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Contos-->TRÊS MENINOS E A LINHA AMARELA -- 04/08/2001 - 10:53 (Carlos Higgie) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

TRÊS MENINOS E A LINHA AMARELA


O terreno era enorme e via-se ao fundo um pequeno aglomerado de árvores. A casa, diziam, tinha mais de trinta e sete peças, mas vista de fora, parecia bem menor.
O pai e a mãe decidiram que somente ocupariam um dos banheiros, a cozinha mais próxima, dois dos quartos e uma sala-de-estar. A mãe alimentava umas idéias estranhas com respeito àquela mansão. E somente depois de muito esforço o pai conseguiu convencê-la a fazer a mudança. Por influência dela, o pai pintou uma linha amarela de quase vinte centímetros de largura e disse que ninguém poderia passar por aquela delimitação e ir ao universo misterioso, atraente, que eram as peças desabitadas e proibidas.
Daniel, Roberto e Leonardo se limitaram a brincar no pátio, esconder-se no pequeno bosque, criando mil fantasias, e xeretear, tentando descobrir algum acontecimento extraordinário na rua calçada, que era outra fronteira para eles. Colavam as carinhas cheias de expectativas nas grades enferrujadas e ficavam horas inteiras esperando que passasse algum dinossauro, um herói ou um palhaço; Passavam alguns carros, um ônibus sucateado, o carteiro pedalando pesadamente uma bicicleta azul, muito pequena para seu tamanho e peso.
Chegaram os dias de chuva e os meninos tiveram de recolher suas energias ao interior da casa. Assistiram tevê, infernizaram a vida dos pais, quebraram um vidro jogando bola e se chatearam, enquanto um verdadeiro dilúvio caía sobre a cidade.
Daniel, de seus destemidos três anos, um pedaço enorme de torta de chocolate nas mãos, olhava fixamente para o outro lado da linha amarela. Comia um pedacinho de torta e olhava o movimento ao redor. A mãe costurava próximo à janela, suspirando às vezes; Roberto e Leonardo brigavam por uma figurinha com a imagem de um craque do futebol; o pai dormitava no sofá, com um livro aberto quase caindo de suas mãos. Travesso, Daniel colocou o pé direito do outro lado da fronteira amarela. Retirou- º Não aconteceu nada. As paredes não balançaram, o teto não desabou, a chuva continuou caindo. Tudo permanecia igual, a não ser o olhar de Roberto que parecia cuidar-lhe do outro lado da sala. Sorriu, mastigou um pouco e pulou para o outro lado. Roberto percebeu tudo e correu, gritando que voltasse. Chamou a mãe, porém ela olhava para um passado distante e magnífico e nem sequer dignou-se a olhá-lo. Chamou o pai, que deixou cair o livro e acomodou-se inteiro no sofá. Roncava.
Daniel começou uma louca corrida até a primeira porta, Roberto seguiu-o sem parar de gritar. Leonardo viu a cena de longe e correu atrás deles. Já Daniel, pendurando-se na maçaneta, abriu a porta. Um a um, em rápida corrida, desapareceram pela abertura. Não se ouviu nada mais, os gritos alvoroçados sumiram no murmúrio da chuva.
Quinze minutos depois um relâmpago certeiro ( era um raio?) e um trovão escandaloso, arrancaram a mãe do mundo fascinante de sua juventude e a devolveram à úmida realidade.
O pai roncou mais forte, assustou-se e acordou.
Somente se ouviam as gotas gordas da chuva golpeando aqui e ali, quase parando. Um silêncio desconhecido os envolveu.
___ Daniel !- chamou a mãe – Beto! Leonardo! Meninos! Onde estão?
Pai e mãe olharam-se, assustados.
___ Passaram para o outro lado da linha amarela! – falaram ao mesmo tempo.

Chamaram, gritaram, discutiram e se desesperaram. Nada. Ninguém respondia. Alguns minutos depois escutaram um barulho ensurdecedor, eram carros freando ou batendo, algo explodindo, uma manada descontrolada, um avião dilacerando o ar.
Outra vez o silêncio e passos cansados aproximando-se. Os três, de mãos dadas, porém bastante diferentes, saíram de uma das portas proibidas e atravessaram de volta, com passos esgotados e arrastados, a fronteira amarela. Daniel já não tinha tão poucos anos, havia crescido e aparentava quinze ou mais. Roberto ostentava uma barba rala e preta. Leonardo, com o cabelo comprido e a barba castanha, parecia adulto. Abraçaram-se aos pais e choraram. Falavam de anos. De muitas lutas e sofrimentos. De fatos maravilhosos e únicos. A mãe, assustada, levou-os até o banheiro e os deixou a vontade para tomarem banho e barbearem-se.
Comeram quase com desespero, falaram de acontecimentos extraordinários, coisas que as palavras não explicariam totalmente. Os pais, boquiabertos, os viram comer e falar . Quando a chuva recomeçou os filhos foram dormir e sonharam que eram crianças e habitavam uma casa enorme como o universo.
A mãe e o pai, trêmulos e de mãos dadas, olhavam fixamente para a linha amarela, quase tocando-a com os bicos dos sapatos.


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