26 - VIVENDO EM APUROS
O dia a dia de um trabalhador braçal do campo não é tão abençoado como algumas pessoas imaginam. É claro, que a mãe natureza lhe dá o devido sustento do qual ele necessita para sobreviver, sem que ele tenha de pagar algum valor extra por isso, mas, em contrapartida, há momentos em que ele tende a correr alguns riscos, justamente por causa dessa aparente facilidade e benefícios naturais.
Billy Lupércio Daniel, por ser de origem camponesa e ter passado apuros vivendo em prol da agricultura, até hoje ele entende que o trabalhador do campo, mormente aquele que vive da cultura de subsistência e que não tem uma máquina agrícola para lhe auxiliar quando do preparo do terreno a ser plantado, vale-se muito do trabalho braçal, roçando o mato, capinando ou sulcando a terra no seu dia a dia.
Por vezes e principalmente nessas ocasiões, ao fazer uso do seu instrumento rudimentar de trabalho diário que é a enxada, nos instantes em que ele necessita preparar a terra para sua plantação, passa a correr sério risco de arrastar animais peçonhentos e venenosos para os seus pés, e isso é uma verdade que não se pode negar, tampouco ignorá-la.
Ele tinha pleno conhecimento de que a maioria desses animais fica camuflado em meio às folhagens e/ou gramíneas e, ao se sentirem ameaçados, fogem desnorteados ou se defendem com as “armas” que dispõem”, picando sem dó e sem piedade os seus eventuais “agressores”, em quaisquer situações.
Por volta dos seus quinze anos de idade, Billy foi apanhado por uma doença infecciosa, altamente contagiosa, mas geralmente benigna, chamada catapora, a qual é causada pelo vírus Varicela-Zoster, sendo que ela se manifesta com maior frequência em crianças e com incidência no fim do inverno e início da primavera.
Naquela oportunidade, ele já trabalhava como balconista no centro de sua cidade, numa loja de tecidos e confecções, e por causa do polimorfismo das lesões cutâneas que se apresentavam de formas bem visíveis, agravadas com as consequentes coceiras provocadas pela doença, ele foi obrigado a se refugiar, cumprindo o respectivo resguardo, exclusivamente na zona rural, onde morava com seus pais.
Por ser um adolescente um pouco arteiro e, principalmente, por não ter como matar parte do seu tempo ocioso lendo as notícias dos jornais da capital do estado, como o fazia todos os dias, lá na loja de tecidos onde trabalhava, ele estava se comportando de forma irrequieta dentro de sua casa.
Para que ele pudesse gastar um pouco de suas calorias, não obstante sua fraqueza físico corporal por causa da doença, seu pai determinou que ele fosse capinar um pouco, que seria arrancar gramíneas e pequenos arbustos em uma plantação de mandioca.
Ato contínuo, muito contra sua vontade, Billy foi fazer o serviço de capinação determinado pelo seu pai e não demorou muito para ser picado por uma cobra jararaca, tamanho médio, conhecida como jararaca casco de burro.
Muito chateado com o ocorrido, ele reagiu de pronto e acabou matando-a, em seguida. Antes de ir procurar socorro, ele fez questão de prendê-la numa pequena fissura de um toco de madeira velha, ali existente, local onde o corpo dela ficaria exposto e se decomporia com o passar do tempo.
Àquela altura do acontecido, após o sacrifício daquela cobra, seu sangue já escorria, lentamente, do seu tornozelo esquerdo. Sem perder muito tempo, ele pediu socorro ao seu pai que, além de ser benzedor, conhecia alguns remédios caseiros, capazes de amenizar a força do veneno da cobra e, dali para frente, foi fazendo tudo o que lhe era mandado fazer para não morrer por causa do veneno.
Por precaução e necessidade real, evidentemente, após receber a aplicação de uma injeção contendo o soro antiofídico, Billy retornou para a casa dos seus pais e lá ficou cumprindo o resto do resguardo da catapora, torcendo para que o antídoto contra o veneno da jararaca casco de burro fosse, realmente, eficaz.
Ele contou que seu tornozelo esquerdo ficou inchado por uns dias, mas nada que o impedisse de andar e/ou de praticar alguma estripulia.
Bronqueado, e sobretudo com medo de ser picado de novo por outra cobra, não foi mais capinar as gramíneas e arbustos da plantação de mandioca do seu pai, mas alegava que era por causa da catapora.
Em pouco menos de um mês, Billy ficou são da catapora, quase curado da picada da jararaca casco de burro e retornou para o seu trabalho no centro da cidade, lá na loja de tecidos e confecções e, em chegando lá, na medida do possível, procurou ficar a par das notícias que chegavam diariamente por meio de um jornal vindo da capital do estado, periódico esse que fazia parte de uma assinatura anual do seu patrão.
O tempo continuou passando no seu compasso natural, a evolução de alguns setores da vida humana na cidade até que melhorou um pouco, mas desde aquela época, a qualidade do trabalho braçal desenvolvida pela maioria dos camponeses em nível nacional permaneceu muito precária e esses trabalhadores continuam vivendo em apuros.
São poucos os trabalhadores raiz que possuem recursos financeiros palpáveis para aplicarem na aquisição de máquinas agrícolas que os venham auxiliar no preparo dos quinhões de terra que lhes competem cultivá-las no seu dia a dia.
Ainda hoje, muitos deles ainda são desprovidos desses recursos para implementarem a contento suas colheitas e fazem parte do grupo de trabalhadores braçais que, ao fazer uso apenas e tão-somente de sua enxada, vive puxando animais peçonhentos para os próprios pés, como o fez o garoto Billy Lupércio Daniel, tempos atrás.
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