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Contos-->Barbie Girl -- 26/12/1999 - 22:09 (Ciro Inácio Marcondes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
- A Bete está?
- Tá sim. Espera um momento que eu vou chamar. - disse a empregada. Ana ficou esperando, lá na sala da sua casa, observando a filhinha brincar de boneca. A menina era um doce. Os cabelos longos e negros, penteados de forma com que ela parecesse uma bonequinha, estavam brilhosos, caindo na cintura da menina. Os olhos, grandes, negros, observavam com carinho as pequenas mãos brancas manusearem as casinhas, com todo o cuidado possível. Ela estava dentro de um vestidinho rosa, clarinho. Uma beleza. Do lado dela, estava a melhor amiga: Clarice. Era outra beleza, só que mais gordinha. Também morena, e o cabelo mais anelado. Estava ajoelhada diante da grande casa de boneca, a maior de todas, brincando também.
- Alô? - Respondeu a voz do outro lado da linha.
- Bete? É a Ana!
- Oi querida! Tudo bom? Como é que vai?
- Consegui ser aprovada na escola! Vou poder trabalhar com você!
- Jura? Mas o Renato não disse que não ia poder te contratar? Não disse que “infelizmente a escola está saturada de professores”?
- Ele disse que, em consideração a mim, que sou amiga de vocês há muito tempo, dava pra arrumar um espacinho lá no São Pedro. Não é ótimo?
- Puxa! Maravilha! Que notícia boa! Mas conta aí! Quando começa? Quais turmas você vai pegar?
- Calma. Ele ainda não especificou muito. Disse que eu vou trabalhar com a quinta série a princípio. Provavelmente nesse começo de ano. Disse que eu não posso pegar pesado, porque tenho que criar a Carol, essas coisas. Ele disse que depois do primeiro ano no São Pedro eu já vou poder lecionar no segundo grau.
- Então vamos trabalhar juntas! Já está estipulado o turno?
- Ahh... tá sim. Vou ter que trabalhar de manhã. Aí, de tarde eu contrato um babá, ou uma empregada... alguém pra cuidar da Carol.
- Que ótimo. Hoje à noite vou conversar com o Renato! Ele não tinha me dito isso! Você vai gostar da escola. Os alunos são ótimos, e você vai trabalhar com gente muito competente.
- É... eu sei disso! Já estou até preparando algumas coisas aqui pra apresentar. Como o ano está acabando, é melhor eu me apressar. Já me entregaram parte do currículo. A matéria... a coisa toda... não parece muito difícil. Na verdade é muito simples. O único problema mesmo vai ser lecionar. Eu fiz o curso, tal, mas não tenho experiência prática nenhuma! Ainda estou me imaginando nos tempos do colégio, quando eu pensava como seria ser professora! Esse tempo na contabilidade não ajudou muito. Não é muito difícil ser professora não?
- Nada... às vezes complica muito, quando se ensina para o segundo grau... é muita coisa. A própria matéria fica muito mais difícil. Você acaba se preocupando pelos alunos. Você mesma tem que estudar a matéria pra não esquecer nada. É muito estressante. Por isso que eu quis sair, já que o Renato está muito bem na diretoria. Agora, a quinta série é moleza. Não tem problema nenhum. Trabalhar com criança é bem fácil, até. Você vai gostar.
- Ahh... é bom ouvir isso. Sempre fico pensando nessas coisas. Deve ser paranóia minha! Minha vida está ficando tão boa... as coisas se acertando no emprego... no amor...
- Ahh... no amor também? Vai me contar essa?
- Ah... é coisa complicada, Bete. É um caso aí. Se a coisa se concretizar eu te conto. É que eu ainda estou meio receosa por enquanto. Desculpa por te deixar curiosa, mas não posso te contar por enquanto.
- Hmm.... tudo bem, então. Vê se me conta, então. Sua mãe, tá bem?
- Tá sim, melhorou bastante. Inclusive, ela disse que encontrou um dia desses na feira o Cláudio! Foi aniversário dele, né?
- Foi sim. Ele me contou que viu sua mãe. Ficou muito feliz em vê-la. Você sabe como é o Cláudio, né? Carente, que só...
- Pois é.. eu queria ligar pra ele, pelo aniversário. Você não pode me dar o número dele não?
- Posso. Ele vai ficar muito feliz em falar com você, Ana. Faz tempo que a gente não se encontra todo mundo, né? O Cláudio esteve numa depressão terrível depois do falecimento da Rebeca... foi uma coisa muito sofrida.... é... você soube. Até hoje ainda não me conformo... imagina ele...
- Pois é... mas ele tem que olhar pra frente! Acho que inclusive ele esteve melhor ultimamente. Quer dizer... foi o que minha mãe disse, pelo menos. Disse que ele estava muito bem. Ele não teve nenhum outro caso desde então não? Outra namorada...
- Ana! A moça morreu há uma ano! Ele a amava muito!
- É... é mesmo...
- Tá. Deixa eu ir lá pegar o telefone dele pra você. Espera um pouquinho só, tá?
- Tá bom. - respondeu Ana, olhando incógnita para a janela do outro lado da sala. Então começou a perceber as vozes das duas crianças brincando no chão. As bonequinhas estavam espalhadas, mas a casinha estava toda arrumada. Carol estava segurando um boneca loira, e Clarice uma morena.
- Vou bater na porta, hein Clarice? Ouve só: TOC, TOC, TOC! - Disse Carol, com entusiasmo.
- Quem é? - Respondeu a outra, com a mão que segurava a boneca dentro da casinha.
- É a Aninha! - Respondeu Carol, fazendo um gesto com a boneca loira.
- Ah! Oi Aninha! Você tá boa?
- Tô boa sim, Bibi! E você?
- Eu também! Que bom te ver de novo! Vem, vem! Entra aqui em casa que eu tô preparando uma comidinha! - Disse Clarice, enquanto Carol colocava sua boneca dentro da casa. Ana ficou observando aquilo enquanto Bete não vinha. Achou engraçada a brincadeira das meninas.
- Alô Ana? - Disse Bete, voltando ao telefone.
- Oi Bete. Pegou o telefone?
- Peguei. É 2814467. Liga pro Clau. Ele vai gostar.
- Ahh...vou ligar sim. 2814467, né? Aliás... a próxima aniversariante da nossa turma é você, não? Vinte e dois de Dezembro! Pensa que eu esqueci sua data, é?
- Ahh, é mesmo. Mas a gente não pretende fazer nada não. Não precisa se preocupar com isso não, Ana.
- Ora, Bete! É tão perto do Natal, e a gente tem se reunido tão pouco ultimamente! Por que não? Nós podíamos fazer uma festa e tanto! Chamar toda a turma, todo aquele pessoal: Paulinho, Fernanda, Raquel,. Zé, Camilo....
- Ahh....acho que não, Ana. A gente não faz essas coisa há muito tempo. Todas nós termos filhos, já e.. .
- Oi Bibi! O seu chá tá muito gostoso! Eu adoro chá! Você não tem geléia também não, Bibi? Eu adoro geléia! - disse a menina, distraindo a atenção da mãe. Ana, orgulhosa, sorriu para a filha, que não deu muito bola e continuou a conversar com a amiga:
- Hein, Bibi? Não tem geléia?
- Tem geléia, Aninha! Tem geléia de morango, uva, abacaxi... tem marmelada também. Quer?
- Quero sim! Eu adoro geléia, Bibi! - a brincadeira das meninas era, para Ana, engraçada, mas tinha algo que a deixava curiosa. Não sabia se o colorido das bonecas, ou se as próprias meninas, tão arrumadinhas, fingindo ser outras pessoas reais de forma tão inocente...
- Ana? - disse Bete, do outro lado da linha.
- Ana, você tá ouvindo o que eu estou dizendo?
- Hã... ah... Bete! Me desculpa! Me desculpa! É que eu me distraí aqui com uma coisa que a Carolzinha estava fazendo. Você sabe que eu sou distraída. Me desculpa, Bete. Você tava falando do Cláudio, né?
- Não, Ana. Eu estava falando da festa que você tá querendo dar no meu aniversário.
- Calma, Bete! Não pense que eu estou querendo usar seu aniversário como pretexto pra festa. Pelo amor de Deus! Eu só queria relembrar alguns tempos bons... afinal, todo mundo gosta muito de você, e você sabe disso.
- Eu sei, mas eu e o Renato já decidimos que não vamos mais fazer essas coisas.
- Bibi! Eu consegui um trabalho, Bibi! Eu vou trabalhar, Bibi! E eu estou feliz, Bibi! - Disse Carol, para a amiguinha.
- É mesmo? Que bom! Você vem trabalhar aqui comigo, Aninha?
- Venho! Vou dar aula! Vou ser tia! Vai ser legal, não vai?
- Vai sim! Quer mais chá com geléia?
Ana parou. Novamente entrou em transe e ficou observando as duas meninas brincarem. Dessa vez, achou lindo. As duas meninas, brincando como gente grande. Começou a achá-las, além de lindas, inteligentes. Sentiu um orgulho de sua filhinha. Imaginou a cena dentro de um quadro. Começou a ver apenas as meninas brincarem:
- Quero mais chá! Geléia chega. Engorda, sabia Bibi? Vamos assistir televisão?
- Não podemos. O Rafa está lá dentro. E ele quer assistir televisão sozinho.
- Ahhh... então não pode. Eu já te disse que eu vou dar aula pras crianças?
- Ana? Ana? O que há com você? Você tá me ouvindo?
- Estou, Bete. É que isso aqui está uma graça. As meninas estão brincando!
- Tá. Ana, tá. Mas a gente estava conversando, lembra?
- Claro, Bete. É que eu estou tão feliz com minha vida, minha filha... porque a gente
tem que criar problema por causa de uma coisa tão idiota quanto uma festa de aniversário?
Olha, Bete, a coisas podiam ser bem mais fáceis. Entendo que as coisas por aí não estão boas, mas você tem que fazer algo para melhorar, ok? Ficar parada de nada vai adiantar. Seus problemas com o Renato... essas coisas podem ser conciliadas. Vocês precisam de mais diversão!
- É... acho que você tem razão. Isso é meio bobo pra nós discutirmos. Há assuntos mais importantes...
- Aninha! Encontrei a Vovó na feira! Quer dizer: o tio Clóvis encontrou a Vovó na feira!
- Que bom, Bibi! E a Vovó tá boa?
- Tá boa. Tio Clóvis é que está triste, Aninha, porque a tia morreu num acidente horrível! E ele ficou triste! – Disse Clarice, para Carol. Ao ouvir isso, Ana novamente afastou-se do telefone, para observar as meninas, mas logo voltou a falar com Bete:
- Que estranho! Essa brincadeira das meninas! Eles estão parecendo a gente!
- Parecendo quem?
- A gente! Nós! A Carol e a amiguinha dela, Clarice, estão brincando de boneca aqui na sala. Eu estava achando lindo mas... agora está estranho... elas estão falando da morte Rebeca!
- Elas devem estar ouvindo você falar, né Ana? É melhor você não conversar essas coisas comigo ou com qualquer pessoas perto da Carol.
- Mas ela só tem seis anos, Bete!
- Por isso mesmo! Quando uma criança descobre uma verdade, ela nunca esquece. Meus filhos são assim, e você tá descobrindo isso agora também.
- Que pena que a tia morreu! Ela era tão bonita! Não era, Aninha?
- Era, mas ela deixava o tio Clóvis infeliz. Hoje ele está muito mais feliz.
- É mesmo? O tio Clóvis está muito mais feliz, Aninha? Porque, se a tia morreu?
- Porque ele está com uma nova namorada, Bibi, Muito, muito mais bonita.
- É mesmo, Aninha? Quem é a nova namorada do tio Clóvis?
- Sou e, Bibi. Sou eu, Aninha! A nova namorada do tio Clóvis.
Nesse momento, Ana gelou. Ela arregalou os olhos e olhou bem para as duas meninas: não podia acreditar no que estava ouvindo. A cena parecia apenas uma simples brincadeira infantil, mas ela percebeu que havia algo de muito errado naquela brincadeira.
- Bete... tem algo estranho aqui... elas estão nos imitando mas...
- Mas o que, Ana?
- Mas... não... deixa pra lá... espera um pouco – disse Ana, colocando o telefone sobre criado-mudo, para poder continuar observando a brincadeira das crianças.
- Ahhh... então, o seu namorado secreto era o tio Clóvis, Aninha? Mas o tio Clóvis é meu irmão! Meu maninho.
- Mas eu estou mais feliz e deixei o tio Clóvis mais feliz também...
- Ahh....Aninha! Então eu não vou poder te chamar pra minha festa de aniversário, porque o tio Clóvis vai estar lá, e o namoro de vocês é segredo.
- Mas eu não quero ir na sua festa de aniversário, Bibi. Eu só disse que queria ir pra poder comer os docinhos e estourar os balões. É que eu adoro brigadeiro e casadinho, Bibi. Mas pelo menos o tio Clóvis me deixa feliz.
- Bete... – disse Ana, pegando o telefone outra vez...
- O que elas estão falando que está te deixando assim, Ana? É algumas coisa séria? São só crianças!
- Bete... – Repetiu Ana, colocando o telefone sobre o criado-mudo novamente.
- Ahh...Aninha! Então você só quer vir pra minha festa pra poder comer docinhos, é? Pois estão eu vou dizer que eu nunca fui sua amiguinha de verdade, e que eu falo mal de você pra todas as minhas amigas!
- Ahh, é? E eu também falo o mesmo de você para todas as minha amigas, Bibi! E saiba que eu também estou namorando o seu marido, o tio Renan! E ele me deixa mais feliz do que deixa você! Eu tenho DOIS namorados da SUA família!
- Meu Deus... – disse Ana, estarrecida. – Carol, minha filha! Vai pra cama, vai! Está na hora de você ir dormir. Vem, Clarice, eu vou te deixar em casa. Vocês já brincaram demais por hoje. – Continuou, ao mesmo tempo em que desmontava as casinhas, guardava as bonecas e colocava o telefone no gancho.

Ciro Inácio Marcondes

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