Boca seca, taquicardia, nervosismo. Não era um dia qualquer, era o dia em que nos encontraríamos após dois anos. Será que ela ainda me amaria tão tenramente como fizera? Talvez tivesse esquecido como eu gostava de receber cafuné (com a mão esquerda enquanto a direita me fazia carinho no peito). Mas ao menos a dúvida seria resolvida ainda hoje.
Será que a vida no sul maravilha a corrompera? Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas. A ciência diz que um homem tem em média quatro bilhões de neurônios a mais que uma mulher. Coitadas das minhas células. Quatro bilhões a mais para ficarem sobrecarregadas. Qual roupa? Quais palavras? Qual olhar? Com ou sem sorriso? Com ou sem lágrimas?
Diabos! Nem cartas, telegramas, e-mails, chats ou telefonemas podem provar sentimentos. E se algum filho-da-puta meteu a língua na xoxotinha dela? Bolas, não é bom pensar besteira. Caralho, e se ela fez boquete nele?
-Porra!
Parar de pensar nisso. Claro que ela não fez. Disso eu tenho certeza. As madrugadas de sexo via embratel deram conta do recado.
Ainda faltam cinco horas pro vôo chegar. Se continuar assim ela é que vai me buscar no hospital. Cadê a Veja? Cadê o cd dos Incríveis? Cadê meu sapato novo? Não!
-Nick! Cachorro danado, se você comeu meu sapato novo vai virar sabão.
Graças a Deus ele apenas babou. Nada que uma boa escovinha não resolva. Cadê a escovinha? Putz... Calma, relaxar é a palavra. Fazia tempo que não tinha folga. Ser médico residente é complicado. Não fode nem goza. Vou dormir um pouco.
(...)
-Caralho!
Nove e meia. O avião chega às dez. Cadê a roupa? Camisa, calça, meias, sapato. Cadê o sapato?
-Nick, não acredito que enquanto estava dormindo você roeu meus sapatos! Quando eu voltar a gente conversa e dessa vez lambidas não vão resolver.
Cadê a chave do carro? Do lado da televisão. Simbora.
Trânsito leve, no máximo dez minutos pra chegar. Cadê vaga pra estacionar? Droga, vou ter que pagar cinco paus no estacionamento do aeroporto. Tudo bem.
Cadê o portão de desembarque? Em cima ou embaixo? Em baixo, óbvio. O avião vem voando, ela não. Ainda faltam 10 minutos. Vou passar na Sodiler e folhear alguma coisa. Médico também é gente e precisa de cultura. O Santa Cruz perdeu. Novidade. Entra presidente, sai presidente e, de fato, o que muda são os quarenta jogadores que são contratados todos os anos. Hum, esse livro aqui parece bom. Quem sabe eu não me especializo em plástica e acabo ganhando dinheiro de verdade?
Hora de ir ao portão. Ela deve estar chegando.
Dez horas, nada. Normal, avião sempre atrasa. É a mesma coisa, que nem mulher pra sair de casa. Bolas, nem fiz um poeminha pra falar no ouvido dela. Quem poderia me salvar agora? Drummond? Não, acho que eu já li toda a obra dele no ouvidinho dela. Ah, esquece. Se não for meu nem do Drummond não tem graça. Que demora.
Cadê essa menina? Cadê aquele rostinho lindo, cadê aquela boca deliciosa, cadê aquele par de seios tão perfeitos que só ela tem? Chega, chega. Chega, voz. Chega pra dizer que quer casar comigo umas vinte vezes por dia.
Onze. Nada de avião. Ah, ela adora me fazer esperar. Dessa vez só saio daqui quando o avião chegar e estar com um sorriso aberto.
E esperei, esperei que nem um doido. O avião nunca chegou. Uma pane nas turbinas deixou para sempre aquelas dúvidas nos meus neurônios. Será que a gente iria ter filhos e envelhecer como um casal lindo? Será que ela ainda saberia fazer cafuné em mim?
