Era uma noite de gala, as mulheres com seus vestidos longos
caminhavam esvoaçantes pelo sagão. Os homens contidos em
fraques observam os esvoaços e esvoaçavam em pensamentos.
A orquestra, no melhor estilo britânico, afinava os instrumentos.
Especialmente os acordeons argentinos. O anfitrião desceu
pontualmente pela escada de mormore branco às 21 horas.
Distribuindo sorrisos e gentilezas a todos os presentes. Dizem as
más linguas que também aos ausentes. Afinal o anfitrião era meio
cego. E por vezes fôra visto cumprimentando as colunas das
paredes, ou simplesmente acenando às cortinas. Mas estava tudo
impecável, sóbrio e extremamente requintado. Das azeitonas
recheadas ao tapete persa. Dos candelabros dourados aos mordomos
discretos. Uma voz forte rompeu o murmurio das conversas e
anunciou. "Senhoras e senhores, agora, para abrir a solenidade
anual dos colunáveis desta cidade, tem a palavra o Excelentissimo
senhor, Doutor, Professor, Desembargador, Comendador e, seja
la como for: Manuel Joaquim de Oliveira Stratisburger Lugter
Vondanniinghem dos Santos." A multidão se acotevelou diante da
sacada interna do saguão. O silêncio foi geral. Alguns segundos
depois, na sacada o anfitrião insistia em jogar acenos, beijinhos e
sorrisos, justamente para onde não havia ninguém. Imediatamente,
alguém se locomovia até la para não causar embaraços. finalmente,
o anfitrião pigarreou, o silêncio foi ainda mais profundo. Houve até
quem prendesse a respiração. Ele levantou um dos braços, ouviram-se
os primeiros aplausos. Ele agradeceu humildemente. Em seguida
puxou um lenço branco. Alguém gritou sauuuddeee!!!!
Ecoou no saguão. Ai sim ele espirrou. A multidão aplaudiu efusivamente.
Ele agradeceu e guardou o lenço com humildade, ajeitou o oculo,
tirou um papel do bolso do paleto e pronunciou: Sarohnes, serohenes...
-Ganhou outra salva de palmas. Balançou a cabeça e virou o papel
do lado certo e arrematou com um sorriso humilde: Senhoras e
senhores. A multidão entreolhou-se para ver quem tinha aplaudido.
Era como se um acussase o outro. O anfitrião fez uma pausa, os
olhares convergeram novamente para ele; um mosquito da dengue
foi repentinamente interceptado em pleno vôo, por duas mãos
espalmando um estalo. O anfitrião da festa, agradeceu pensando
que fosse um ameaço de homenagem, sorriu. Ai sim a multidão
aplaudiu. Ele voltou a se curvar com humildade; era um exemplo a
ser seguido: Tão rico, tão simples.O cidadão era poeta, gostava da
Literatura, ao sair exclamou aos presentes:O poeta português
Armando de Carvalho, dizia que " A poesia é o desejo da sublimação
da vida, cortando pedaços da alma." Razão tem Fernando Pessoa
quando afirmava que o poeta sabia fingir até a sua propria dor.
A dor da poesia é maior de todas, porque dilacera a alma. Após
falar essas palavras, virou as costas e saiu conduzido pelo mordomo
todo solícito. A voz forte e cristalina voltou a anunciar: "Estas
foram as gentis palavras do Excelentissimo senhor, doutor,
professor, desembargador,comendador, poeta e seja la como for:
Manuel Joaquim stratisburger Lugher Vondanninghem dos Santos
obrigado pela atenção.
-JOSE ANGELO CARDOSO.-Poeta, contista , artista plastico.