Por que dessa palavra: Conhecedor? Vesti-me correndo, tomei um copo de leite, peguei o recorte de jornal e o guia de ruas e saí com o carro até a "loja de tapetes".
Tinha algo de realmente estranho nisso tudo. Por que ela havia falado daquele modo ao telefone? Por pior que seja a vendedora, raramente agiria daquela forma, tentando desligar tão rapidamente. E por pior que fosse o cliente, ninguém costuma ser tão ríspida, indelicada e fria ao telefone. Afinal, por que então colocaram um anúncio de venda de tapetes no jornal?
O anúncio era outro mistério. Ele parecia ter mesmo alguma "mensagem secreta" incluída em suas aparentemente inocentes linhas. Por que ela não comentou nada sobre o "Emigrantes", quando perguntei? Nem disse nada sobre a “Ocasião para Conhecedores". Aliás, ainda repetiu: "Objetos de Artes de Antigas Civilizações, somente para Conhecedores", frisando o "conhecedores" com o tom de voz.
Por que quando lhe revelei que só havia ligado por que tinha "achado estranho o anúncio", ela interrompeu a ligação e conversou com mais alguém que estava por lá? E só depois disso, contrário a toda a conversação anterior, me convidou para uma visita. Estranhíssimo.
Muitas dúvidas já tinham me torturado a última noite e não ia passar outro dia de expectativas. Resolvi fazer a tal "visita", já que havia até sido convidado. Rapidamente estava na rua da loja, procurando o número indicado no anúncio quando vi um pequeno sobrado com o número 1231. Tinha uma placa com um grande "Narce" escrito em letras góticas, já meio apagado. Não encontrei o "estacionamento próprio" da loja e parei o carro num estacionamento comercial mais à frente. Embora já fosse 8hs15min, estava uma manhã fria e com névoa úmida, como disseram no rádio do carro. Fui me aproximando da loja, que ao que tudo indicava, parecia ser uma pequena loja de antiguidades comum, com uma porta de vidro, como entrada.
Ao abrir a porta, um minúsculo sino instalado em seu batente denunciou minha entrada, quebrando o silêncio. O interior da loja estava um tanto escuro, mas notei que não havia ninguém dentro. Chamei por alguém, mas não obtive resposta. Estranhei tamanho "sossego" do proprietário, pois eu poderia ser um cliente apressado ou mesmo um ladrão. Aguardei alguns segundos e comecei a dar uma olhada nos "objetos de arte". Além de tapetes, existia um pouco de tudo ali: estatuetas, quadros, porcelanas. Não sabia avaliar absolutamente nada, mas me pareciam bastante antigos. Já havia dado cerca de duas voltas na loja quando ouvi uma voz, vindo do fundo:
— Desculpe a demora. Ainda bem que o Senhor não era um ladrão... e nem um cliente com muita pressa.
Senti um misto de susto pela interrupção e pela frase. Eu tinha acabado de pensar exatamente isso! Aliviei-me por reconhecer o "senhor" da voz feminina. Com certeza era a mesma pessoa com quem eu havia conversado, por telefone, há poucas horas. Um vulto esguio caminhou da escuridão do fundo da loja em minha direção. Ela era uma mulher jovem, magra, de cabelos negros e voz firme. Tinha a pele bastante clara, pois seu rosto contrastava com o escuro de seu vestido negro como os cabelos. Conforme foi se aproximando da luz que entrava pela vitrine, percebi que devia ser mestiça, pois seus olhos eram levemente amendoados. Não aparentava nenhum sentimento em específico e tinha uma expressão enigmática, realçada pela roupa escura e folgada. Sim, era uma mulher extremamente sensual e exótica. Ela aproximou-se de mim e disse:
— Em que posso ajudar-lhe, Senhor Frank?
— Eu, bem... Como sabe meu nome? - perguntei-lhe espantado com a situação.
— Vi sua foto no jornal de domingo passado. Estava na primeira página. Não tinha como não ver. Além disso, tenho boa memória.
— Ah! claro... a reportagem...
Respirei aliviado. Pelo menos uma explicação coerente! Nem me passou pela cabeça aquela reportagem da semana anterior. Agora ela já sabia quem eu era, com que trabalhava e sei lá mais o quê. E eu não sabia bem nem porque estava ali. Ela ficou me olhando de um modo estranho. Eu tinha que repensar rápido o que iria dizer.
— Vim até aqui devido ao seu anúncio... e ao seu convite, também, claro.
Ela continuou me olhando, daquele modo estranho, sem dizer nada.
— E não vi o "estacionamento próprio" de vocês - continuei.
— Fica bem em frente da loja, do outro lado da rua, Senhor Frank.
Olhei pela vitrine e depois pela porta de vidro para conferir e ao mesmo tempo para disfarçar meu embaraço. Tinha um enorme estacionamento em frente, com uma bela placa indicando "Exclusivo para Cliente Narce". Estava me sentindo um completo idiota. Nem olhei do outro lado da rua! Resolvi desistir dessa maluquice toda. A loja me parecia uma loja normal de antiguidades. Tudo começava a parecer normal. Havia me cansado de bancar o imbecil. Que iria eu perguntar agora: se ali funcionava alguma "sociedade secreta"? Ou o quê? Devia estar ficando louco. Tudo ali fazia sentido. Eu é que esta imaginando coisas. Um anúncio comum de tapetes orientais, uma pequena e normal loja de antiguidades, um enorme estacionamento próprio... Epa!
— Por acaso aqui funciona algum tipo de "sociedade secreta" ?
Meu Deus! Eu perguntei? Tinha enlouquecido ou realmente havia algo estranho aqui?
— Por que a palavra "Emigrantes" estava escrita em maiúsculo? E por que do título "Ocasião para Conhecedores"? Por que seu estacionamento é maior que sua loja? - concatenei as perguntas quase sem tomar fôlego para respirar.
— A loja não é minha, Senhor Frank.
— De quem é a loja? Por que você me convidou para uma "visita"? Por que você não responde minhas perguntas?
Olhava fixo para os olhos dela que continuavam, como antes, impenetráveis, sem uma expressão definida, sem alteração. Foi quando ouvi uma voz masculina vindo do fundo escuro da loja:
— Porque o Senhor já sabe as respostas, Senhor Frank. - disse uma voz grave, aparentemente de um homem de idade.
Saindo da escuridão, o homem se aproximou de nós, com um leve sorriso nos lábios. Apoiou uma mão no ombro da mulher e me estendeu a outra dizendo:
— Muito prazer, Senhor Frank. A senhorita Amanda o senhor já conhece.
O velho me apertou longa e fortemente a mão, sem soltá-la, e disse, olhando profundamente em meus olhos:
— Meu nome é Draven.