O que vou contar aconteceu a algum tempo
É uma história simples
Sem fatos complexos ou desfechos fantásticos
É a história de Joana e João
Joana de Tal
João Ninguém
Acho que era 1975
Joana ia e vinha todo dia por aquela rua
Naquela rua João trabalhava vendendo suas frutas
Ao Joana passar, era João que suspirava mais alto
Olhos brilhavam
Joana era doce e belíssima
João era carrancudo mas era um belo rapaz
De João todos riam ao ouvir seus interesses em Joana
_ De ti ela só repara a grosseria! – diziam seus amigos
Realmente Joana não aparentava muito atenção em suas voltas por ali
João em seus sonhos via um anjo que jurava ser Joana
Nas noites caladas Joana em sua janela secreta olhava o céu como quem não sei o que
Olhar longe e triste
Como se daquele mundo Joana não pertencesse
E na verdade, ninguém sabia mesmo de onde era Joana e nem para onde ela ia sempre ao passar
Um dia João resolve parar Joana
João Ninguém e Joana de Tal
_ Moça, quem és tu que me inebria o olhar sempre que passa?
_ Sou aquela que a ti conhece mais que ti mesmo.
João sem resposta só faltou chorar
E Joana de Tal voltou a andar
_ Não lhes disse que a mim ela já observara? – dizia João ao seu velho amigo bonachão
_ Oh João! És João Ninguém. A ti só reparam a grosseria. – respondia sempre no mesmo tom
-_ Pois a ti enganas essa opinião. Provarei por a mais que de João, Joana será. – desafiava João.
_ Assim torço João, assim torço... – era o bonachão para não dizer um não.
Veio o inverno e a sopa quente de Maristela
A nova empregada da venda de João
Joana de Tal continuava todo dia sua marcha triunfal
E João já não mais tinha coragem de abordar a bela dama
Joana realmente agia como se a João seus olhos não reconhecessem
E João a cada dia tentava decifrar tal enigma dito por Joana
Eis que um dia, acredite quem quiser
Joana na venda de João
Sua beleza adentrou
João, estupefato não teve ação
E Joana ao chão se jogou
João ainda delirou e pensou
_ Meu Deus! Que ilusão é esta que me tomou?!
Mas de ilusão não havia nada não
Joana ao chão desfalecia a cada segundo
João gritou a Maristela que com um copo d’água veio a mão
E Joana de Tal chorava e falava de um não sei o que da cidade de antemão
João penso:
_ Que enlouquecida é esta senhorita em minha porta?!
Joana repetia:
_ A cidade não tem pena de mim! A cidade não tem pena de mim!
O velho bonachão caçoava:
_ Sempre admiti uma certa loucura dentro destas roupas rodadas!
E Marinete não podia deixar essa passar:
_ Na certa levou um pé na bunda de mais um marinheiro viajante.
Qual surpresa não foi quando Joana se levantou
E como se nada tivesse acontecido
Saiu a andar com jeito de ensandecida
Oh meu Deus!
Mulher assim não se faz mais não
Nem que procures em tudo
Nem nos livros encontrarão
Com os meses a finco
A curiosidade João se rendia
Joana de Tal ainda era passante oficial da rua calma
No início da noite
E com volta só no fim da manhã
Era Joana de Tal e João Ninguém
Um para cada lado
Ela ainda não o via
Na verdade, desapontava João, seus amigos já diziam:
_ A João, ela não enxerga não!
Fazia calor na tarde de novembro quando Joana passou
Desta noite João prometeu não continuar sua curiosidade
A cerca daquela moça, hoje ele saberia cada questão
E a ti ela ouviria cada indagação
Assim, deu-se o fato
João Ninguém seguiu Joana de Tal
Joana andou até não poder mais não
João já as bicas não agüentava mais um jargão
Joana parou
João olhou
E aí o que aconteceu
Foi o que João realmente não esperava
Joana de Tal se virou e voltou na direção de João
João não emitiu nem um ruído quando Joana lhe lascou um beijo demorado na boca entreaberta
Na cabeça de João nem um pensamento estava em ordem
No corpo de João, nem um osso conseguia parar de tremer
João então, assustado, teve a atitude menos esperada de um grosseirão
_ Senhorita Joana. Que loucura é esta?
_ Senhor João, diga-me a verdade e não negue que a mim sempre desejaste tal beijo!
_ Mas senhorita Joana...
Não, nem mais um palavra Joana permitiu que João dissesse
Assim, Joana puxou João pela mão até uma porta entreaberta num destes sobrados do centro da cidade
Joana e João se amaram como dois amantes de prontidão
Joana de Tal
João Ninguém
Horas passaram e Joana não parecia cansada não
Pois João, mais um segundo e teria pedido clemência, não dá mais não
Joana se levantou então
Vestida em segundos
Joana desapareceu pela porta da frente
João, de boca aberta, voltou para sua venda pela contramão.
Nos dias seguintes Joana não mais passara pela rua da venda
Nem nas manhãs em que João iniciava sua vigília para vê-la
Nem nas noites quando João tentava convencer o velho bonachão de sua história
_ João, para mim não inventa não. Não nasci ontem meu rapaz. – ria o gorducho
_ Mas meu velho. A ti não invento não, de João, Joana foi por um tempão.
Depois de uma semana sem Joana
João resolve voltar a casa onde à sua amada seus olhos viram pela última vez
Jesus, mas que surpresa!
A rua parecia diferente
Do sobrado velho não se via nem ruínas
E ainda por cima
Lhe disseram que ali nunca fora construído nada além do armazém do porto logo perto
E muito menos que um dia tenha passado por ali tal formosura como a descrita por João
João procurou
Em cada rua
Em cada beco
Em cada local
De Joana nem sinal
Quando ao fim João já dava sua procura
Eis que um dia
Em sua venda vazia
Um jornal é deixado por um freguês apressado
No folhear as páginas sem importância
O rosto de Joana João avista
Seu belo rosto parecia inchado
Seus cabelos muito molhados
Joana era retratada nos braços de um homem
Na legenda abaixo a surpresa final:
“ Encontrada morta na enseada de Botafogo a jovem Joana da Silva, velha conhecida das noitadas boêmias e clandestinas da noite carioca. Acredita-se que tenha cometido suicídio em desespero ao tomar conhecimento, semanas atrás, que sua casa de garotas na Lapa não passaria mais um dia aberta ao público. As colegas do estabelecimento disseram a polícia que os marinheiros já não mais apareciam e, diminuíram mais ainda a freqüência desde o dia que souberam que Joana esperava um bebê de um tal feirante das ruas do centro da cidade, homem este que nunca ninguém obteve maiores informações ”.