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Contos-->ÉRICA -- 17/04/2000 - 23:32 (Cleuber Marques da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Érica, tu eras feita de anseios, medos, desesperos bem humanos. Mas tua forma mutante não é humana. Érica. Por que este nome e não outro ? Por que precisamente Érica ? Seria mais lógico que desse à alguém desejado e imbatizado um nome que me significasse afetividade. Sempre estou confuso com relação a ti, Érica. Às vezes penso que te conheço de outros capítulos; às vezes mal te reconheço. De qualquer maneira, sinto que só contigo poderia aprender a chave de mim mesmo, se é que poderia encontrá-la de algum modo, se é que ela exista mesmo. Batizei-te de Érica porque precisava de uma identificação para meus gritos e imprecações contra ti.

Não posso precisar a exata hora em que nasceste. Estava ocupado em sofrer meus desatinos e impotências. Mas tu te foste insinuando em mudo tempo e quando me surpreendi, já existias completamente. Fascinado, entrevi em tua pessoa a minha saída. Não sei bem por que, mas pareceu-me que tu poderias ajudar-me. Sentia-me tão bem em teu ambiente que não desejei ver-me livre daquela estranha força que me dominava, ou do estranho dom que me adquirira. Queria que tu me ensinasses como dominá-lo. Foste te afastando, te afastando e, a despeito dos gritos meus, sumiste e eu retornei. Esta foi a primeira vez que senti ódio verdadeiro de ti, Érica.

Ódio que vem de ser eu tão limite e de seres tão completamente essência...

Teu rosto não tinha formas fixas. Os teus cabelos, tua boca, teus traços fisionômicos cambiavam sempre. Dias havia em que te apresentavas de cabelos ouros ou em gradações várias até o negro. E negros, eles se perdiam no amplo escuro do universo que constituía teu pano de fundo.

Às vezes penso, Érica, que não tinhas de definitivo nem a sugestão de mulher. Desconfio mesmo que podias assumir qualquer forma, desde que assim o quisesses. E assim te fizeste para seduzir-me, para tornar-te necessária às divagações minhas. Se não tinhas uma forma tua, tinhas, entretanto, uma essência bem tua. Era precisamente por tua essência que te identificava. Uma espécie de telepatia entre dois mundos-sensibilidades...

O silêncio escondia o nosso fluxo-entendimento. Não havia palavras: um conhecer intuído se escoava de ser a ser.

Se às vezes à rua saía, não sabia suportar esse mundo frenético, que se gasta. Que se consome no paciente esmeril. As cores barulhentas, os sons borrados. Érica, sentia-me esquimó transplantado para as quentíssimas monotonias do Saara ! Acelerava o passo, fugia destes estranhos seres atados a fios invisíveis. Grotesca brincadeira com marionetes vagamente parecidos com seres humanos.
Entrava e fechava o mundo lá fora. Sentava-me, deixava que a perturbada respiração se afrouxasse. Dava tempo a que meu cérebro, contagiado de poluição, fosse se tornando mais puro.

Ficava recostado na confortável poltrona, abandonado por mim, e atingia as portas do mundo teu, Érica. Após livre ingresso, aguardava-te. Minha impaciência fazia-me perscrutar as imediações, a dirigir minha clarividência -- ou que outro nome receba -- para alguma estrela mais perto.

Mas tu te demoravas. Ia insurgindo-me contra ti. Vibrava no ar a clava primitiva. Nada podia além disso. A minha mão peluda de macaco latente rasgava o espaço. O meu desespero ensopava meu corpo todo.

Súbito, pressentia a tua presença. Uma onda inundava-me, dando-me sossego. Então te fazias presente. Arrebatavas-me, arrebatavas-me por inteiro. O satélite de deslocava lua, luamente pelo espelho negro. Sentia, com um esforço a mais, poder aproximar-me de ti. No entanto, era completamente incapaz deste a mais. Solicitava-te. Mas, quando mais te solicitava, ainda longe te mantinhas...

Queria muito transpor esta habitual distância em que te mantinhas, fazer-te coisa interior, vivida intensamente. Mas eis que te furtavas e te sorrias. Tinha porém, Érica, a certeza de que, ao tentar algo contra minha vida, perder-te-ia definitivamente. Este é o paradoxo, minha condenação: tu estavas longe e para conseguir-te não poderia cortar os fios que me prendiam à minha âncora. Teus olhos mesmo me desaprovaram quando sonhei esta solução. Não pude sustentá-los. Baixei os meus, envergonhado, um mero fragmento de qualquer coisa microscópica. Nada poderia fazer para terminar esta angústia. Apesar do meu rancor venenoso, permanecias em tua vigília.

Ultimamente, vinhas bruxuleando um tanto. Teu sorriso já não era parte de ti, mas parecia pregado a teus lábios, que salivavam distâncias mais vastas. Tua presença já não ocupava, como antes, todos os cantos dos abismos meus. Tua capacidade de mutação também já não era tão imaginativa. Para o desespero que eu era, morrias, Érica ! Gritos meus, buscando estancar teu processo retroativo. Não me fiz convencido. E porque não me fiz convencido, fui abandonado tão imprevistamente que não concientizei de imediato a tua ausência. Desorientei-me, gritei-te, desesperei-me em desatino escavei o espaço com dedos crispados, a gotejarem impotências. Não adiantava mais, Érica. Eu era então um conjunto de reações químicas, físicas, biológicas. Era um braço a mais, uma força calma e utilizável a mais.

Apenas.
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