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Contos-->A fuga -- 01/01/2002 - 09:14 (Paulo K) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
K. levantou-se muito mais cedo naquele dia. Espreitou a rua, demorando-se um pouco até acostumar seus olhos à pouca luz do final da madrugada. “Hoje o despistarei”, pensou satisfeito porém sem muita convicção. “Ele está acostumado a que eu sáia de casa mais tarde, mas hoje não me seguirá”. Levaria consigo apenas uma mala com suas roupas, nada mais a carregar, afinal solteiro e morador de pensão que era, pouca coisa tinha, apenas as roupas e alguns livros.
Na noite anterior acertara o aluguel dos poucos dias do mês em curso, e inventara qualquer coisa para o senhorio, dizendo-lhe que estava me mudando para uma outra cidade longe dali. Na verdade, estava indo para o outro lado da mesma cidade, onde aquele sujeito não iria encontrá-lo nunca mais. Mudara também de emprego, com o cuidado de não deixar pistas.
Esse novo trabalho surgira de encomenda para ele, não precisaria mais sair constantemente de casa, poderia escrever os artigos sem ao menos conhecer os editores e esta foi a condição por ele estabelecida quando da proposta recebida pelo jornal que se interessara por seus escritos. Também escrevia-os usando pseudônimo.
Sua nova morada em muito contribuía para sua meta do momento. Era um pequeno apartamento, apenas sala, banheiro e cozinha e situado num prédio que tinha em baixo uma galeria com lojas, padaria, mercado, etc. – o que lhe permitiria ficar dias a até meses sem sair à rua.
Sim, esta alternativa fazia diminuir sua aflição, desde que aquele homem passara a persegui-lo. De início achara que era simples coincidência o fato de se encontrarem sempre, mas com o passar do tempo sua presença passou a incomodá-lo, e do simples aborrecimento ao desespero não demorou muito.
Semanas a fio a figura dele cada vez mais se fixava em sua mente. Por vezes tentara se aproximar dele a fim de passar a limpo o que estava acontecendo, mas ele sempre se esquivava, chegando mesmo a fugir apressado num dia em que K. dele se aproximarai furtivamente e lhe dirigira a palavra. Passou a se preocupar com seu olhar fixo em sua figura diariamente, onde quer que se encontrasse – ao sair de casa, a caminho do trabalho e até quando discretamente olhava pela cortina semicerrada do escritório – lá estava ele, sempre postado em frente ao prédio onde K. trabalhava.
Mas agora estava tudo resolvido. Sua decisão de se tornar anônimo, pelo menos por algum tempo, o deixava com a certeza de se livrar dele. Quem sabe alguns meses depois pudesse retornar a uma vida normal. Por enquanto, impunha-se o sacrifício de se recolher em casa e sair o mínimo possível e mesmo saindo, cercar-se-ia de intensas precauções.
O que me mais o afligia era não saber o porquê dessa perseguição contra si. Ele nada dizia, nem ao menos se movimentava quando o fitava com aquele ar de indefinição. Nunca se aproximava demais de K., quando este demorava num lugar, num restaurante, por exemplo. Lá ficava ele do outro lado da rua a espreitá-lo. Assim que tornava à rua, ele por instantes desaparecia, e K. só tornava a vê-lo quando parasse em algum lugar. Aí sim, era só olhar furtivamente por cima dos ombros e sua silhueta se desenhava em seu campo de visão.
Mas desta vez seria diferente. O despistaria com certeza. Disposto a vencê-lo, K. encerrou-se em sua nova morada e preparou-se psicologicamente para viver na mais completa solidão.
Assim se passaram os meses... K. acostumara-se a ficar em casa, escrevendo seus artigos semanais para o jornal, recebendo o pagamento através de depósito bancário e feliz por se sentir novamente livre da presença incômoda do sujeito que há semanas se grudara nele, sempre com aquele seu olhar indefinido, onde quer que estivesse.
Com dedicada paciência K. diariamente e às horas mais impensadas possíveis, perscrutara a rua, a vizinhança e não notara nem vestígio daquela figura que com o tempo lhe inspirou o mais terrível pavor.
Aos poucos K. recobrou a confiança. No seu exílio voluntário, se bem que um tanto forçado devido àquelas circunstâncias, acabou por deduzir que suas preocupações tinham findado. Mais e mais, com o passar dos dias, crescia dentro dele a vontade de retornar à vida de antigamente. Mas sempre adiava o término de sua reclusão, não querendo se precipitar.
Assim se passaram dois anos. K. tinha se acostumado tanto àquela vida solitária que nem se lembrava direito como eram as coisas lá fora. A cidade certamente crescera, novas avenidas e praças logicamente surgiram. Sim, K. necessitava cada vez mais ardentemente de voltar para o mundo lá fora.
“Dois anos é muito tempo”, pensava. Até o motivo de sua reclusão, o sujeito que andava a segui-lo onde quer que fosse talvez não existisse mais, sequer se lembrava exatamente da figura dele.
Passaram-se mais cinco meses desde o início em K. se instalara o desejo de voltar à vida anterior. Com maior intensidade esse desejo foi-se tornando uma espécie de fixação, e assim, cercado de coragem, marcou um dia para si mesmo e nesse dia preparou-se para sair à rua. Tomou um banho logo de manhã, fez a barba, colocou uma bela roupa e um tanto ansioso, desceu vagarosamente as escadas do prédio. Minutos depois alcançava a rua.
Desacostumado `a luz do sol, à presença de tanta gente indo e vindo, K. sentiu apossar-se de mim uma vertigem louca, um medo avassalador. Não podia aproximar-se das outras pessoas, sentia medo de tudo e de todos, inexplicavelmente. O desespero tomou conta de si, o pavor apossou-se de sua mente e tudo começou a girar. E sentiu uma vontade louca de correr. Então correu, correu o mais que pode, não se importando com os olhares de surpresa das pessoas que voltavam a cabeça para ele. Sua vontade era apenas correr, fugir dali em direção ao lago, onde se atirou do alto da ponte.
Afundou na água poluída, sentiu que tinha batido com força as pernas numa pedra, teve a sensação de tê-las quebrado, mas não se importou. Subia à tona e novamente se deixava afundar, várias vezes. Esse esforço fez com que se cansasse cada vez mais, mas sentia necessidade se sentir cansado, senão não conseguiria atingir sua meta.
Aos poucos K. sentiu seus pulmões inundarem-se cada vez mais e suas forças se esvaindo. Seus olhos arregalados ainda puderam distinguir debruçado no alto da ponte a figura do homem já seu velho conhecido.
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