O VELHO
POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE
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Procópio viveu seus dias quando novo sem ter o que reclamar. Procópio casou-se com dona Isabela nos anos sessenta e passou com ela os melhores dias de sua vida. Dessa união nasceram quatro filhos: A Ana, a mais velha; a Paula, a mais sangue quente; O Marcio, um jovem de ouro, e Luiz Carlos, o caçula, o menino da mamãe como era chamado pelos outros irmãos. Os anos sessenta foram muito bons para o funcionário da exatoria de Campos. Foi o ano em que ele comprou seu primeiro carro – Uma rural 66. Quando ele trouxe o carro para casa a filharada que havia nascido, pois o Luiz Carlos estava a caminho, caiu em cima do carro. Foi uma alegria para todos. Os anos setenta chegaram. A copa do mundo foi assistida na televisão SEMP que Procópio comprou a vista na loja Mesbla em Aracaju. Todos se reuniram no jardim da casa e ligaram a TV preto e branco porque não tinha colorida ainda e assistiram o Brasil arrasar na copa. Os meninos depois do jogo iam brincar de bola na rua enquanto os adultos conversavam.
A família de Procópio era realmente feliz. Ainda nos anos setenta eles gostavam de ir tomar banho em Itapicuru, na fonte de águas minerais. Passavam o dia por lá. A meninada fazia uma festa enquanto o casal ria com as estripulias dos filhos. Nos anos setenta a idas ao Tanque dos Missionários, no final de semana, eram frequentes. Pipoca e algodãozinho era a festa dos meninos que olhavam as onças, a macaca, e outros animais.
O casal dificilmente discutia, aqui e ali uma discussãozinha, via de regra, era um casal que vivia feliz, em harmonia. Quando Luiz Carlos nasceu fizeram uma festa de boas-vindas. Dona Isabela teve parto natural e segurava o filho mais novo com maior orgulho: “Este vai ser doutor” dizia ela com o pequeno. Procópio era um pai muito apegado aos filhos. Gostava de brincar com eles e os ensinou desde cedo a arte de jogar xadrez. Quando eles cresceram um pouco mais, Procópio organizava competições de xadrez em casa.
Os anos oitenta chegaram. Os meninos já estavam crescidos. Paula estava de namorado, o Adalto. Este era muito bem-quisto pelos meninos que diziam ser ele o melhor cunhado do mundo. Depois foi a vez de Ana, que embora mais velha namorou mais tarde. Seu namorado se chamava Gil, deste os meninos não apreciavam muito não, diziam que era muito velho. Com o tempo as duas se casaram e saíram de casa. Procópio chorou nos dois casamentos. Dizia ele que ia ficar longe de suas filhinhas. Com o tempo se conformou com o destino das duas.
A vida continuou para Procópio e sua mulher. O dia a dia no trabalho e em casa moldou um homem do lar, de família. Dona Isabela, sempre calada aprendia ao lado de seu marido o verdadeiro sentido da vida. Isabela um dia conversou com seu marido:
- Procópio, nós não temos de que se queixar. Você já percebeu isso?
- É mulher, desde o começo de nossa união até agora só foi benção. Graças a Deus!
- Nossos filhos estão encaminhados. Marcio e Luiz estão na faculdade, as meninas têm suas casas. Já, já os dois vão sair e vai ficar a gente sozinhos.
- É este o nosso destino ficar só nós dois depois só um. Mas a vida tem suas surpresas. Marcio voltava de moto da casa da namorada quando colidiu com um carro do supermercado G Barbosa. Marcio morreu no acidente e esta foi a maior dor que o casal sentiu na vida. A casa encheu de gente. Seu Procópio e dona Isabela não se conformavam. O carro de som anunciava o enterro para as nove horas. A fila de gente na avenida sete foi enorme. Todo mundo queria dar adeus a um jovem tão cheio de vida que tragicamente faleceu em Campos.
Depois da morte de Marcio Procópio e Isabela não foram mais os mesmos. A morte do filho arrancou um pedaço deles. As meninas vinham visitá-los no final de semana. Os netos chegaram, isso deu um novo alento aos avós. Mas, não era mais como antes. Luiz Carlos se casou e foi morar em Samambaia, vinha ver os pais no final de semana. Com o tempo a coisa começou a relaxar. Era de quinze e quinze que eles apareciam. As meninas alegavam o trabalho em casa, e o rapaz dizia que era por causa do trabalho na firma.
Procópio e Isabela seguiram suas vidas como podiam. No dia que viam os filhos era uma alegria em casa. Dona Isabela passou a reclamar de uma dor na boca do estomago. As meninas a levaram para o médico em Aracaju. Mas segundo o médico era só uma gastrite. O tempo passou, o casal nunca mais voltou a felicidade de antes. Dona Isabela faleceu dois anos depois da morte do filho.
Procópio chorou a falecida muitos dias. Agora o homem estava só. Os setenta chegaram. A solidão e a idade envelheceram ainda mais o homem. Os filhos fizeram rodízio para cuidar do pai que já apresentava algumas doenças de velho. A artrose na coluna e nos joelhos reduziram bastante a mobilidade de Procópio. No final de semana todos iam ver o pai. Era uma festa. O velho sorria, contava piada, era uma felicidade. Depois tudo voltava a rotina, um dia sim outro não um filho ia dormir com ele.
Depois da morte de Marcio e Isabela Procópio não foi mais o mesmo. O homem não sorria, era calado o tempo inteiro. As vezes parecia que ela estava em outro mundo. Ele ficava olhando para o tempo com o olhar fixo num ponto. Ali ele passava as horas, os dias, a semana. Os oitenta chegaram ligeiro. Ana foi morar em Salvador, o marido foi promovido a chefe, e precisaram assumir a empresa em Salvador. Esta só via o pai quando vinha a Tobias. O que era raro acontecer. Luiz e Paula dividiam a atenção com o velho. O rodízio continuou até Procópio precisar de cuidados especiais. O velho estava fazendo as necessidades na cama e precisa de alguém 24 horas. Eles contrataram uma enfermeira, dona Almerinda. Esta passou sete anos com ele. Depois os filhos decidiram levá-lo para o abrigo dos velhos.
Procópio foi morar com os velhos no abrigo. Fez algumas amizades e sorriu um pouco. Os filhos vinham vê-lo quando podiam. Ana e Luiz combinavam vir juntos ver o pai. A vida de Procópio era solitária. Ele sentia muita falta dos filhos e falava em Marcio e Isabela muitas vezes. Procópio morreu dormindo. Na cabeceira de sua cama encontraram um papel com a palavra saudade escrita nele...
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