GENI
Renato Ferraz
Genilma Souza Gomes de Araújo é uma bela mulher.
A cor da sua pele chama a atenção pela maravilha que é; uma mistura entre cor de canela e de chocolate, ela é conhecida como Geni e gosta que a chamem assim.
Geni nasceu numa cidade do sertão do Rio Grande do Norte.
Ela é uma moça de costumes simples, que enfrenta a vida com altivez, como tantas pessoas que moram naquele torrão distante de tudo e de condições de vida precárias, O clima daquela região é mais um componente que contribui para aumentar as dificuldades de quem habita o local. À medida que o tempo passa e a vida também, o ano escorre ladeira abaixo, como as águas de riachos que se formam ali quando chove; o clima é muito quente mesmo, o ano inteiro. As trovoadas vêm no início do ano e anunciam as primeiras chuvas.
É aquela chuvinha milagrosa e tão sonhada e cantada Apesar que às vezes ela fica pelo meio do caminho, ensaia, faz que vem e nem vem. Manda só um recado que virá em breve. Aí todos ficam marejando em lamentações e tristeza, mas entregam a esperança e o futuro a Deus e ao Santo Padroeiro local. São os desígnios do Criador!
Há muitas pedras naquele local, que afloram e fazem parte das características e imagem da região. A paisagem daquele lugar não foge às características da caatinga; é um conjunto que só a natureza conhece bem e torce em seu silêncio para que a gente a escute e cuide sem maltratá-la. Ela nos alimenta, nos faz crescer, viver e desfrutar das benesses que a vida nos concede com tanta generosidade. É, sim! A gente ainda ignora coisas bem simples e gestos tão fáceis que renderiam tanto bem. Falta-nos retribuir-lhe o carinho. Mas ela não se rende e continua lá, resistente e receptiva, a espera de que um dia a gente abra os olhos e o coração para ela, como ela merece.
O conjunto de árvores desfolhadas, secas e acinzentadas complementam a descrição da imagem, nessa época do ano, dezembro, quando o sol mais brilha e as pessoas mais sofrem com o calor.
Genilma é conhecida como Geni. Ela mora só e é uma mulher destemida e independente. Tem seus cães de guarda, suas peixeiras, de diversas polegadas e algumas armas simples costumeiras na região. Ela gosta de pescar e consegue se manter da pesca e da agricultura de subsistência. Mora só desde que ficou independente, aos 21 nos. Conviveu 3 anos com um morador daquele local. Ele possui uma fazenda próximo onde agora ela está morando. Ele é bem mais velho que ela, mesmo separados ele a respeita e tem uma admiração especial por ela por que a admira pela sua maneira de ser. Ela é leal e autêntica. José Gaudêncio manda sempre um dos seus capatazes uma vez por semana lá na sua morada saber se ela está bem e se informar se está precisando de algo.
Geni está alegre e satisfeita e agradecida a Deus por um motivo especial, depois de muito tempo sem contatos nem notícias de alguém da família, soube recentemente que tem uns parentes, embora não vivam ali na região; moram distantes, um em Maceió, outro no em Vitória da Conquista e um Tio em São Paulo.
Está satisfeita e muito ansiosa porque fez contato e soube que eles irão combinar fazer-lhe uma visita brevemente.
Geni, é uma mulher que tem uma aura de sofredora com batalhadora. Ela é belíssima, é uma rainha! Por trás da sua simplicidade aqueles seus olhos gateados queimam e fazem arder por dentro quando ela encara a pessoa, dizem que dá uma cócega na barriga quando ela encara o cabra. E que não é qualquer um que segura firme o olhar sem titubear ou desistir. Suas batatas grossas das pernas, os cabelos crespos, as pernas torneadas, o bumbum de sambista de escola de samba, que a faz andar toda empinada galopando na imaginação de quem a vê passar com um sorriso de Rainha.
Por isso, ela sempre é cortejada e onde passa deixa a poeira da paixão e da cobiça. Fica aqui o recado para que ninguém se atreva a cantá-la grosseiramente e falte-lhe com o respeito, que ela tora o cabra no meio ou pelo menos as suas partes mais atrevidas ficarão abaladas e fora de uso por algum tempo, ou a vida inteira!
Apesar do machismo que ainda se faz presente naquela região, felizmente ela é Geni, mas nunca foi apedrejada, afinal chega de violência contra a mulher. Mas algumas mulheres esposas já tentaram e foram aconselhadas a desistirem. Cada um vive como quer, seja homem ou mulher. Os tempos são outros, ainda persiste essa cultura, mas isso haverá de acabar!
Falava-se à boca miúda que ela com toda essa vida rude e essa aura, um misto do bem e do mal, quando simpatizava com um caboclo, espontaneamente com seu encanto o escolhe como seu amado e a partir dali seu coração não será mais só seu, abrirá a passarela e desfilará cheia de encanto, de danças, de carinho, de música e de tudo que se deseja de melhor entre um casal. A paixão de um romance que só o amor, a liberdade e a poesia explicam. Ela se transforma, segundo quem teve a felicidade de encantá-la, uma oncinha domesticada e de madrugada a ouviam à distância. Alguns mais tagarelas diziam que se transformava em onça e que seus amantes ficavam marcados pelas suas garras. E dentre as marcas havia um alvo escolhido, todos ficavam marcados no mesmo lugar. Foi ao atendimento ambulatorial da cidade que se descobriu tal façanha! Também quem dormia com ela, ficava rouco por no mínimo três dias. E mancando por uma semana. Não mais conseguiam esquecê-la, a procuravam sempre, eis um grande problema para a sua vida e a desses homens que irão penar até o fim dos seus dias, como num feitiço. Quem a conheceu e a procurou pela segunda vez, ela não repetia o encontro, nunca aceitou repetir. Os amantes já tinham até uma associação informal, uma confraria, onde o assunto principal era sobre Geni. Era embaixo de uma árvore de muita sombra, no sítio de um admirador seu.
Ela tinha sua fé em Deus e mantinha o compromisso com sua religião que a fazia ir à missa uma vez por mês. Confessava, comungava e se dizia renovada.
No início, quando separou e começou a morar só, ao frequentar a igreja, faz tempo já, o pessoal ficava olhando-a como se a analisassem seu comportamento com o olhar de censura, alguns iam embora quando ela entrava. Vários fiéis reclamavam ao padre e até sugeriram expulsá-la e pedir para ela não frequentar aquela igreja. O padre também era conservador, mas conseguia contemporizar, apesar de que intimamente concordava e gostaria que ela tomasse a decisão espontaneamente, pois estava perdendo algumas ajudas dadas à igreja para as suas obras sociais. Tinha algo que pesava na balança para ele ser quase neutro, Seu Apolinário, o fazendeiro que era ex de Geni quando soube do entrevero, mandou um mensageiro com um recado duro para o padre. E enviou-lhe uma carta com um passo a passo para resolver aquela questão sem briga nem tomar partido, afinal ele era o representante de Deus e o exemplo de paciência, conselho, resignação, humildade, ninguém melhor que ele para assumir. Seu Apolinário era o maior contribuidor em ofertas que dava à igreja. Não negava nada que o padre pedia. Ele só ia às missas em datas comemorativas.
Quando o padre se aposentou, veio seu substituto foi um mais jovem e liberal. Este a ouvia e a estimulava a ser quem ela realmente era, mantivesse a sua personalidade e o caráter, evitasse bate boca, fofoca, intrigas e outras coisas menores. Alguns fiéis deixaram de contribuir com a igreja, outros mudaram de igrejas, mas a maioria permaneceu e apareceram também novos frequentadores.
Agora a expectativa de Geni é saber quando os três parentes irão visitá-la.
Ela já começou a engordar um peru, umas galinhas, um carneiro e um porco.
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