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A CAVEIRA II – O RETORNO
José caçador vivia da bolsa família e de sua caça. Todos os dias ele tinha o compromisso de trazer para casa nem que fosse uma rolinha. Sua mulher lavava roupa para o pessoal do conjunto Walter Franco. Ela era, na verdade, a grande provedora da família. Dona Clementes tinha muita fé em Deus. Frequentava as missas na paroquia de Campos todos os domingos. E na segunda feira, às seis horas, rezava o terço de Nossa Senhora Imperatriz dos Campos. José caçador, numa manhã de sábado saiu para caçar como era o costume. Desta vez, ele foi para longe. Foi lá para as bandas da Sambaíba. Depois de muito procurar caça resolveu se conformar com um tatuzinho que ele havia matado próximo ao cemitério do Candial. José sentou-se na beira da rodagem e fez um cigarro para fumar. José pensava em como Deus é bom com ele. Nunca volta de mãos vazia para casa. Envolvido por pensamentos divinos, José escuta um psiu. Ele olha para trás e de lado e a ninguém vê. Depois ele escuta um segundo psiu. Ele se levanta e sai olhando o mato e a ninguém vê. Intrigado com o psiu ele decide ir embora. Ele joga a bituca do cigarro fora e toma o caminho de volta a Campos. Uns dez metros à frente ele escuta um terceiro psiu. José para, olha para trás, e novamente, não vê a ninguém. “Oh, pela que cabrunco é esse?” Falou sozinho o homem caçador. Em casa ele conta o ocorrido a sua mulher:
- Mulher eu estava fumando um cigarrinho na rodagem do cemitério de Candial quando ouvi um psiu. Eu ouvi três vezes. Mas não apareceu ninguém. Terá sido as almas do cemitério que fica logo ali perto?
- Que nada homem. Os mortos não dão psiu não. Aí foi você traspassado de fome.
- Foi não mulher. Eu escutei mesmo. Era um psiu bem claro. “Psiu!” Deve ter sido alguém dentro do mato querendo me pegar uma peça.
- Então foi. Mas alma do outro mundo não foi não!
- Amanhã eu vou passar lá de novo.
- Homem deixa disso. E se for gente mesmo?
- Não tem nada. Eu dou alô e vou embora. José caçador estava decidido a ir ver a história do psiu. Mas desta vez ele leva seu amigo Marcelinho. O dia de caça foi bom. O homem pegou um teiú e dois tatus. Quando eles chegaram na altura do cemitério do Candial. José para de novo para fumar um cigarrinho. “Vou fumar um cigarro e ver se o psiu aparece de novo. Os dois homens conversavam sobre o dia de caça quando do nada eles ouvem um psiu. “Você ouviu Marcelinho”. Seu amigo confirma que sim. E diz que vem da mata defronte a eles. José caçador decide ir ver de perto. “Vamos Marcelinho! Vamos olhar o mato!” Os dois homens foram olhar o mato em busca da fonte do psiu. Dentro de uma moita de espinhos José caçador encontra uma caveira. Era o crânio de uma pessoa jogado no mato. José caçador pega a caveira e mostra para Marcelinho que curioso a pega na mão:
- José, mataram alguém e cortaram a cabeça e jogaram aqui no mato.
- Eh, e o psiu foi a alma avisando para a gente achar e enterrar. José caçador não enterrou a caveira. Ele disse que ia levar para o delegado em Campos. “O delegado envia para ser examinado pelo IML. José o caçador colocou a caveira em um saco e a levou primeiro para casa. A pôs no quartinho dos fundos. Era três da tarde. Ele deixou para levar ao delegado no outro dia de manhã. Por volta das cinco horas, Jose caçador estava na cozinha de sua casa quando escuta um assobio. “Oxente! Estou ouvindo psiu até dentro de casa. E vem do quartinho”. Mais uma vez um psiu bem prolongado foi ouvido. José caçador vai ao quartinho ver que história era essa. Lá dentro ele encontra a caveira do lado de fora do saco e em cima de uma mesinha. “Eu não a deixei assim. Como ela foi parar aí?” Curioso José caçador sai do quarto, mas, quando ele chega na metade do caminho para a cozinha ele escuta mais um assobio. José caçador volta para o quartinho e desta feita os olhos da caveira estavam acesos. Eram duas tochas iluminando todo o quartinho que tinha uma penumbra. José caçador reza o pai nosso e a caveira volta ao normal.
José caçador pede a sua senhora para lhe ensinar a rezar. Ele decidiu ficar com a sinistra caveira. Ele a lavou e a pôs sobre uma mesinha no quarto da bagunça. Ele gostava de ver os olhos da caveira acesos. Marcelinho disse que a caveira tinha parte com o diabo, mas, José caçador não se importou com o amigo nem ouviu seu conselho de jogá-la fora. Todos os dias José caçador rezava perto da caveira e ela ficava com os olhos acesos até ele terminar. Sua esposa passou a rezar também com a caveira. Isso durou dias e meses até um dia um milagre acontecer. Uma mudinha, amiga de dona Clementes, foi visitar a amiga. Ela entrou na casa sem Clementes ver. Ela bateu na porta, mas, Clementes lavava roupa e nem ouviu as batidas da amiga. Ela entrou e foi de casa adentro até chegar ao quartinho que ficava próximo do tanque de roupas. Ela viu a caveira e a segurou na mão. Desse momento em diante ela começou a falar. Dona Clementes se assustou, mas muito se alegrou com a amiga que com a caveira na mão falava tudo. “Mulher, não conte para ninguém que tem esse trem aqui”. “A caveira é assunto nosso”. Disse Clementes alertando a amiga e pedindo por favor que ela nada contasse.
A muda não se calou, pelo contrário disse a todos que conhecia que fora curada pela caveira de José caçador. O povo passou a visitar dona Clementes para ver se ela falava da caveira. Clementes se mantinha calada, mas, a língua do povo vai longe. Foi numa quinta-feira, por volta das quatro da tarde, que chega um carro de Nova Sores Bahia. Bateram na porta perguntando se era a casa de José caçador. O carro trazia uma senhora comida de feridas. Era ferida pelo corpo todo. Seu nome era Ana Maria. A mulher pediu por amor de Deus que Clementes deixasse ela ver a caveira. Clementes tentou negar, mas, foi em vão. A mulher sabia de tudo. Clementes deixa a mulher entrar. A caveira acende os olhos e a mulher tem suas feridas todas cicatrizadas. Foi um milagre. José caçador rezou na mulher e ela foi embora prometendo não contar a ninguém. A fama da caveira curadora se espalhou por Campos e região. José caçador virou rezador e sua mulher também. O casal trabalhava junto e os milagres foram acontecendo.
José passou a cobrar uma taxa das pessoas. Quinze reais pela reza. Marcelinho tentou alertar ao amigo que por reza ninguém cobra, mas, foi em vão. Com o tempo José caçador estava bem de vida. Comprou casa nova com área para atendimentos. A caveira ganhou um altar junto com Nossa Senhora e Jesus Cristo. A nova casa tinha todo espaço do mundo. Entrava na casa cinco pessoas de vez. Recebiam a reza e depois a graça da caveira que ajudava a todos. A fila era grande. Muitos cantavam Ave Maria enquanto esperavam. José atendia das oito da manhã a sete da noite parando apenas para o almoço e um café às três da tarde.
Além dos quinze reais entrava na receita de José o agrado do povo. O povo dava coisas. Trazia presentes para o casal. José ganhou um carro novo. Um gol dois mil e oito. Não adiantava Marcelinho falar contra o dinheiro, o casal estava preso pelo vil metal:
- José, você sabe que por reza ninguém cobra. Você vai pagar muito caro por isso.
- Rapaz, não é cobrar não. É só uma pequena taxa. Você sabe que parei de caçar. Preciso pôr o pão dentro de casa. Disse José caçador se defendendo. Para Marcelinho cobrar pela reza era um pecado. Ele temia por seu amigo.
José caçador teve posses e um lugar na sociedade. Agora ele era abordado na rua pelas pessoas que o saudavam e cumprimentavam: “Como vai seu José?” “Opa, meu amigo, vai bem?” A caveira havia dado tudo a José caçador. Respeito dinheiro, dignidade. Mas um dia de verão em Campos. José recebe uma estranha visita. Era Olegário. O homem veio dizer que ele parasse com a reza senão José ia se encontrar com o todo poderoso: “Senão parar eu meto uma bala em você”. José ficou preocupado por uns dias, mas, o povo não o deixava parar. Todo dia tinha gente para rezar. José contrata dois seguranças para lhe acompanhar por todo canto. Os homens ainda montavam guarda na casa dele dia e noite. Com isso ele ficou mais confiante.
O prefeito Juca de Oliveira resolve homenagear a José. José recebeu a maior homenagem que uma pessoa pode receber. José recebeu o título de cidadão campense. Foi uma festa muito bonita com toda a sociedade de Campos presente. As coisas iam indo de vento em popa. Olegário cumpriu a palavra, mas, não teve sucesso para matar José. O atentado foi defronte o restaurante Pau de Colher. Olegário acertou o segurança de José que veio a óbito, mas, Pedro, o segundo acertou dois tiros em Olegário que também veio a óbito. Isto abalou a cidade de Campos e aumentou ainda mais o prestígio do rezador.
No mês de maio José quis homenagear a caveira. Ele fez uma procissão pela cidade. A caveira ia em um andor levada por sete pessoas. Havia uma multidão de gente acompanhando e cantando “Ave Maria”. Na altura da antiga prefeitura a caveira acende os olhos. O povo ver e fica histérico. José pedia para as pessoas se acalmarem. José toma a caveira do andor e sobe em um carro e mostra a caveira com os olhos acesos para a multidão. José sente um engasgo e começa a inchar. Ele inchou tanto que sua barriga explodiu. Vermes saiam de dentro do cadáver. A caveira é pisada pelas pessoas. Um rapaz cujo nome era Lucas consegue pegar a caveira. Ele a envolve em sua camisa e sai da avenida de fininho. Lucas vai até a barragem, no outro dia, e a joga no rio...
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