06 - UMA TÁTICA INFALÍVEL
Há quem diga que, em alguns momentos, o medo trava as pernas do indivíduo briguento que se encontrar numa situação de desvantagem ou faz com que ele use, de imediato, uma recomendação que é feita pelo teor descritivo do velho ditado popular “pernas pra que te quero”, o qual indica a ação de alguém que foge correndo, ao se encontrar diante de um perigo.
Billy Lupércio Daniel tinha quase dez anos de idade quando ocorreu um episódio que hoje o faz lembrar-se, na íntegra, a recomendação que está implícita nesse adágio popular. Inicialmente, ele estava andando, normalmente, numa estrada rural de solo quase arenoso, mas minutos depois, ele se viu correndo em disparada, que mais parecia o atleta jamaicano Usain Bolt, no ápice de sua carreira esportiva.
Aquela sua atitude atlética, demonstrada de forma espontânea, porém necessária, na manhã daquela segunda-feira, não fora um exercício típico de uma suposta preparação para a efetiva participação de alguma atividade esportiva. Ela foi, nada mais nada menos, uma demonstração do medo que ele tivera de um garoto de sua comunidade e ali, ainda que Billy não tivesse a intenção de fazê-lo, deixou seu desafeto estatelado no chão, por centésimos de segundos.
Naquele dia, em especial, por mais que Billy tivesse se esforçado para fugir das ameaças, recheadas de bravatas, do seu rival, deveras insultador, não conseguiu se desvencilhar, como o fizera outras vezes.
Aquele garoto era useiro e vezeiro em provocar o menino Billy, chamando-o de medroso e o convidou para brigar por diversas vezes; na verdade, Billy o evitava sempre que podia fazê-lo e ainda que esse garoto brigão não tivesse conhecimento dos fatos, por sentir medo, Billy já havia se escondido dele, por várias vezes, noutras ocasiões.
Billy diz lembrar-se muito bem da maneira muito rápida como tudo aconteceu. Bastou ele deparar-se de forma inevitável com o garoto brigão, para que tivesse a iniciativa de assumir o comando daquela contenda mirim. Ele alega que foi uma atitude de puro desespero de sua parte, quando teve de se valer de um rompante defensivo impulsivo e partiu para cima do “inimigo” derrubando-o, em seguida, sobre o solo quase arenoso daquela pequena estrada.
Billy ainda se lembra que o garoto era um pouco mais velho e mais encorpado que ele, por isso, estrategicamente, decidiu derrubá-lo antes que a luta começasse por iniciativa daquele seu adversário.
Após a investida súbita de Billy, ambos caíram e rolaram sobre o solo, e antes que o garoto brigão se desse conta do ocorrido, Billy sujou suas mãos de areia e de barro e as esfregou no rosto do seu desafeto, tentando com isso dificultar suas ações naquela luta de solo. Sua intenção era limitar o grau de visão periférica do seu desafeto no instante em que ele pudesse levantar-se de sua posição de desvantagem e quisesse ir para a desforra. A tática de combate empregada pelo garoto Billy funcionou perfeitamente e, para que não houvesse alguma perda de tempo, ele saiu correndo em disparada.
Billy contou, de forma sarcástica, que teria corrido bem menos rápido se, naquele momento, não tivesse sido visto por um dos seus vizinhos que, às escondidas, presenciou aquele round único de uma luta infantil e, principalmente, se aquele seu vizinho não tivesse gritado em alto e bom som e de um modo bem incitador, as seguintes palavras:
- Pega ele! Vá atrás dele! Ele está fugindo! Deixa de ser mole, garoto!
Quanto mais aquele seu vizinho gritava, encorajando o garoto brigão, no intuito de ele tentar alcançar o menino Billy, mais rápido Billy corria e, consequentemente, conseguia se distanciar mais e mais do outro que, segundos depois, acabou desistindo de o alcançar.
Naquela época era muito comum a ocorrência desse tipo de contendas infantis entre crianças da mesma comunidade, mas nada tão grave que os evitasse de, na semana seguinte, ambos os contendores, (vencido e vencedor) fazer as pazes.
Quando isso ocasionalmente acontecia, um caçoaria do outro, cada um deles esboçaria seu vasto rol de bravatas reciprocas, sobretudo de casos ocorridos tempos atrás com outros contendores e, visando à não ocorrência de situações semelhantes em um futuro mais próximo, geralmente, um diria para o outro:
- Desculpa aí, meu camarada, foi muito chato o que aconteceu entre nós... E, ali, no calor da emoção, na maioria das vezes, um abraçaria o outro, por alguns milésimos de segundos, e a esperada paz seria selada.
Contam as poucas más línguas, supostas testemunhas do fato, que não foi exatamente dessa maneira que aconteceu quando ambos os “brigões” se encontraram, alguns dias depois e, timidamente, naquela ocasião, Billy tomou a iniciativa de fazer uma breve reconciliação.
Billy jura de pés juntos e mãos postas, que os pedidos de desculpas recíprocos foram quase iguais a outros casos vivenciados por ele e por aquele seu rival, em situações distintas, em que casualmente ambos estiveram envolvidos com outros garotos das comunidades vizinhas.
O tempo continuou passando no seu compasso natural e, independentemente de ter havido outras rusgas ou picuinhas entre eles e entre outros garotos de mesma idade das comunidades vizinhas, é sabido que não fora criado nenhum clima hostil entre eles em termos de se fomentar inimizades e/ou desunião.
Billy cresceu, tornou-se adulto, constituiu família, criou seus filhos e continuou afirmando que aquele incidente de descontrole emocional pueril havido entre aqueles dois contendores mirins (ele e o garoto brigão) ficou para trás e que não obstante já ter se passado mais de meio século, eles não guardam nenhum ressentimento ou rancor e que ambos ainda se consideram grandes e velhos amigos.
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