Seu nome era Fuinha, um nome bem safado não acha? Malandro da gema sabia que era não podia passar em frente os Quatro Cantos naquela noite. Nada de demais: haviam dois bares em que sua presença não seria prudente, afinal ele estava devedor de ambos. A inadimplência não incomodava tanto, mas ainda assim tomou outro caminho. Resolveu subir em direção ao Alto da Sé. Era uma bela noite estrelada e a idéia de tomar uma cerveja olhando a lua cheia respingar sua “branquitude no mar sonolento” lhe agradava bastante.
Fuinha não era poeta, aliás, achava poesia coisa de quem não tinha nada para fazer. Ainda assim apreciava paisagens como aquelas, ainda que parecesse coisa de poeta. Nada mau: de lá podia-se avistar o mar, os telhados dos casarões e as torres das quatrocentenárias igrejas de Olinda.
Não menos importante, lá no Alto da Sé apareciam ocasionalmente turistas estrangeiros e, naquele horário, só podiam estar interessados em drogas e prostituição. Não muito raramente, ele descolava algum trocado com os gringos servindo de intermediário desse importante seguimento econômico das cidades litorâneas brasileiras. Se bem que os locais mais apropriados para esse tipo de negócio eram sem dúvida o Recife Antigo e a Praia de Boa Viagem.
No entanto, pouco antes de chegar ao topo, Fuinha avistou uma silhueta de mulher descendo a ladeira. “Vejamos: sozinha, bem arrumada, trazia bolsa com ela, hum... dessas pequenas de couro preto”. A moça trazia consigo um rebolado também: “pretenso elegante, contido, vigiado...” enfim era um rebolado típico da classe média recifense - embora essa história tenha se passado em Olinda. Enfim, já alguns passos dele, a tal silheta de mulher desabroxou no layout de Laurinha, antiga gostosinha da Praça do Jacaré.
Era uma antiga conhecida dele, uma das poucas lembranças de sua infância e adolescência que não lhe causavam mal estar, uma vez que nosso personagem tivera uma vida sofrida desde os prelúdios. Filho de estivador com dançarina de boate, Fuinha sempre tivera que se lançar cedo aos trambiques da urbanidade para sobreviver.
Fora vendedor de bugigangas em semáforos aos cinco anos, traficante aos 10, somente descobrindo o ramo do turismo por data desta narrativa. Enfim, há pouco se tornara um dos melhores guias de Olinda, “bom conhecedor da história do Brasil a seu dispor, madame”, gabava-se ele. Mas ele manjava...
Sua técnica constituía-se na citação de fatos peculiares de cada casarão, cada igreja, cada viela da Cidade Alta. Dava uma graninha, pero no mucho. A princípio sua aparência pouco atrativa repelia os turistas, mas eles depois se encantavam por sua orotória grandiloqüente.
Fuinha era manco da perna esquerda e, filho de galego com mulata, tinha a pele morena, com traços bem africanos. No entanto, o cabelo era claro e os olhos azulados. Às vistas de um xenófobo, ele seria tão feio quanto nascem a maioria dos híbridos raciais da América Latina.
Fuinha não possuía nem a elegância européia, tão pouco a beleza rústica africana... Mas era inteligente! Dessa inteligência malandra, matreira... enfim, a inteligência nordestina que Euclides tão bem descreveu em seu Sertões.
Já Laurinha não era tão cerebral quanto Copo Americano, mas era o suficiente e, se um dia a cabeça falhasse, ela saberia compensar isso com o seu layout. Ela era gostosa e, desde que se dera conta disso, trilhou uma surpreendente escalada social no Recife.
Laurinha casou-se muito cedo, aos 17. Por essa época ela era garota prodígio do pedaço. Suas formas bem feitas e sua vocação nata para o brilho logo a tiraram do nosso convívio, para que ela pudesse seguir sem obstáculos o seu destino de glória: o casamento. Saca aquele tipo libanesa devassa? Era Laurinha. Pele morena de sol, corpo perfeito, cabelo liso... liso e preto, muito preto! Mas ela só queria se dar bem, e então engravidou de um playboy muito do porra louca chamado Zinnardim - filho de um próspero empresário ligado à colônia árabe de São Paulo.
Enfim, para surpresa de muitos, não foi preciso que a garota fizesse o tal teste de DNA, pois Zinnardim mostrou-se desde o ínicio empolgado com idéia de poder traçar aquela potranca para o resto de seus dias. Então ele propôs casamento. O matrimonio durou um ano e meio mais ou menos. Laurinha perdeu o filho, começou a trair Zinnardim com seus amigos também playboys e resolveu pedir o divórcio.
Zinnardim, além do divórcio, deu também uma pensão de vinte salários mínimos para sua potranca; tinha ele esperança de recaptura-la e colocá-la de volta no pasto de seu aras em Riberão Preto. Pelo menos era esse o papo que ele espalhava pelos butecos da vida. Mas era compreensível, pois a mina estava de saltar os olhos.
Desde que entrara para a ala dos bacanas, Laurinha começou a se cuidar. Fez lipoaspiração, colocou silicone... tinha um papo de bronzeamento artificial (um capricho tolo da aristocracia recifense, pois lá o que não falta é sol!).
Sob o sol de Porto de Galinhas aquela mulher escrevia sua história. “Daqui há alguns haverá até leilões das peças de biquíni que Laura Saba usara aqui! E aquele de nós que bater o martelo poderá ter uma lembrança viva dessa nossa orgia! Um brinde a Laurinha, camaradas!”, bradava Joaquim Lopez em seu iate milionário. Joaquim era um turista português amante da esbórnia. Quando aportava em terras brasileiras, o gajo não economizava dólares para ter ao seu lado a que considerava como o maior tesouro das Américas.
Laurinha adorava se sentir assim: “uma deusa”. Embora recebesse muitos presentes, em dinheiro ou não, ela gastava mais do que podia. Não sabia controlar dinheiro e começava a se afundar em dívidas. Sua única amiga, Gustava, a cabelereira transexual mais conceituada do nordeste, a aconselhava a guardar dinheiro, controlar os gastos e, não menos importante, a não consumir tanta cocaína. Durante algum tempo tais conselhos entravam por um ouvido e saiam por outro. Somente naqueles dias que Laurinha começara a se dar conta de que estava passando dos limites... Enfim, ela estava começando a se preocupar, mas só começando...
Na Praça do Jacaré havia os que torciam para a ruína financeira de Laurinha imaginando que, se isso acontecesse realmente, ela seria obrigada a voltar para o bairro. Por época de seu casamento, houve fenômeno parecido entre nós. Todos, sem excessão, torceram pelo divórcio. Houve até quem fora a terreiro de macumba... Mas para decepção de nossa turma do bairro, a garota voltou à Olinda irreversivelmente diferente Não deu para mais ninguém, só queria saber de playboy. Mudou-se para um casarão chique de uma área mais reservada da Cidade Alta. Os antigos amigos que por ali passavam de vez em quando estranhavam o fato de sempre haver uns dois ou três carros de luxo estacionados em frente seu portão. Falava-se em orgias. No entanto, falavam sem propriedade, pois Laurinha tão somente estava recebendo seus amigos para jantares, o que, pensava ela, era de suma importância dada sua intenção de ter acesso a alta sociedade recifense.
“Mas o quê estava fazendo ela descendo a ladeira do Alto da Sé?”, pensou Copo Americano ao se deparar com a antiga conhecida. “Difícil era ver essa moça andando a pé! Logo ela, tão chegada num carrão...”, ruminava o malandro.
- E então Laurinha, - começou Fuinha - não é uma ironia encontrar você aqui, descendo a ladeira enquanto eu estou subindo?
- Sai fora seu malandro! Eu ainda não me esqueci do vexame que você me fez passar na inauguração de meu atelier.
- Atelier para quê, madame? Você não sabe pintar, pô! Talvez a única função que você possa exercer num atelier é a de modelo vivo. E que modelo... uau! Pensando bem, tu te encaixaria beleza numa tela de nu artístico que pretendo pintar a óleo...
- Como é descarado! Como ousa me dirigir a palavra desse jeito depois daquilo.
- Ora não foi uma coisa tão feia...
- Como não? Você se fez passar por um pintor espanhol ligado ao Green Peace!
- E é uma boa causa a do Green Peace, não?
- Pode até ser, mas você começou a pedir dinheiro para os outros convidados. Falou de um tal projeto de preservação dos ornitorrincos da Patagônia. Ah! que vergonha!!!
- Não sei por que de tanto stress, gatinha, relaxa aí pô!
- Como você é burro! Os ornitorrincos moram na Austrália...
- Hum... num sô obrigado a manjar de biologia, meu negócio é história. Casarão, igreja e fast food é comigo mesmo, madame!
- Seu descarado, você é uma piada... você é pior que o diabo!
- Peraí madame, Jesus é o meu pai, valeu?! E eu te garanto que o Nosso Senhor também tem senso de humor.
- Senso de humor negro, é o que digo!
- Se Deus não tivesse senso de humor ele não teria criado o ornitorrinco!
- E é claro, não teria criado Fuinha, malandro meia-boca de Olinda ocupado com causas ecológicas como o Projeto de Preservação dos Ornitorrincos da Patagônia!
- É claro, isso foi um lapso meu. Mas ninguém descobriria se você não tivesse contado.
- E você acha que eu sou cúmplice desse tipo de mixaria, seu ladrão de galinha? Comigo o buraco é mais embaixo.
- É claro seu eu tivesse um layout igual ao seu, realmente poderia dar golpes mais requintatos. Como o do baú...
- Como você ousa me insultar, seu rato de Butatã!
- Pode me xingar o quanto quiser, mas agora a situação é bem outra.
- Como outra, eu conheço você há mais de quinze anos, seu cretino! Você vai ser sempre esse trambiqueiro pindaíba de sempre!
- Engano seu, patroa! Eu acabei de entrar numa bolada aí...
- Como uma bolada?
- Não posso te dizer a fonte. Sabe cumé? Segredo industrial...
- Isso tá me cheirando a coisa muito podre! O que você anda aprontando Fuinha?
- Nada que faça você corar, madame...
- Hum...
- Vamos parar com essa porra de conversa, vamos ao que interessa. Agora que eu tenho grana. Muita grana, verdinha e cheirosinha. De modo que eu tenho uma proposta que pode até te agradar se você não for orgulhosa. Afinal, apesar de tudo te considero uma ótima pessoa e, é claro, Você não vai me negar uma coisa que eu tenho desejado há muito tempo.
- Que papo esse, ô malandro? Tá me estranhando...
- Qualé boneca? Não vai negar esse favor a um velho amigo, não é?
- Eu nem sei qual é esse favor, cara!
- É o seguinte: sabia desde o tempo em que estávamos no ginásio que eu tenho um sonho?
- Ehhhh...
- Não faz esse cara Laurinha, você sabe o que eu quero.
- Não sei não...
- Me deixe dar uma mordidinha no bico do seu seio?
- O quê?????!!!!!!! Como ousa! Suma da minha frente se não eu vou gritar, seu tarado!
- Qualé Laurinha, o quê custa? Uma mordidinha só...
- Tome isso seu babaca - Laurinha dá um tapa na cara de Copo Americano - que é para você aprender a respeitar uma dama da sociedade recifense!
- Tá bom Laurinha, eu vou falar a sua língua: eu dou dois mil reais para você se me deixar dar a mordinha! – Fuinha falava massageando a maça do rosto atingida pelo tapa.
- Como ousa? Tá me chamando de prostituta? - Laurinha ergueu de novo a mão para acertá-lo, mas ele interceptou no caminho.
- Pare com isso Laurinha, eu não quero violência... a gente pode conversar como duas pessoas civilizadas. Eu aumento a proposta: 5 mil reais!!!
- Você é completamente louco, eu não deixaria você fazer isso nem por todo dinheiro do mundo!!!
- Ah é! Então são 20 mil reais por um mordidinha no bico do seu seio. É pegar ou largar!
Diante de tal oferta de Fuinha, Laurinha corou. Ela mesma não tinha toda essa grana em caixa, por mais agrados que recebesse de seus amigos aos quais ela era obrigada a se empenhar por inteiro, e não com o bico do seio somente.
Então ela cambaleou pensante de um lado para outro, olhou para Fuinha e...
- Tudo bem, eu aceito! Mas deixa eu ver o dinheiro!
- Só depois, é a minha condição. - disse ele com firmeza.
- O lugar... é preciso de um lugar adequado.
- Por que você não me leva para conhecer a sua casa?
- Nem pensar, pode aparecer algum amigo meu por lá e...
- Entendo...
- Não quero que ninguém nos veja... Aliás, se alguém ficar sabendo disso eu mando te matar, seu safado!
- Vem cá, aqui tem um casarão deserto...
- Mas aqui é perigoso, além do mais eu não quero ser vista e pode passar alguém aí na rua...
- PÔ, Laurinha... vai ser super-rápido! Eu só vou dar uma mordidinha básica...
- Então está bem... - antes que Laurinha terminasse a frase, Fuinha a puxou pelo braço para dentro das ruínas do casarão dos Madureira Couto. Era uma visão interessante, pilastras desnudas, com os tijolos à vista, cascalho espalhados por todos os lados... ao canto da parede, junto a um castiçal enferrujado que fora aposentado pela época do barroco rococó, jazia uma garrafa de cachaça e uma vela vermelha queimada pela metade. Aquele era o retiro espiritual de Fuinha. Ali ele fumava a “preciosa” e levava as gatinhas que descolava nos fins de festa da vida (gatinhas é modo de falar, éclaro!).
Totalmente à vontade e dono do pedaço, nosso herói desabotoa sem cerimônias os botões da blusa de Laurinha. Era uma blusa de crochê ou sei lá... dessas que dão vazão as transparências. Em poucos segundos, o busto da garota estava descoberto e os mamilos durinhos, apontados para cima, revelavam a inquietação de seu espírito.
Fuinha, muito mais a vontade, pusera-se a beijar cuidadosamente os mamilos, fazendo movimentos erráticos com a língua. Ele estava com os olhos bem abertos, pois divertia-se com a marca de biquíni (tinha a sensação de que a pele de Laurinha parecia ter um sabor muito mais forte nas partes do corpo onde o sol não alcançava). Impressionava-se com o contraste de cor que havia entre a pele do triângulo branco em que habitava o mamilo com o restante do seio, do corpo, dos braços... Fuinha vivia seu ápice erótico, aquele momento merecia ser eternizado! Ele lambia os seios, esfregava sua cara neles, o nariz, o queixo, os olhos e, sobretudo, lambuzava-se por todo busto de Laurinha que, ansiosa pelo fim daquilo, gritou para ele. Ela estava por demais nauseada pelo hálito curtido de cerveja barata e tabaco que o vagabundo espalhava em seu busto.
- Seu babaca, morde logo esse teta! Não foi para isso que você trouxe aqui?
- Mas morder?
- Morde logo isso e me dê o dinheiro, imbecil! - Laurinha não continha sua impaciência.
- Eu até queria morder. Sem desemerecer mas... sabe o que é, madame? – repentinamento o rosto de Copo Americano ganhou um ar contrangido - Pra falar a verdade para você, Laurinha... eu tô meio sem grana...