Era uma noite chuvosa. Somente alguns gatos pingados nas ruas. Entre bêbados, prostitutas e travestis, ele estava lá. Parado sob um toldo. Toldo de um bar. O bar já estava fechado, mas ele continuava sob o toldo. Não existia o porquê dele ficar lá. Parado sob o toldo. Já era tarde. Não passaria nenhum ônibus. Nem taxi. Somente ele. Entre bêbados equilibristas, prostitutas baratas e travestis deformados pelo silicone. A chuva estava mais forte alguns minutos atrás. Agora, somente a chuva. Ele tira as mãos dos bolsos do casaco e procura no bolso interno alguns cigarros. Ele pega o maço. Retira um cigarro e põe na boca. Retira também uma caixa de fósforos e acende o cigarro. Ele dá uma tragada. Uma tragada profunda. Guarda o maço e a caixa de fósforos no bolso e continua fumando. Observando a chuva que escorre pelo toldo. Do seu lado direito, um bêbado. Este se levanta e caminha cambaleando em sua direção. Cambaleia e cambaleia até que consegue chegar ao seu destino. O bêbado pára defronte ao homem e olha pra ele. Pede um cigarro. Ele tira o seu da boca e dá ao bêbado. Este agradece num resmungo e volta onde estava, cambaleando, com seu cigarro na boca. E senta-se no chão entre os jornais amassados e sacos de lixo. De repente um carro passa. Passa sobre uma poça d`água. A água espirra. Espirra nos farrapos na calçada. As prostituas xingam. Fazem gestos com as mãos. Os bêbados não reagem. Já estão absorvidos pelo alto teor alcoólico. O automóvel vira à direita quando chega na esquina. Tudo volta ao norma. Ao normal. Ao normal coisa nenhuma. O carro voltou. Voltou e parou na outra esquina. A buzina soou. Uma prostituta ouviu e foi atender ao chamado como se fosse atender a uma campainha. Ela passa pelo homem e o encara. Mostra-lhe que o chamado era pra ela. Mostra que o freguês é seu. O ponto é seu. É o seu ganha-pão e o motorista a quer. Ela rebola em direção ao veículo. O automóvel começa a se mover em direção a ela. O veículo pára. A porta se abre. A prostituta encara seu freguês. Ele a encara. A arma em sua mão a encara. Ela treme, espantada. O medo está estampado em seu rosto. Ela olha para o homem sob o toldo. Ela corre até o homem sob o toldo. O carro se movimenta. Atrás. O homem dentro do carro possui uma arma. Uma arma. O carro está se movimentando mais rápido. Atrás dela. Ela corre. Foge. A prostitua chega até o homem sob o toldo. Ela tenta explicar. O homem dentro do carro pára defronte os dois. Seu olhar é insano, bestial. Sua face está molhada pelo suor. O homem sob o toldo tenta fugir com a prostituta mas a reação instintiva de ambos é demorada. O homem dentro do carro atira. Atira e acerta. Acerta e mata ambos. A reação foi muito demorada. O homem fecha a porta do carro e sai em disparada. Desaparece na escuridão. Os outros que ali estavam, fogem assustados. Assustados. Fogem como o demônio foge da cruz. Tropeçando uns nos outros. Sem olhar para trás. Fogem. Agora eles estão lá. Deitados. Um sobre o outro. Deitados sobre o sangue. Deitados sob o toldo. Sobre o sangue viscoso. Sob um toldo de bar. Na noite, apenas os dois corpos. Os corpos e a garôa fina que cai. Cai do céu cinzento. Apenas os corpos. Sobre o sangue. Sob o toldo. Sob a noite cinzenta com sua garôa ácida.