Na bolsa, o radinho de pilha. No rosto, o terror por ter sido descoberta. Na voz do patrão, a pergunta mais acusa:
- Mas este rádio não é de meu filho?
Sem pensar conseqüências:
- Ele que me deu.
- Tem certeza, Malú? Olha que eu pergunto para ele.
Com o desafio da aflição:
- Tenho. Pode perguntar.
- Olha que eu chamo ele.
Com o desafio da angustia:
- Pode chamar.
- Beto! Vem cá! ... Na cozinha!
Angustia: é um peso no peito, o ar falta e as lágrimas sempre querem aparecer.
O patrão agora de radinho na mão, brinca de liga-desliga, para não olhá-la. Espera
Malú, de taquicardia, gruda o mirar na porta fechada da saída. E espera.
- Ele aí... meu filho. Olha aqui...
- Que foi?
- Este rádio é o teu, certo? Você que deu para ela?
Malú, de olhos bem fechados, assim como um dique a parar águas barrentas.
- E aí? Fala menino
Inútil barragem: lágrimas em soluço invadem o rosto. "Madre de Deus, rogai por nós pecadores. Agora!"
- Foi.
- Então você deu de presente o rádio que tua mãe...
- Foi.
- Está bem... Aqui seu rádio, Malú. Desculpe. Pode ir. Beto, vem comigo...
Quase correndo, Malú sai para a rua; na boca, treme sorriso torto; nos olhos, lágrimas secas; na bolsa, o radinho de pilha. Bolinar o pinto do moleque do jeito que nem para o marido faz, dá nisso. "Amém".