PROPÓSITO
Renato Ferraz
É madrugada!
Saí muito cedo, na pontinha dos pés para não acordar o sol, que a essa altura, como muitas pessoas, já devia estar na fase leve do sono, prestes a se levantar.
Era segunda-feira, tive a sensação de que seria um dia bastante movimentado.
Eu e o sol, como hoje, tem dias que sequer nos vemos.
Acontece quando eu saio muito cedo e só volto para casa à noite.
Eu hoje saí de casa a pé. Esse era um dos propósitos!
Sugeriram-me conhecer um local místico e bastante agradável, com boas energias, cujas informações despertaram minha curiosidade.
Tomei banho, vesti uma roupa leve, calcei o tênis e saí de casa. Dobrei a esquina e segui em frente.
Assim que me afastei da área urbana, encontrei um idoso sentado, embaixo de uma árvore, à beira da estrada.
Sua aparência era a de uma pessoa muito pobre e sofrida. A roupa estava estraçalhada e ele se encontrava descalço.
Quando passei, olhei e ele sorriu para mim. Tinha um sorriso ingênuo e vago, que denunciava sofrimento. Isso foi o que achei.
Pouco tempo depois, já havia percorrido cerca de uns 5km,
desconfiei que eu estava seguindo pelo caminho errado. Pensei em voltar e perguntar ao senhor, se se ele conhecia aquele caminho e se poderia me ajudar. Aliás, era para ter feito isto quando passei, pois ali eu já não tinha tanta certeza sobre aquela trilha. Porém, não havia sido feito! Silenciosamente, fiz minha autocrítica sobre o porquê de não ter pedido informação àquele pobre homem.
Havia ao lado da estrada uma vereda, eu me afastei um pouco da rota e resolvi dar uma parada para descansar. Parei e procurei abrigo embaixo de uma árvore. Reconheci os frutos no chão e vi que a árvore era um umbuzeiro. Sentei-me e comecei a sentir o cheiro do mato, também via alguns pássaros pularem de galho em galho, inquietos. Alguns demoravam um pouco e cantavam, outros logo partiam, acho que faziam uma pequena parada também e logo iam embora. Havia algumas borboletas que sobrevoavam minha presença, vinham em minha direção, pareciam que iam trombar como um bumerangue e de repente desviavam meio desequilibradas para seguirem seu rumo. Vi vários calangos e lagartixas que espichavam a cabeça com aquele pescoço duro levantado, me olhavam e saiam em disparada. Aqueles pequenos animais ou brincavam a seu modo, ou se espantavam com a minha presença, afinal eu era ali um intruso em seu habitat. Relaxei e consegui cochilar. Quando abri os olhos havia se passado uma hora. Espreguicei e voltei ao caminho principal. Logo à frente um homem caminhava lentamente e eu passei por ele. Ele sentiu minha presença, parou, se virou, olhou em meus olhos, sorriu e deu bom dia. Interessante que senti pureza e confiança naquele sorriso ingênuo e sofrido, mas, ao mesmo tempo, algo que não saberia explicar, me incomodou. Eu continuei andando, pensava em várias coisas e tive um estalo de memória, percebi que havia uma semelhança entre este senhor e o primeiro, o sorriso dos dois era igual. Dessa vez, porém, eu perguntei sobre o caminho, se ele conhecia e sobre as condições de tráfego, etc. Ele foi contido e respondeu apenas o que perguntei. Segui em frente, caminhando. Passados uns 50 minutos encontrei uma bifurcação. Não havia nenhuma placa ou sinalização. Segui minha intuição.
Eu peguei o caminho à direita, que fazia uma curva ao longo da sua trajetória. Decorrido um certo tempo tive mais uma surpresa, eu estava voltado ao ponto de origem da caminhada. Portanto, cheguei ao mesmo local onde estava sentado aquele senhor embaixo da árvore. Agora ele não se encontrava mais ali... Então me sentei no mesmo lugar onde ele estivera sentado e fiquei pensando sobre aquele momento...aquele senhor fazia o que, aqui, quando eu passei? Havia ido para casa ou para onde? E a pessoa que passei por ela e sorriu igual ao senhor, não se parecia com ele? Mas um havia ficado para trás, sentado e o outro eu o encontrei bem à frente e caminhando... Mas, o sorriso era igual! Eu havia feito uma parada de uma hora e ficado num desvio da estrada; e muita coisa aconteceu durante esse tempo.
Fiquei tentando entender o porquê daquilo. Eu estava cansado e fiquei com dúvida se recomeçaria tudo a partir dali ou se voltaria para casa e faria somente noutro momento cumpriria o meu propósito. Concluí, ainda ali, enquanto pensava, que por trás das coisas que fazemos, das atitudes que tomamos, há uma lição a ser aprendida e uma mensagem a ser transmitida, depende primeiro de enxergar, após acreditar e por último de querer entender.
A outra coisa que pensei quando cheguei em casa, foi sobre ilusão formada pela impressão que uma aparência pode causar. Quando passei a primeira vez por aquele pobre homem, eu já tinha dúvida sobre a estrada, mas não lhe pedi informação, nem lhe dei tanta importância, apenas ri porque ele riu primeiro, retribuí. Será que se ele tivesse bem-vestido, eu teria agido da mesma forma?
05/11/2023
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