A separação é quase inevitável. Em seis anos de casamento, eu me orgulhei de nunca ter traído minha mulher. Mas de que isso tem valia, se o divórcio é iminente?
-Papai, eu quero um Mclanche feliz com coca-cola.
-Você, Isabel. Quer o quê?
-Nada, estou sem fome.
Estou na fila. Enorme. Deve demorar um tempão. A lanchonete está lotada. Puxa, dá pra contar apenas sete sorrisos. O resto das pessoas não está ali pra matar a fome. Querem matar a tristeza, sem saber como. Preferem comer a ficar pensando nas contas, nos foras, no desemprego, enfim, na vida.
Cinco minutos na fila. Isso é fast-food ou slow-food? Uma menina vomitou na mesa do fundo. O funcionário corre pra limpar a sujeira. Por que Isabel não quer comer, se o gordo da relação sou eu? Por que ela está tão triste? Ela só não. Por que todo mundo, inclusive eu, está tão triste? Será que eles colocam algum agente depressivo nos sanduíches?
Chegou minha vez.
-Um Mclanche feliz e outro número um, ambos com Coca-cola.
Maldito marketing. Meu filho sabia falar McDonald’s antes de dizer papai. Talvez eu é que tenha estragado minha estratégia com ele. Talvez se eu tivesse trabalhando um pouco menos eu não fosse o diretor da agência, mas certamente teria lhe dado uma educação melhor. Não que o coitadinho seja mal-educado, mas menos materialista seria.
-R$9,00
Facada. Nunca vi cobrarem caro por sanduíches tão ruins. Afinal, por que é que eu como esta porcaria? Só pode ser propaganda sublimar que eles colocam no cinema. Não tem lógica. E porque não pára de chegar gente nesta joça? Será que eles não enxergam a melancolia estampada na cara?
Onde estão os guardanapos e os malditos canudos? Nossa senhora, nunca parei pra pensar, mas deve ter umas 400 calorias nesse lanchinho. Se Paulinho virar um adulto obeso feito eu acho que não vou me perdoar. Amanhã mesmo passo na quitanda e vou comprar frutas e legumes.
-Que demora, papai!
-Foi a fila, meu filho. Tem certeza que não quer, Bel?
-Não, obrigada.
Isabel estava com uma cara horrível. Será
que foi o vômito da garotinha? Não, do jeito que ela é fresca se estivesse sentindo o cheiro de vômito já teria pedido pra gente ir embora. Argh! Capricharam no pickles. Tá parecendo pimenta. Bolas, Tô morrendo de fome. Não vou comer isso mais não. Saindo daqui passo numa 24horas e compro uns biscoitinhos de aveia.
-Parou de comer por quê, Mauro?
-Sei lá, acho que não estou com fome.
-Você, sem fome? Pra primeiro de Abril ainda
falta um bom tempo.
-Não, é sério. Quando Paulinho terminar de comer a gente vai.
-Tem certeza?
-Claro.
Sei que os pacientes da Isabel não ajudam, porque é o contrário. A médica é ela. Nutricionista infantil. Acho que eu também ficaria depressivo vendo criancinhas de seis, nove anos com vinte ou trinta quilos acima do peso. E ela sempre me fala que na maioria dos casos é culpa da alimentação McDonald’s.
Achei o cúmulo nas olimpíadas de Sydney o McDonad’s ter sido o “restaurante” oficial dos jogos. Os atletas podiam pegar generosas porções de batatinha-frita de graça. Se a União Soviética ainda existisse iria acusar os Estados Unidos de estar sabotando seus atletas.
-Papai, quer batatinha?
-Não, filho. Papai já comeu.
-Comeu nada, tá tudo aí.
-É. É que papai não está com fome. Acabe o seu pra gente ir pra casa, tá?
Por que Isabel não fala comigo? De uns tempos pra cá ela tá tão calada. Aliás, de uns três anos pra cá. Deve ser o estresse. O fluxo de carros está aumentando na avenida. Deus do céu, agora já tem até fila de espera pra comer aqui! Ainda vamos passar por aqueles mendigos na saída. Que saco!
-Mamãe, acabei.
-Certo, vamos lavar as mãos.
Vou jogar este lixo no lixeiro. Acho um absurdo as pessoas que deixam seus restos sobre a mesa, que jogam o lixo no chão. Grande coisa, de que adianta eu fazer isso se todo essa porcaria vai parar no lixão a céu aberto. Ah, dane-se a ecologia, paguei R$5,50 naquele lanche e eu tô com fome. Isabel chegou com Paulinho.
-Vamos, Mauro?
-Vamos.
Nunca vi quarenta metros serem tão longos. Parece que meu carro está do outro lado da cidade. Preciso perder peso, preciso perder essa preguiça de perder peso. Cadê a porcaria do alarme? Aqui.
-Pode abrir a porta, Bel.
Depois de colocar o Paulinho no banco de trás, Isabel me olha e me fala.
-Mauro, não diga uma palavra, quando chegarmos em casa vamos conversar. Quero o divórcio. - Ela entra no carro.
Fico ainda alguns instantes do lado de fora. Poucos segundos, mas tempo suficiente pra ver o filme do meu relacionamento com ela passar inteiro na minha frente. Onde errei? Acho que em tudo. Eu tô aqui com meu casamento praticamente falido e esse palhaço de borracha filho-da-puta ainda fica sorrindo da minha cara e dando tchau. Nunca mais volto nessa merda! Nem quando eu estiver tão triste quanto hoje.