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Contos-->CONTOS DO NAVEGADOR_ORAI E VIGIAI, POIS ELES NOS OBSERVAM... -- 28/09/2001 - 20:29 (John Dekowes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ORAI E VIGIAI, POIS ELES NOS OBSERVAM...!


By John Dekowes


Nathyväria é um mundo inóspito e misterioso, localizado a leste da Nuvem de Ogahnt-19k79; o terceiro planeta de um sistema solar recentemente catalogado, e coberto por uma vegetação escura e oxigenada. Todas as naves que aterrizam por lá, não demoram quase nada; ficam apenas o tempo necessário de se esvaziar as cargas de mercadorias no entreposto, e depois tratam de sair o mais rápido possível. Geralmente, não carregam nada, como também não transportam nenhuma espécie de produto originário do planeta, mesmo porque bem poucos se aventuram a penetrar naquela floresta fechada, inviolável, para pegar alguma coisa exótica. Muitas descobertas aconteceram por acaso; inclusive o pântano, quando uma espaçonave em pane caiu naquela região, ficando quase submersa naquele lodo enegrecido e fedorento. O desespero dos tripulantes chegou às raias da loucura, quando descobriram que o salvamento somente viria horas mais tarde, e isso aconteceria justamente quando o planeta estivesse entrando na Zona Negra, e a equipe de resgate se negava a descer naquelas condições. A empresa preferia arcar com prejuízos totais a perder outra nave. Sabiam que o mínimo de tempo passado próximo aquele planeta era risco de vida.
O único lugar considerado aparentemente seguro, ficava na região centro oeste, perto da Grande Barreira do Diabo. Um local de difícil acesso, cercado por um muro vivo de espinhos venenosos, e um despenhadeiro altíssimo. Ali foi construído o entreposto de abastecimento, dentro de uma gruta natural. O seu interior era todo forrado de vilaniliun, uma lona de aço acrílico amoldável, e pelo lado de fora, radares e sinalizadores de navegação. Em caso de perigo eminente, enviavam sinais intermitentes de SOS para o espaço, até que alguma nave se predispusesse a socorre-los.
Mas porque toda essa preocupação? Em determinadas épocas a rotação do planeta chega quase a parar, e as noites em Nathyväria se tornam intermináveis, e os dias muito curtos. O planeta vive continuamente sendo bombardeado por violentos raios cósmicos, partículas de energias subatômicas, tempestades de meteoritos e chuvas ácidas. Em conseqüência dessa profusão catastrófica de fenômenos, eventos e situações atmosféricas críticas, os seres que habitam abaixo da copa das árvores, são criaturas estranhas que vivem em constantes processos rápidos de mutações, que variam desde minúsculos e ferozes insetos até gigantescas aberrações! Criaturas multiformes que vagueia pela floresta. Não existe um espécime único da mesma raça, de uma geração. Cada ser ou animal que nasce em Nathyväria tem uma característica diferente da outra, chegando ao caos da evolução genética.
Bem, a essa mesma conclusão chegou uma expedição científica muito bem preparada, que se arriscou em ir para o planeta estudar a vida animal, vegetal e mineral.
A nave ficou pousada sobre quatro pilotis de metais acima das árvores, mas estranhamente, pouco tempo depois, já estava quase no solo. E a equipe científica que fora equipada com instrumentação bastante sofisticada, e mantimentos para permanecerem durante uma semana, no segundo dia, já suplicavam para que viessem busca-los, antes que todo o pessoal fosse devorado, e não podiam escapar com a nave, pois a mesma estava sendo engolida por uma espécie de parasita de origem animal.
Quando o socorro chegou, resgatou os dois únicos sobreviventes que restaram. Estavam aterrorizados, em estado catatônicos. Foram levados para a nave completamente petrificados. E se passaram muitos meses de tratamentos até que um deles, a Dra. Ynner, despertou, abaixando a barreira auto-hipnótica a que havia se submetida. Mas assim que se tornou consciente, olhou para os lados, e seus olhos se depararam com uma imensa imagem flutuante do seu planeta Mantus, deu um grito seco e morreu de um ataque tono-cardíaco fulminante.
A equipe médica não compreendeu, mas chegou a conclusão que a Dra. Ynner ao ver o planeta Mantus à distância, pensou que ainda estivesse em Nathyväria, e não resistindo a uma nova carga emocional, entrou em estado de choque, morrendo logo em seguida. Mudaram o outro sobrevivente para um outro ambiente mais adequado: sem imagens, sem nada. Apenas uma música instrumental bem relaxante, para que o seu despertar do inconsciente fosse de forma mais tranqüila. E realmente, a melodia foi um fator decisivo, pois o Doutor Helyss despertou suavemente; seus olhos se abriram, ele permaneceu estático. Sua mente se desanuviou e começou a identificar e conhecer tudo ao redor. Foi lhe dado esse tempo para que pudesse se habituar novamente à realidade do real, e não a uma somatização do imaginário. E passou-se algum tempo, até que então, um dia ele se ergueu e pediu para falar. Não conseguia mais viver com aquelas imagens terríveis povoando a sua mente. Precisava se libertar, antes que cada pensamento seu tomasse vida, e ele perdesse o controle da sua existência. Vivia em estado constante de auto-observação para que sua memória não fugisse, e os demônios que povoavam a sua imaginação não invadissem seu corpo.
“Sou o Doutor Helyss More, cientista exobiólogo, natural de Mantus, planeta Gêmeo; catedrático em Antropologia Espacial e Mentalizante de 5ª geração. Encarregado de uma equipe científica para uma missão de reconhecimento e pesquisa ao planeta Nathyväria, no sistema solar descoberto...” - parou e respirou um pouco.
“...Estou dizendo isso, para que não pensem que estou delirando. Estou consciente das minhas faculdades pluri-neurais... Contudo, o que vou narrar, pode de vez em quando afetar o meu padrão-psique, mas será devido a grande comoção e experiência que passei naquele setor, e naturalmente, irei desbloqueando em tempos a memória...”
“...Bem, tudo começou quando chegamos em Nathyväria... e a nossa nave fincou suas quatro hastes de segurança na superfície nathyväriana. Aconselhamos ao piloto a agir desta maneira, para que pudéssemos, primeiramente, analisar a atmosfera e as partículas ionizadas que caíam do espaço, antes que se misturassem com o ar impuro abaixo da vegetação. Uma plataforma havia sido estendida, cobrindo uma extensa área ao redor da espaçonave. Bem, vocês sabem como funcionam esses tipos de plataformas... possuem suportes aéreos autocondutores, isto é, se nivelam automaticamente acima de qualquer coisa. Fixa...”
“...A primeira pessoa a perceber algo diferente foi a Doutora Ynner. Ninguém havia notado nada, mas a vegetação abaixo de nós, assim como a nave, estava cedendo imperceptivelmente. Era como se alguma coisa, traiçoeiramente, estivesse nos preparando uma armadilha. Pressentíamos isso. Praticamente, só tivemos tempo de recolher alguns equipamentos e nos protegermos dentro da nave. Mas não conseguimos dar a partida. Os motores pareciam estar entupidos. Só sentimos quando pousamos sobre algo bastante viscoso, depois a pressão que se fazia contra a nave, forçando-a para baixo... e o som de coisa pisada, esmagada! Ainda estava claro, e pelo lado de fora, tudo parecia normal... Normal aos nossos olhos, até observarmos com mais atenção. Descobrimos que olhar simplesmente, não significava nada, não víamos nada! Precisávamos olhar firmemente, mais atentamente, procurando não desviar os olhos o mínimo possível, para entendermos o que realmente estava ocorrendo ao nosso redor. A princípio pensávamos que era algum fenômeno ótico, decorrente dos constantes bombardeios cósmicos, e do ar quase rarefeito, mas descobrimos que estávamos enganados. Ou melhor, estivéramos equivocados desde que iniciamos as nossas pesquisas aqui em Mantus. A própria atmosfera é composta de criaturas vivas que se metamorfoseiam de acordo com o cristalino dos nossos olhos. Em verdade, a Doutora Ynner só percebeu o que estava acontecendo, devido a sua mente se encontrar num desnível abstrato, e totalmente concentrada no seu trabalho. Nós que analisávamos composições alquímicas e eólicas, estávamos sendo manipulados por alguma força... Acho que não era nenhuma força estranha, mas os seres, as criaturas mutantes daquele planeta...”
“Mas então, tivemos que olhar fixamente; porém não era só permanecer com os olhos parados em determinados pontos... Tínhamos de fixar com a nossa mente, até nossos olhos arderem e o nosso cérebro se fender em milhares de pontos, nos levando a um estágio de dor insuportável. E nesses momentos é que víamos o que realmente habitava aquele planeta. Milhares de olhos vorazes e cruéis nos espreitando, aguardando o momento de atacarem! O nosso piloto lançou pedidos de socorros, até que o seu transmissor foi digerido por algo desconhecido, que também o atacou aos poucos. Primeiro perdeu uma parte do braço esquerdo e do estômago. Ele não esboçou nenhum gesto ou expressão de dor, e nem vimos sangue; depois suas pernas desapareceram e seu corpo tombou na plataforma, em seguida, o que restou do seu tronco, foi estraçalhado bem a nossa frente... e não escutamos um gemido sequer. O Doutor Abynnel correu para o interior da espaçonave... Por um instante, percebemos que estávamos fora da nave... Não sabíamos como isso acontecera... Então o nosso desespero aumentou...”
“...A imensa clareira que a plataforma havia formado, parecia que ia se encolhendo... O espaço estava reduzido à metade. Apesar de estarmos atento, quase que hipnotizados, procurando não deixar passar nada desapercebido, eu havia observado umas arvores altíssimas a pouca distância, e pensava que, de repente, poderia ser aquela a nossa salvação até a chegada da equipe de resgate. Gritei para todos a minha idéia. Também começava a acontecer o que eu mais temia naquele planeta: a escuridão. Apesar de Nathyväria estar passando pelo período de noites curtas e dias longos, estar ali, um segundo a mais era como se fosse uma eternidade...”
“Ligamos as auras defensivas dos nossos trajes e partimos, orando para que tudo desse certo. e conseguíssemos alcançar as árvores antes do anoitecer. Enquanto caminhávamos, era como se a própria vegetação se afastasse ao nosso contato, mas a gente percebia faíscas elétricas saindo das nossas vestes. Eram pequenas serpentes procurando pontos vulneráveis para um bote fatal. E de repente, vimos a Doutora Rhenya ser engolida viva por uma espécie de sáurio monstruoso, surgido do meio mata. Não tivemos tempo de esboçar nenhum gesto de ajuda, pois assim como surgiu num relâmpago, desapareceu sem deixar vestígios... Apressamos os passos, e depois cada um foi subindo desesperadamente pelos galhos das árvores, quando principiou a chover e a noite veio depressa... A chuva ácida começou a causar danos em nossos trajes, que era praticamente a nossa única defesa, a nossa barreira de proteção contra aquele ambiente hostil. A energia começou a falhar, e não víamos mais ninguém. Nunca em minha vida, havia visto trevas tão densas como aquela. Até as grutas mais profundas que existentes em Mantus nos permitem, ao menos, pressentir o que se passa ao redor. Lá não... era como se estivéssemos isolados dentro de um buraco infernal, pronto para virarmos o banquete de alguma besta fera... Besta fera não seria o termo certo... nem sei que nome daria. Subi pelo tronco de uma arvore; agarrado a ele como se fosse o último sopro de vida, e com terror de soltar-me para ir galgando... centímetro por centímetro. Na minha mente só havia uma oração... meus olhos estatelados e doloridos atravessavam poucos milímetros daquela escuridão à minha frente. Vigiando o que havia de vir... e vi quando um dos nossos carregadores foi atingido por uma sombra demoníaca, disforme, e despencou num grito de agonia. Eu senti quando algo pastoso e áspero passou rente ao meu corpo e foi dilacerando parte do meu traje, depois, agarrou a Doutora Bannyer, bem ao meu lado. Fechei os olhos apavorado, aguardando a minha hora... só escutei os gritos de dor, de desespero e o som de ossos partidos. Mas não foi somente uma vez... até agora, ainda ouço dentro de mim cada pedaço de osso do seu corpo sendo triturado, como se aquele animal mastigasse cada naco de carne, bem lentamente saboreando cada momento de tortura e tormento atroz, enquanto ela gritava em agonia... E eu escutei a sua dor até o seu último instante de vida. E não pude fazer nada!!!! ”
Ele parou. Seu coração torácico pulsava em um nível crítico, enquanto o outro coração estava num ritmo cardíaco mínimo. Os médicos se alvoroçaram. O doutor Helyss More ergueu os quatro braços, maquinalmente, e, enquanto os membros superiores massageavam suas têmporas, os inferiores comprimiam e soltavam o plexo. Era o procedimento médico conhecido de primeiros socorros para se acalmar, e equilibrar os batimentos bitonocardíacos. Depois de um breve momento nesses exercícios, pediu um copo de “Dröpura”; e lhe serviram uma espécie de copo com dois tubos transparentes saindo do seu interior. Colocou os dois canudos na boca e pôs-se a sugar, fazendo um ruído áspero. Imediatamente começou a ingerir um líquido esverdeado e outro azulado. Mais relaxado, devolveu o copo e continuou:
“Orar e vigiar. Esvaziar a mente de qualquer pensamento, emoção, e se fixar sempre nas mesmas palavras...vigiar... estar atento; com a mente vazia, e sempre com a máxima atenção ao qualquer ruído...olhos fixos, parados, sem nenhuma amostra de fraquejo. Nunca sofri tamanha tortura em toda a minha vida, quando a chuva ácida se misturou com as minhas lágrimas... era como se meus olhos tivessem soltados em órbita, e sendo espetados por minúsculos espinhos... uma dor alucinante invadia o meu cérebro! E chegou um momento em que eu não sentia mais nada; estava completamente anestesiado. E assim, consegui chegar a copa daquela árvore e fica lá em cima, imobilizado, apenas aguardando a minha hora de ser devorado... Eu já até implorava para que o momento chegasse rápido, pois não agüentava mais aquele sofrimento... Aquela ansiedade! Não sei o que aconteceu aos outros, mas quando começou a clarear, eu vi toda a vegetação viva ao meu redor... vermes gosmentos passando sobre meu corpo, penetrando para dentro do meu traje, eu senti o meu corpo ser invadido por bichos, ser mordido nos ferimentos... e não podendo fazer um movimento sequer. Acho que por isso me salvei... fiquei tão impregnado do cheiro podre daquela floresta, que as criaturas peçonhentas nem se deram conta de mim...”
“...Eu nem sei como consigo me lembrar disso tudo. Sei do que estou falando, mas a minha mente não guarda nenhuma lembrança... só sei que preciso orar e vigiar... pois eles nos observam!”
E a sala ficou à meia luz. E a mesma musica suave iniciou seus acordes num volume baixo, e foi aumentando gradativamente, para que o Doutor Helyss More absorvendo cada nota melódica, relaxasse e repousasse a sua mente.
Durante muito tempo o planeta Nathyväria foi esquecido. A notícia do terror passado pela equipe científica afastara os incautos e aventureiros para bem longe. Até hoje ninguém se arriscou a permanecer por lá mais que o necessário. As naves que por ventura se arriscam aterrizar no planeta, o fazem por questões de comércio pirata, na cata de coisas exóticas, assumindo todas as conseqüências. Contudo, para Nathyväria não ficar completamente abandonado, e por motivos estratégicos também, foi criado um posto de vigilância e um entreposto de abastecimento, para suprir as necessidades do vigia; um humanóide neuro-robotizado que apreciava a vida selvagem, e não prestava a mínima atenção às enormes aranhas, nem as lagartas ou lacraias que invadiam o seu local de trabalho, preocupando-se apenas com os cabos e as caixas de energias que o recarregavam continuamente.


NOTA DO NAVEGADOR: Se vocês pensam que termina assim, estão enganados. Tempos depois, uma comitiva do planeta Mantus solicitou em carta científica, uma investigação mais profunda no planeta Nathyväria, e a O.N.F.I. - Organização das Nações Federativas Intergalácticas, fez uma incursão para o interior do planeta e descobriu uma tribo de seres exóticos. O nativo levado ao Conselho das Nações habitava dentro de uma bolha transparente e gosmenta, possuía um imenso poder mental, e esclareceu que “os fenômenos acontecidos com a equipe de cientistas eram naturais, pois suas mentes já estavam induzidas àquelas ocorrências. O que esperavam que acontecesse, aconteceu”. Hoje, o planeta Nathyväria se denomina Terra; adquiriu outras características atmosféricas e geológicas, com um ecossistema espetacular. Os seres que habitam nela são realmente uns privilegiados!



FIM


OBS; O SEU COMENTÁRIO É MUITO IMPORTANTE PARA MIM. obrigado
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