Eu tinha uma amiga especial. Quando criança, nos tocávamos. Fingíamos
casamento, compartilhávamos amor, simulávamos sexo. Eu era o homem;
ela, a mulher. Éramos um casal convencional: heterossexual e monogâmico,
apesar de sermos mulheres. Eu a protegia, tinha ciúmes, sentia saudades.
Não queria que gostasse de mais ninguém, assim como eu só gostava dela.
E continuei gostando só dela por muito tempo. Não lembro como começamos,
mas o fim foi gradativo, impensado, natural e inevitável. Mal sentimos.
Ainda assim, eu sentia ciúmes. Queria têla só pra mim, não me aproximava
muito das outras pessoas. Até que acabou de vez pra mim também. Seja como
for, morreu. Ainda nos vemos, nos falamos. Mas não mais nos tocamos. Não
mais a protejo. Não sou mais o homem. Sou uma adolescente mal resolvida
sexualmente, com um segredo meio inconsciente com uma amiga meio ausente.
Hoje não gosto só dela, mas às vezes dá saudade, angústia, vontade de voltar
a tê-la só pra mim. Vontade de voltar a ter 7 anos de idade.