ROSENTHAL E OS COSTUMES
POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE
O professor Rosenthal depois de anos fora de Tobias Barreto retorna à cidade capital sergipana dos bordados. Tobias recebe seu ilustre mestre em uma fase de muita prosperidade. A cidade estava de vento em popa. As vendas do comércio bateram as expectativas por três anos seguidos. Tobias fervilhava de empregos e oportunidades. Na secretária de educação, o mestre recebe sua nova responsabilidade: Ensinar no anexo da prefeitura no prédio do antigo Colégio Monsenhor. Rosenthal pegou as turmas do ensino médio e daria aulas na instituição os cinco dias da semana no horário noturno. Rosenthal pegou a cadeira de história. Os alunos não conheciam o grande mestre, contudo, em pouco tempo se apegaram ao professor de crianças. Certo dia, um aluno pergunta a Rosenthal qual era a povoação mais antiga de Tobias. O professor responde que era o Jabiberi. O aluno então pergunta como era o Jabiberi no passado. Rosenthal olha um pouco pela janela da sala. Enche os olhos de lágrimas e diz: “Houve uma vez que o Jabiberi passou por uma crise muito estranha e podemos dizer sofrida. Foi uma época em que as pessoas eram forçadas pelo fluido social a fazer coisas que não fariam em outras circunstancias. Ficou proibido que as mulheres não podiam cortar o cabelo e que os homens não podiam usar boné. Eram regras pequenas, mas que atrapalhavam muito as pessoas. O pior de tudo era que era proibido, sob pena de ser expulso do povoado, vir a Tobias. Quem viesse a Tobias era desalojado de sua casa e expulso da povoação. Os líderes locais diziam que todos os costumes do lugar deveriam ser seguidos. Além da pressão social, o líder comunitário Sócrates comprou um telão para ser usado na doutrinação do povo. O telão funcionava das oito da manhã as dez da noite. O conteúdo do telão foi escolhido pelos principais mestres do povoado de acordo com uma pesquisa feita pela comunidade. Como eles diziam: ‘Aqui está o que nós queremos para nosso povo’. O Jabiberi se tornou em um lugar de muitas queixas por parte do povo”.
- O que esse rapaz fez professor? Perguntou um aluno negro do oitavo ano. Rosenthal parou sua história e disse: “Ele resolveu pensar por conta própria”.
- Como assim professor? As pessoas não pensam por conta própria? Continuou o aluno afro descendente. “Pensar é um ato único. A maioria das pessoas pensam que pesam por contra própria, no entanto seus pensamentos são cópias do fluido social. O fluido social é constituído pela soma dos pensamentos das pessoas e traz em seu amago o gene do pensamento daqueles que dominam a comunidade politicamente. Ou seja, as pessoas acreditam naquilo que são levadas a crer. Pensar por conta própria é um exercício filosófico até alcançarmos um conceito sobre determinado objeto”.
- Mas, espere, aqui em Tobias é igual então? “É, e não é”.
- Como assim professor? “Todas as comunidades linguísticas criam um fluido social que lhe influencia seja para o bem seja para o mal. As pessoas criam um psiquismo coletivo por meio de códigos que servem de gatilhos para seus comportamentos. No caso do Jabiberi a coisa piorou por causa do telão. A comunidade estava sendo, na verdade, hipnotizada. Era uma verdadeira lavagem cerebral”.
- O que fez o povo? Perguntou uma moça que atendia pelo nome de Sofia. “Esta é uma história longa. Se vocês deixarem eu conto toda”. Os alunos, unanimes, pediram a Rosenthal para contar tudo sobre o Jabiberi. Para tanto os alunos marcaram com Rosenthal se reunir no pátio do colégio para ouvirem a história toda. Uma menina que puxava da perna direita dizia: “Eu quero saber o que houve na minha terra”. Rosenthal tomou café e foi até o pátio onde estavam todos reunidos. Rosenthal, então, começa a história: “Foi numa manhã de quinta-feira que Sócrates instala o telão na praça principal do povoado. A princípio as pessoas pensavam que fosse aquilo um meio de passar os jogos da televisão. O pároco logo viu que podia usá-lo para transmitir a missa para um número maior de pessoas. De fato, as únicas coisas que o telão passava eram as missas e os anúncios sociais. Nesses anúncios era dito as pessoas os costumes que deveriam ser estritamente seguidos: “Não faça isso, não faça aquilo”. Os costumes eram muitos e o telão funcionava o dia o inteiro. Quando uma pessoa desobedecia a um dos comandos havia uma comissão que era chamada de ‘comissão do bem’ que chamava a atenção da pessoa. Isto logo se espalhava e a pessoa ficava mal vista.
O padre do povoado deu todo apoio ao telão pois segundo ele o evangelho seria pregado com mais facilidade. Sócrates acertou com o vigário para que a cada 7 comandos fosse exibido um verso bíblico. Os bares do povoado foram fechados. Até a casa de moças de dona Lindaura fechou as portas. O jogo era estritamente proibido e o ajuntamento de pessoas só era permitido se fosse para discutir temas bíblicos. A comunidade foi chamada a tomar sol todas as manhãs defronte o telão que exibia aulas de ginastica.
A comunidade reagiu um pouco, mas com o passar do tempo as pessoas foram se adaptando. O povoado foi se aquietando. A capital Tobias Barreto nada fez, uma vez que os líderes do povoado eram amigos do prefeito Olegário que recolhia uma boa quantidade de impostos da pequena localidade.
Foi a escola a que mais resistiu. Todavia como os professores eram católicos e os alunos se tornaram mais dóceis em pouco tempo, o magistério local endossou a iniciativa de Sócrates. A conversa era que o Jabiberi seria o povoado modelo de Tobias. O tempo passou; Olegário entrou no segundo mandato. O povoado votou em peso nele; e assim por mais quatro anos o telão continuaria na praça”.
- Mas, professor, essa mudança não foi boa para a comunidade? Não é bom que sigamos um modelo de moral e conduta? Perguntou um jovem adventista. É sabido que o ser humano já nos seus primeiros dias começa a aprender. Ao longo de sua infância lhe são inculcados os valores de sua comunidade e de sua família. Isto é inevitável. Todos nós somos produtos do meio. Alguns inatistas insistem em ideias inatas, mas, com o advento das ciências sobretudo a antropologia, a psicologia e a psicanálise sabemos que o cérebro se desenvolve com o tempo e neste período a criança aprende o germe de suas condutas, e com a educação a personalidade da pessoa se configura finalmente. É também sabido que o fluido social de cada comunidade dita as regras de conduta. Mas, no caso do Jabiberi ocorreu um problema – a comunidade foi alienada de seu eixo referencial e adotou uma conduta esquizoide.
- Professor o que é esquizoide? Perguntou uma aluna baixinha de olhos miúdos. “Existe uma conduta humana que apesar de ser neurótica é considerada normal. Seria aquela frequência de rádio que todo mundo sintoniza. Ouça o resto da história que você entenderá. Então, o Jabiberi estava em paz com sua nova vida e seus novos modos. Entretanto, o tempo mostrou-se implacável e os problemas começaram a surgir.
O professor Rosenthal explicou que as pessoas têm seus modos de vida e podem muito bem vive-los, e obedecer às leis da sociedade. Não é preciso criar uma forma artificial de vida social. As pessoas precisam conviver com a diferença para ser melhores seres humanos. A diferença se tornou o ponto central do movimento para derrubar a ordem nova do Jabiberi. Um rapaz apelidado de quatro olho pergunta ao mestre como conseguiram derrubar o novo sistema. Rosenthal, então, continua sua história: “No início as pessoas até elogiaram a ideia. Mas, depois de um ano as coisas começaram a acontecer. Uma senhora matou e comeu seu filho recém-nascido. Ela era muito fiel ao novo movimento, mas, se estressou tanto para ser uma cidadã fiel que adoeceu do juízo. Ela saiu completamente da realidade. Um rapaz cavou um buraco e se enterrou nele para depurar seus pecados. Foi uma promessa que ele fez caso a prefeitura pagasse os três meses de salário. Um Senhor cambaia das pernas cortou o seu membro para não mais pecar contra a castidade. Ao mesmo tempo tinha grandes demonstrações de bondade. Um fazendeiro adotou 7 famílias no Jabiberi e sustentava eles de tudo. Quando estas coisas começaram a acontecer eu organizei um grupo de estudos na minha casa com alunos do nono ano escolar para discutirmos a saúde mental do povoado. Estudamos todos os casos estranhos ocorridos nos dois primeiros anos, depois comparamos com os últimos dias e chegamos à conclusão de que o povoado estava tento um surto coletivo de esquizofrenia. Analisamos o discurso do telão e percebemos que a pregação deturpava em muito os ensinamentos de Cristo. A análise demonstrou que os textos eram tomados ao pé da letra e distorcidos para justificar suas teses. Então, é claro, iniciamos uma campanha de conscientização para ver se a coisa mudava. Minha aluna Suelen teve uma excelente ideia: Falar com o povo usando um sistema de alto-falantes. Escrevia-se um texto e durante o dia ele seria transmitido nos principais pontos do povoado. Rosenthal para um pouco. Caminha até a janela e fica um pouco distraído olhando para a vegetação castigada pela seca do povoado. Rosenthal lhes conta tudo sobre a rebelião: Primeiro eles arrancaram todos os alto-falantes que foram espalhados pelo povoado. Então iniciou-se uma briga de vereadores. Demétrio e Marx defendiam as novas ideias e Ginaldo o sistema.
Marx José da Silva foi preso distribuindo literatura contra o sistema. De um lado Demétrio pressionava contra o sistema e Max rasgava a literatura do sistema. Por três noites consecutivas Marx derrubou o sinal da televisão. Por isso, a prisão do rapaz foi decretada.
Rosenthal lhes conta que houve uma guerra civil no Jabiberi. Era o povo do telão contra o povo de Rosenthal. Houve baixas dos dois lados. Do lado de Rosenthal um rapaz foi atropelado por um cavalo no Povoado Tanque Novo. No lado de Sócrates uma mulher que tomava de conta da igreja de São José enfartou após uma calorosa discussão. Após um dia tenso os dois grupos marcham para a peleja. Um contra o outro com paus, barras de ferro, pedras e até armas de fogo. No meio da praça central do povoado há uma pedra enorme. As pessoas do culto afro usavam esta pedra para fazer oferenda aos Orixás. É uma pedra antiga que nunca fora removida. Quando os grupos começam o confronto a pedra rachou lentamente. Seus estalos chamou a atenção da turba e de dentro dela sai serpentendo uma linda mulher segurando o globo terrestre. A mulher diz então: “os costumes são relativos; muitos costumes, muitas terras, muitos povos, muitas línguas; o mundo é a diferença”. Todos ficaram atentos a mulher cuja voz era de uma beleza sem comparação. A mulher era azul da cor do mar. A guerra acabou de subito e o povo foi para suas casas conversando sobre a mulher pedra. Não se falava em outra coisa. O povo esqueceu os costumes e começaram a viver normalmente...
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