avião. Três goiabeiras enfileiradas, o trenzinho. O Assa-peixe era o banco: suas folhas usadas como dinheiro para pagar as passagens do avião, do ônibus, do trenzinho e para outras brincadeiras como a lojinha e a lanchonete das meninas.
Pela manhã, o Bosque recebia uns visitantes muito especiais. Era um bando de pássaros de várias cores que enchiam todo o bairro com o seu canto.
O berreiro de Sofia contaminara Fernanda e Bruninho.
Quando a Kombi parou, Guilherme foi logo correndo.
Prrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.Prrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr.
Era um homem com uma motoserra cortando os galhos da mangueira.
— Ei, moço! Quê que você está fazendo aí?
— Ô menino, tá vendo que estou trabalhando! Vai logo para a sua escola para, quando você crescer, não virar peão igual eu. E virando para seu Cláudio: — Ô velho, leva logo esses meninos daqui.
Algumas pessoas que passavam por ali foram parando para ver o que estava acontecendo.
Guilherme não cabia em si de tão nervoso.
— Peraí, seu disgramado. Você não vai parar por bem, então vai ver. Vamos embora, gente!
Aí que as meninas gritaram mesmo:
— Nós não vamos sair daqui enquanto este monstro não parar de cortar nosso avião!
— Então os pequenos ficam aqui, vigiando. Os grandes vêm comigo.
— Mas, para onde nós vamos?
— Vamos acordar o bairro todo. Vamos acabar com essa maldade que estão querendo fazer com a gente.
Seu Cláudio não sabia o que fazer. Ao mesmo tempo em que se preocupava com sua obrigação de deixar as crianças na escola, via, na atitude delas, o que não vira nas crianças do seu tempo. Se bem que no tempo dele, o que não faltava era espaço para as crianças fazerem o que quisessem.
— Essas crianças de hoje!…
Daí a pouco, aquele lote vago foi invadido por um bando de crianças vindas de todos os lados. Era criança que não acabava mais. De todos os tamanhos e idades. Atrás das crianças, os pais, mães, avós, tios, irmãos mais velhos, vizinhos. Tanto o lote como a rua ficaram coalhados de gente.
Quando a polícia chegou, os meninos tinham parado a obra na marra. Como o homem que estava cortando a árvore não queria parar, começaram a jogar pedra nele até que ele decidiu descer para não sofrer um acidente.
— O que está acontecendo aqui?
— Ô, seu Sargento, nós fomos contratados para limpar este lote por que, na semana que vem, vão começar a construir um prédio aqui e, logo cedo, apareceu este senhor com estas crianças para atrapalhar o serviço.
— Quem é o senhor? O sargento perguntou.
— Eu tenho uma Kombi. Aquela ali, ó. Faço transporte escolar. E contou ao sargento como se envolvera naquilo.
— Está vendo o que a sua irresponsabilidade provocou?
— Olha, seu Sargento. Eu até poderia concordar com o senhor. Mas estou é orgulhoso das minhas crianças. Criança também tem direitos a serem respeitados e eu estou é morrendo de inveja da coragem delas. Além do mais, o senhor está me acusando de ser irresponsável, mas não vi o senhor pedir a documentação da obra para ver se está tudo certinho.
— Mas isso é competência da Prefeitura. A nossa função é evitar tumulto.
— Então, pelo menos em respeito às crianças, porque o senhor não experimenta pedir a licença para cortar as árvores? Duvido que o órgão responsável tenha consentido neste crime contra a ecologia.
— O senhor não acha que está muito atrevido, não? Além de provocar essa confusão toda, ainda quer me ensinar a trabalhar! Eu vou acabar levando o senhor para a delegacia. Lá o senhor vai poder ensinar ao delegado.
Quando o sargento falou isso, a criançada deu a maior vaia. Uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu-uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
Pior é que, desta vez, começou o aparecer mais gente para defendê-los. D. Sílvia, a moradora mais antiga do bairro, entrou na conversa:
— Olha aqui, seu Sargento. O senhor não percebeu que o trabalho destes homens é que formou a confusão toda? Vê se te manca! Aproveita a oportunidade de acabar com a bagunça. Se eles apresentam a licença, aí a gente vai embora e acabou-se o problema.
As crianças não gostaram muito da intervenção da D. Sílvia. Elas não estavam nem pensando em ir embora. Queriam era resguardar o único lugar que lhes sobrara para exercerem o direito de ser criança. De correr, pular, brincar e, mais que isso, dar vazão à sua fantasia.
Quando os fiscais chegaram, os repórteres já filmavam e fotografavam tudo. Explicaram que o corte das árvores só poderia ser feito com autorização do órgão competente. Se esta autorização não aparecesse, não haveria corte nenhum.
O dono, que a esta altura também chegara, ficou bravo:
— Como é que pode? O lote é meu. Eu comprei e paguei. Tudo que está nele é meu e eu faço o que eu quiser aqui dentro, ora!
— Não senhor! O senhor pode ser dono, mas, para cortar as árvores, tem que ter autorização. Até para construir, precisa! Ou o senhor não tem nem alvará?
— Claro, uai! Ou o senhor pensa que vou fazer uma construção clandestina?
— Então! Da mesma forma não pode fazer o corte clandestino.
A Giovana entrou na conversa:
— Ô, moço! Você é surdo ou bobo? Nós não estamos querendo saber de autorização para nada. Nós estamos aqui é para não deixar cortar nem construir nada. Só queremos nosso Bosque bem do jeito que ele está agora.
— É isso mesmo! É isso mesmo! Gritaram, agora acompanhados dos adultos também.
O fiscal, achando engraçado criança falar daquela maneira, sorriu e esclareceu:
— Bom, aí já não é comigo! Minha função é saber se tem autorização ou não. Se não tem, eu não deixo cortar, mas, se tiver, eu não posso fazer nada.
Depois de muita conversa, e muito a contra gosto, o dono da obra resolveu ir embora com seus empregados. Saíram levando a maior vaia de todos. Menos uns poucos que achavam que ele estava certo. O lote era dele. Ninguém tinha direito de intrometer no que ele quisesse fazer ali. Ainda bem que estes eram bem poucos!
A multidão começou a se dispersar. Mas as crianças não arredavam pé. Pensavam que era só saírem e os homens voltariam.
Seu Cláudio, sempre preocupado com a volta para casa antes que os pais ficassem aflitos, perguntou quem delas era vizinha do lote. Seriam as guardiãs do Bosque. Qualquer movimento estranho, chamariam todo mundo de novo. Enquanto isso, que ficasse marcada uma reunião às cinco horas daquela mesma tarde, na Associação Comunitária, para discutirem o que fazer.
Sayonara foi logo dizendo que poderiam ficar sossegados que ela e seus irmãos, morando ali em frente, iriam vigiar direitinho, o dia inteiro e a noite inteira. Estando tudo acertado, foram embora.
Seu Humberto, o Presidente da Associação Comunitária, preparou uma verdadeira festa, com refrigerantes e muitas guloseimas. Ele mesmo iniciou a reunião dizendo como estava orgulhoso com aquela iniciativa das crianças do bairro. Falou que aquele tipo de atitude ele vinha pedindo aos adultos há muito tempo e estavam ali as crianças a dar o exemplo. Falou ainda que era aquela a maneira de exercer a cidadania e muitas outras coisas que as crianças não entenderam, mas que eram muito certas.
Ao final, foi tirada uma comissão formada por Glauber, Guilherme, Giovana, Cláudia, Valmir, Sofia, Clíssia, Selimo, Soraia, Sayonara, Maquione, Fernanda, Átila e Bruninho. Estes seriam os representantes das crianças. Seu Humberto, D. Sílvia e eu seríamos os porta-vozes.
Gente! Se eu fosse contar tim-tim por tim-tim cada detalhe do caso até o desfecho, daria outra história, maior do que esta.
Por onde passávamos não faltavam repórteres. Em todas as rádios, televisões e jornais sempre saía uma matéria sobre aquele bando de pequenos grandes cidadãos.
A determinação e persistência daquelas crianças atraiu a atenção de todos, obrigando os políticos a saírem de suas tocas e tomarem uma atitude.
Depois de muita luta, muita discussão, muitas negociações, o prefeito e os vereadores chegaram a uma proposta: O dono do lote receberia um terreno. Bem maior que o dele. Poderia construir não um, mas dois ou três prédios. Para isto, teria que transformar aquele lote em um parque de verdade com o que fosse do agrado das crianças, sendo obrigado a preservar todas as árvores. D. Sílvia foi autorizada a montar uma lanchonete neste parque. Em troca, promoveria uma baita festa, com tudo de graça, todos os anos, no Dia da Criança.
Hoje, passados muitos anos, sentado aqui neste banco, vendo algumas das minhas crianças, já casadas, trazendo seus filhos para brincar, eu fico me perguntando porque as pessoas não se unem mais vezes para conseguir melhorar suas vidas?