"(...) Tempo carrancudo fez a chuva aumentar de repente.
Caminhou em direção ao avião; João apressado, ele atrás, quinto e último passageiro. Andava como que deslizando sobre a neblina, agarrada às suas pernas, tentando impedi-lo de chegar. Atrasava-se. Alguém gritou: Vamos, hombre, antes que el mal tiempo no nos deje levantar el vuelo! A hélice e o vento criavam redemoinhos de brumas; clandestinamente, nuvens corajosas desciam do céu para espiar os movimentos de homens que manipulavam os destinos de povos inteiros. Súbito golpe de vento trouxe cheiro aziago de maresia. O Rio de la Plata , inquieto. Na superfície, cadáveres de peixes apodreciam balançando ao impulso das ondas; malas cheias de intrigas, incertezas e conspirações flutuariam depois. Afundariam logo mais até seu leito voraz, para serem tragadas pela lama e pelo tempo. Que era fugaz dentro do universo; mas para as paixões dos homens, eterno.
Enquanto subiam a bordo da aeronave, João Alberto perguntou, sempre adivinhador: Tudo bem, Toledo? Antes de responder, sorriu e afagou a cicatriz que, pela primeira vez, parara de coçar naqueles dias.
Não precisa mais disso, João. Me chama de Siqueira Campos. Ou de Gato, como gostaria o Juarez Távora.
Não muito longe, as águas barrentas e frias do Rio da Prata esperavam, irritadas de mal tiempo. Pouco depois levantaram vôo rumo à próxima escala: Montevidéu. Destino final: Brasil e sua revolução irreversível. Não basta para o Brasil o nosso sacrifício de eternos derrotados. É-lhe indispensável que, pela razão ou pela força, nossas idéias vençam. Congreguemo-nos para isso e confiemos no futuro.
Então, para o futuro, Juarez!
Da pequena janela, podia ver as luzes da cidade de Buenos Aires se afastando. Mi Buenos Aires querido, cuando yo te vuelva a ver, no habrá más penas ni olvidos. Podia ter lembrado Gardel antes de dormir. Mas não sabia de tango nem de estar tão próximo do instante em que o futuro lhe seria revelado."
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Fragmento do capítulo: "BUENOS AIRES, CAPITAL DA CONSPIRAÇÃO BRASILEIRA. / COPACABANA EM CHAMAS. / COLUNA DA MORTE. / DA ESPERANÇA. / FÊNIX REVELA O FUTURO
Do romance de Miguel Angel Fernandez "A CENA MUDA"
