O SONHADOR
Renato Ferraz
Mariano Subaúna ensinava filosofia. Foi marcar o casamento, mas a noiva acabou. O motivo fica por conta das especulações. Diz-se que ele era noivo há 11 anos e já havia desmarcado a data por 3 vezes. A noiva, decepcionada, já não suportava mais tanta indecisão.
Entristecido, após o fim do casamento, pediu demissão do emprego e se mudou para outra cidade. Era carismático e em segundos ganhava a simpatia de quem o conhecesse.
Todos o admiravam pela sua boa prosa. Tinha facilidade para falar publicamente e cativar o interesse de quem o ouvisse.
Após essa mudança em sua vida, devido a decepção amorosa, de boêmio virou alcoólatra.
Tomava seus porres e virou contador de causos. Para cada um contado, dizia ter sido proveniente de um sonho que teve.
Onde estivesse, havia um grupo de pessoas a ouvi-lo.
Suas histórias eram bastante interessantes mesmo e despertavam a curiosidade e atenção dos ouvintes.
Tomava sua bebida, se embriagava e apagava geral.
Acordava, perambulava, contava algo e se embriagava de novo. Assim ele viveu até os últimos três anos. Foi quando contou algo bem diferente das demais vezes, que passou a chamar a atenção de autoridades e de personagens influentes. O assunto era de interesse geral e começou a se propagar com muita rapidez. Tratava-se do nascimento de uma criança para os próximos meses, ali na cidade, que seria um marco na história daquele país. Espalhou-se por vários lugares a notícia da história do professor e todos ficaram curiosos. Saiu na imprensa uma reportagem sobre a vida do professor Mariano e desse seu último sonho...
Nas narrativas, ele fazia uma mistura dos seus devaneios com o conhecimento que adquirira durante os 15 anos que foi professor.
Subaúna contou que nesse mesmo sonho, haveria uma epidemia, mas a vacinação naquele país, seria boicotada e depois proibida. Seu país era muito atrasado, com uma parcela enorme de analfabeto, com muitos desempregados, inflação alta e baixa renda per capta.
O serviço de espionagem do governo, após diversos alertas e movimentos sociais sobre o tal sonho do professor, investigou e confirmou que realmente nasceria uma criança e se tornaria um líder revolucionário. E segundo as observações feitas, o país sofria ameaças comunistas, pois despertaria a população para a reação aos desmandos e descasos existentes nas últimas administrações.
Ela falaria sobre a pedra no sapato dos governantes; justiça social, desemprego, miséria, fome, exploração política, corrupção e rigor contra desmandos dos poderosos. Exigiria justiça e igual para todos, sem concessões para impunidade.
O governo realmente, um ano após essa previsão, baixou um decreto proibindo a vacinação. Houve uma insurgência da população que mesmo assim passou a fazer às escondidas pelas associações de bairros, sindicatos e igrejas. Vários outros movimentos populares também aderiram à campanha de vacina.
Embora o governo mantivesse a proibição e perseguição a esses grupos e comunidades, a vacinação era realizada à revelia. Era muito difícil, morreu muita gente, mas algumas vidas pelo menos foram salvas.
O serviço de inteligência coletava constantes informações sobre a criança que seria revolucionária. O poder dos governantes da forma como era conduzido o país no momento, sem transparência e com autoritarismo; estaria ameaçado e com seus dias contados.
Enfim a criança nasce e começa a perseguição à sua família. E o povo vivia cada dia mais agitado. Passou a existir uma inquietação popular, que dava para se prever que algo estaria para acontece; não se sabia exatamente o quê!
O professor foi preso por ser responsável à ameaça da ordem pública. Soltaram, após perceber a pressão e o efeito contrário, houve mais tumulto que antes, pela decisão de prendê-lo. Soltaram depois de 15 dias, disse que foi torturado física e psicologicamente. Ficou sendo monitorado para evitar que espalhasse conversas terroristas.
A jovem revolucionária, Hannah Kattiúscula e a família, depois de mudarem de endereço inúmeras vezes pela perseguição política que a família sofria, tornou-se uma adolescente hábil na oratória e ainda mais carismática que o professor Mariano.
Estudante de filosofia e depois de direito, formou-se e começou a trabalhar com movimentos sociais.
Denunciava sem temor qualquer injustiça ou ameaça à liberdade do povo. Reunia multidões em suas palestras. Costumava dizer que para ela não levava em consideração ser de esquerda ou de direita. Basta respeitar a vontade do povo, administrar com transparência, seriedade e sobretudo, respeitando a ordem institucional do seu país. Convém explicar que Hannanh não era comunista, nem terrorista.
O professor Mariano Subaúna ao ouvi-la discursar, se emocionava, chorava e lembrava quando contou aquele sonho e hoje o via se tornar uma realidade. Embora tivesse sido um sonho, parecia uma profecia. Ele sentia como se tivesse plantado uma semente e a visse germinar. Não perdia uma reunião daquelas em que multidões participavam. Assistia tomando sua garrafa de cachaça gota a gota, como se fosse um remédio. Ainda fazia um discurso à parte. Nunca deixou de contar seus sonhos. Chorava, sorria e se considerava feliz.
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